As comidas mais estranhas que os tsares russos adoravam

Comida
GUEÓRGUI MANÁEV
Convidados estrangeiros ficavam impressionados com os pratos estranhos no Império Russo, ainda que deliciosos. Cisnes assados, leitões esculpidos com peixe, melancias salgadas e fígado de urso – você teria coragem de prová-los?

1/ Cisne assado​, o favorito dos tsares de Moscou

Ao chegar à corte do Grande Príncipe de Moscou Vassíli 3º em 1526, Sigismund von Herberstein, embaixador da Áustria na Rússia, foi convidado para um banquete honorário, onde viu cisnes assados ​​pela primeira vez – prato do qual os governantes de Moscou se vangloriavam. “Os garçons primeiro trouxeram conhaque, que [os russos] sempre bebem no início do jantar; depois, trouxeram cisnes assados, que costumam servir aos convidados como primeiro prato, sempre que comem carne. Três deles foram colocados diante do príncipe, ele os perfurou com a faca para experimentar qual era o melhor, e qual serviria ao resto, e imediatamente ordenou que fossem levados. Os funcionários serviram os cisnes, depois de cortados e divididos em partes, em pratos menores...”, descreveu Herberstein sobre a cena. 

Herberstein observou que, ao comer carne de cisne, usava-se um molho feito de vinagre, sal e pimenta. Os cisnes eram considerados alimentos próprios para um tsar. Portanto, se os convidados não fossem suficientemente nobres e importantes, nenhum cisne assado lhes seria servido. O prato estava na mesa do tsar em todas as grandes festas, e os cisnes eram servidos com seus bicos cobertos com chapas de ouro.

Mas o segredo para preparar cisnes assados ​​foi perdido com o tempo. No século 19, , o caçador e escritor Serguêi Aksakov, disse: “Não entendo por que os cisnes eram considerados comidas deliciosas e honorárias por nossos Grão-Príncipes e Tsares. Na época, eles devem ter elaborado uma maneira melhor de amolecer a carne.”

Os cisnes assados ​​eram marinados em vinagre e sour cream, e depois preparados em um fogão russo – a ideia é que o calor constante, sem assar em fogo aberto, tornaria a carne da ave mais suculenta.

2/ Tel’noe, a carne feita de...peixe

Os fiéis ortodoxos russos faziam jejum em 200 dias por ano. Os tsares e os grão-príncipes também o seguiam, como todos os russos. Mas, quando um banquete no palácio do tsar – por exemplo, o dia do nome da sua tsarina, ou o aniversário de coroação – caía em um dia desses, como preparar pratos de ‘elite’ sem carne, que era proibida durante o jejum? Bem, os russos aprenderam a fazer carne com peixe. Chamava-se tel’noe – “que parece um corpo”, se traduzido literalmente do russo.

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Eis como Paulo, o arquidiácono de Aleppo, que esteve em Moscou de 1654 a 1656, descreveu o tel’noe: “Depois de tirar todos as espinhas do peixe, eles o esmagam até se tornarem uma massa, depois adicionam cebola e açafrão, colocam em formas de madeira com formato de cordeiros e gansos e fritam em óleo vegetal em frigideiras fundas, para cozinhar por completo... O sabor é excelente – pode-se facilmente passar por carne de cordeiro de verdade.” Em 1678, o viajante tcheco Bernhard Tanner escreveu que “a arte dos cozinheiros de Moscou é capaz de transformar peixes em galos, galinhas, gansos e patos, fazendo com que os peixes se pareçam com esses animais”. Apesar da extensão pesquisa, os historiadores culinários russos Olga e Pável Siutkin não encontraram pratos similares em nenhuma outra cozinha do mundo.

3/ Botvin’ya, a sopa de pobre que o Imperador gostava

O imperador Aleksandr 1º (que governou a Rússia de 1801 a 1825) era alemão de sangue e criado sob os melhores costumes da realeza por sua avó, Catarina, a Grande, também de ascendência alemã. Mas o que Aleksandr herdou mesmo de sua avó foi o amor pela Rússia – e por sua culinária. O prato favorito de Aleksandr era botvin’ya – a sopa de vegetais mais barata, e que toda mulher russa sabia preparar.

