Há séculos, a vodca é uma das bebidas destiladas mais populares no mundo — e a mais popular na Rússia. É considerada uma bebida tipicamente russa, mas, na verdade, sua história é bem mais complexa.
A vodca não é russa
Um protótipo de vodca foi criado pela primeira vez no Antigo Egito, mas esse líquido era utilizado apenas para fins medicinais, e não para o consumo. Segundo fontes diversas, sua redescoberta ocorreu no século 10, no Oriente Médio, porém, novamente, o produto não foi utilizado como bebida, uma vez que os muçulmanos não consomem álcool.
As primeiras garrafas com vodca chegaram à Rússia apenas em 1386 com os representantes da República de Gênova. A bebida, entretanto, não impressionou a corte russa. Na época, os russos costumavam consumir bebidas alcoólicas menos intensas e mais doces: mel fermentado, kvass, vinho e cerveja. Como a nova bebida apresentada pelos genoveses era forte demais, os governantes permitiam consumi-la apenas como remédio ou diluída.
Na mesma época, de acordo com fontes históricas russas, o monge Isidoro, preso no Mosteiro Tchudov de Moscou, inventou o samogon, ou seja, moonshine (ou bebida destilada de altíssimo teor alcoólico). O samogon é muito parecido com a vodca, mas esta é feita de água e álcool, enquanto o samogon é produzido pela fermentação de grãos — trigo, cevada ou aveia.
Nenhum dos historiadores conseguiu determinar o ano ou até a década em que o “vinho de pão” se tornou comum na Rússia. Reza a lenda que a vodca foi supostamente inventada pelo famoso químico russo Dmítri Mendeleev, mas isso também não é verdade. O químico escreveu uma tese sobre a ligação entre o álcool e a água, estudou a interação das moléculas e tentou entender por que, ao misturar álcool e água em partes iguais, obtém-se um volume menor de líquido do que antes da mistura. Em 1865, ele defendeu sua tese “Sobre as combinações de água com álcool” e recebeu o título de doutor. Resumidamente, a tese focava nas peculiaridades metrológicas da combinação de líquidos e não mencionava a vodca em trecho algum.
No entanto, após a publicação do trabalho científico, o governo patenteou a composição de vodca de Mendeleev chamada “Especial de Moscou”: o álcool de cereais deveria ser diluído com água até exatamente 40 graus.
Na verdade, a vodca se tornou mundialmente famosa como uma bebida tipicamente russa apenas no século 20, graças ao principal produtor do Império Russo, Piotr Smirnov, apelidado de “o rei da vodca”. Smirnov emigrou da URSS após a revolução bolchevique de 1917; em 1933, vendeu os direitos de produção da vodca Smirnoff a um empresário americano, que, por sua vez, os revendeu para a empresa Hueblein em 1938. Devido às raízes e ao nome da marca, a vodca começou a ser percebida como uma bebida russa.
O nome “vodka” surgiu só no século 20
A origem da palavra “vodka” (em transliteração aportuguesada, vodca) não é menos complexa que a própria história da bebida. Na língua russa, o termo é o diminutivo de “voda” (água), significando, assim, aguinha. No entanto, não se sabe exatamente quando essa palavra substituiu os outros termos e começou a ser usada como nome geralmente aceito da bebida destilada.
Antigamente, na Rússia, essa bebida era chamada de “vinho de pão”, “polugar”, “samogon”, “gorelka” (do verbo russo “goret”, ou seja, queimar). A palavra “vodka” era usada apenas não oficialmente, só no discurso oral.
O primeiro documento oficial em que se identificou a palavra “vodka” foi o decreto do primeiro imperador russo Pedro 1º, o Grande, “Sobre a cobrança de impostos sobre vários vinhos e vodkas importadas do exterior”, publicado em 1683. Nos rótulos das garrafas, porém, a bebida ainda era chamada de “vinho de mesa” ou “vinho clarificado”. Os primeiros rótulos com a palavra “vodka” surgiram apenas no final do século 19.
Até a introdução do monopólio estatal sobre a produção de vodca em 1902, existiam muitos nomes para a bebida: vodka, vinho de mesa, vinho de pão e vinho fortificado, entre outros. A lei de 1936, elaborada pelo governo comunista, pôs fim a isso, definindo claramente que a vodca se tratava de “uma mistura incolor e transparente de álcool etílico retificado com água”. A mesma lei determinou uma tecnologia única para fabricação da bebida.
Não existe petisco perfeito para vodca
A vodca se tornou popular na Rússia porque o país tem poucas zonas climáticas adequadas para a produção de uvas, mas tem um excesso de grãos. A popularidade e a disponibilidade dessa bebida formou uma cultura especial e tradições de consumo.
“Beber vodca é um ritual. Geralmente a bebida é consumida como aperitivo ou digestivo”, diz o chef-sommelier do restaurante Maison Dellos, Serguêi Aksiónovski. “Em outras ocasiões, os russos podem beber vodca durante toda a refeição. Neste caso, o menu deve conter, em primeiro lugar, diferentes tipos de legumes em conserva e salgados. Essa tradição se desenvolveu historicamente, porque antes esses tira-gostos eram preparados em todas as casas, e a combinação azedo-salgado cai muito bem com a vodca”, diz.
Segundo Aksiónovski, peixes tipo cavalinha, arenque e salmão, tanto salgados como defumados, também combinam com vodca.
Além deles, sálo (um tipo de petisco feito à base de gordura de porco salgada com duas ou três camadas de carne) e petiscos de carne também caem bem — porco cozido, carne seca e presunto defumado.
As opções mais russas para acompanhar a vodca são panquecas, caviar e borsch. Caviar preto com a bebida é considerado uma das melhores combinações gastronômicas. Assim, a variedade dos tira-gostos para a vodca é enorme, mas nunca combine essa bebida com sobremesas. Leia mais sobre tira-gostos que acrescentam sabor à vodca aqui.
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