Botvin’ya era uma sopa fria de verão. Seu nome é derivado de botva – ou ‘pontas de vegetais’ em russo, e era feito principalmente com folhas de beterraba. Essas folhas de beterraba, ou de espinafre e azedinha, eram cozidas por 1 a 2 minutos e depois picadas junto com picles, endro e cebolinha. Na sequência, todos os ingredientes eram cobertos com kvass branco, que era usado como caldo. Normalmente, servia-se peixe branco (esturjão) como acompanhamento da botvin’ya.

Há uma história engraçada sobre Aleksandr e botvin’ya. O imperador era muito amigável com o embaixador inglês e, certa vez, enquanto falava sobre cozinha russa, Aleksandr observou que o embaixador nunca havia provado botvin’ya.

Assim que botvin’ya foi servida novamente ao tsar, Aleksandr ordenou que uma porção fosse enviada ao embaixador. Mas o cozinheiro do embaixador não sabia que a sopa deveria ser servida fria e a esquentou antes de servir. Da vez seguinte em que os dois se encontraram, o imperador perguntou ao embaixador o que ele tinha achado de sua sopa preferida. O embaixador, que, na época, já sabia do erro de seu cozinheiro, respondeu educadamente: “Um prato que foi requentado certamente não pode ser tão bom como quando acabara de ser preparado”.

4/ Melancias e ameixas em conserva, e chá com picles

O clima russo é sobretudo frio, e os ancestrais, que não contavam com geladeiras, podiam desfrutar de frutas e legumes frescos por apenas cerca de quatro meses ao ano. Por isso, era comum fazer conserva de alimentos, salgando e marinando-os. Todo mundo está familiarizado com pepinos em salmoura (picles), mas também havia melancias salgadas e até ameixas salgadas nas mesas do tsar. Desde os tempos de Aleksêi da Rússia (1629 a 1676), melancias eram cultivadas em Astracã e levadas à mesa do tsar. Aleksêi tentou cultivar melancias em Moscou, mas não eram boas.

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No entanto, cabe lembrar que as melancias não eram salgadas para conservá-las nos meses frios, mas porque a Igreja Ortodoxa proibia comer as frutas frescas; a razão para isso era a semelhança das melancias com a cabeça decepada de João Batista. Desse modo, as melancias eram marinadas em mel com alho e sal – e ainda assim ficavam uma delícia. Ameixas salgadas eram outro prato igualmente complexo.

Para se ter ideia, o imperador Nikolai 1º não comia nada doce, e, para acompanhar o chá, preferia picles salgados – sendo o único da família com tal gosto peculiar.

5/ Chifre de unicórnio e fígado de urso

Os tsares russos antes de Pedro, o Grande, eram tão supersticiosos quanto seus súditos e, na ausência de ciência médica, acreditavam em poções de cura, incluindo o preparado de “chifre de unicórnio”. Mas espera aí, existiam unicórnios na Rússia?

Acreditava-se que o pó feito de “chifre de unicórnio” promovia cura universal: aliviava todas as doenças e era considerado um antídoto multiuso. No século 17, o pó de chifre de unicórnio custava mais do que o mesmo peso em ouro. Tsares e nobres costumavam dissolver o pó nas bebidas para consumi-lo. Mas o que era realmente o “chifre de unicórnio”? Supõe-se que os doutores bruxos do século 17 obtinham os caninos de baleias narval, que se pareciam exatamente com os lendários chifres de unicórnio, e faziam fortuna com isso.

Outro prato inacreditável consumido por tsares russos era fígado de urso, que Aleksandr 2º (governante da Rússia de 1855 a 1881) adorava. Um caçador ávido, Aleksandr era contra as caçadas ‘arranjadas’, quando a presa já estava em uma área determinada da floresta, para que pudesse ser caçada facilmente. O tsar preferia caçadas reais, às vezes procurando presas por dias. E ele adorava comer o que havia acabado de capturar na floresta. Nesses dias de caça, Aleksandr deixava as cerimônias de lado e comia carne de urso ou fígado de urso assado em fogo aberto – iguaria que poucas pessoas considerariam comestível, ou até menos saborosa. Atualmente, o fígado de urso é considerado tóxico porque possui níveis de vitamina A perigosos aos seres humanos – o que não parece bem o caso de Aleksandr 2º.

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