Por que era tão perigoso viver na Rússia na década de 1990?

História
NIKOLAI CHEVTCHENKO
País estava à beira da anarquia e do colapso. As leis não tinham nenhum significado e a riqueza andava de mãos dadas com a morte.
  1. Mercado livre para todos 

Começar seu próprio negócio ou empresa era ilegal na União Soviética. Quem tentasse vender produtos comprados de visitantes estrangeiros era zombado, chamado de “trambiqueiros”. Comercializava-se qualquer coisa: de jeans a discos de vinil, de produtos de beleza a dólares norte-americanos, além de produtos em falta no mercado que se vendiam ilegalmente.

Com a queda da URSS em 1991, todas as barreiras foram retiradas e os “trambiqueiros” daqueles tempos tornaram-se o que hoje chamamos de “empreendedores”. Havia um vasto mercado russo que precisava de bens importados e assim se fez fortuna naquele tempo.

2. Criminosos profissionais

Você já os viu em filmes e poderá reconhecê-los de primeira: criminosos vestindo jaquetas de couro pretas, andando vagarosamente para cima e para baixo em corredores de feiras a céu aberto, mascando sementes de girassol e extorquindo dinheiro dos comerciantes em troca de “proteção”’. Quem não paga é espancado ou até morto.

Nos anos 1990, o crime pipocou em forma de bandos de matadores que “apadrinhavam” cafés, mercados a céu aberto e pequenos negócios de todos os tipos.

As gangues criminosas tinham hierarquia e era difícil entrar nelas. Elas eram frequentemente muito bem conectadas, compartilhando seus rendimentos ilegais com gente poderosa em órgãos do governo.

A imagem do criminoso em jaqueta de couro preta se mantém como um dos símbolos mais duradouros da Rússia dos anos 1990.

  1. A baixa hierarquia da criminalidade

A imagem de um criminoso poderoso, temido e respeitado era vista como um caminho atraente por jovens problemáticos, muitos dos quais tendo passado por todo tipo de sofrimento na infância, como era comum naquele tempo.

Os jovens brincavam de ser criminosos: os mais velhos controlavam os mais novos, extorquindo dinheiro – por vezes, com regularidade.

“Você tem algum trocado? Vamos ver o que acontece se te der uma batida e encontrar!”: esta era a fala favorita de um gópnik, o criminoso de quintal, naqueles tempo.

“Nos anos 1990, os gópnik costumavam agachar-se de cócoras em locais públicos e buscar adolescentes inconformados”, lembra o russo Vassíli Sotnikov, adolescente nos anos 1990.

Enquanto soa estranho que ele ressalte o “de cócoras”, a posição é um clássico da baixa hierarquia da criminalidade russa: um jovem de cócoras comendo sementes de girassol é batata que seja um gópnik.

“Certa vez, cruzei com esses gópniks e eles me pegaram pelos cabelos – eu tinha cabelos compridos então – e me esmagaram contra o interfone do lado de fora do prédio. Este era o passatempo ‘inocente’ deles naqueles tempos”, conta Sotnikov.

4. Academias de artes marciais

A criminalidade desenfreada e a crescente concorrência entre bandidos foi uma grande oportunidade para alguns empreendedores. As academias de karatê pipocavam por todos os porões vazios.

Taekwondo e Thai boxing eram muito populares. Muitas vezes, não era esporte que se via ali, mas um campo de treinamento onde gangues criminosas recrutavam e aperfeiçoavam seus combatentes.

5. Feiras a céu aberto massivas e desenfreadas

Quando as autoridades finalmente fecharam o lendário mercado Tcherkízovski, em 2009, descobriram ali escritórios e albergues subterrâneos.

Ninguém sabe realmente quantos bens (e as pessoas) ilegais e não contabilizados se espalharam do mercado Tcherkízovski para outras regiões do país desde a década de 1990, mas especialistas estimam que o Orçamento russo tenha perdido bilhões de dólares todos os anos enquanto a farra durou.

E, claro, o lugar era um dos focos do crime na década de 1990 em Moscou, onde os criminosos “protegiam” comerciantes e controlavam fluxos de mercadorias na capital.

Anita Lebedeva, que era ainda criança na década de 1990, lembra de suas visitas ao mercado, onde via muitos corredores cheios de mercadorias, a maioria questionável em questão de legalidade.

“Toda vez que eu chegava ao mercado Tcherkízovski, via quilômetros de roupas, sapatos, lingerie, misturados a corredores de comércio de comida, principalmente ‘kebabs’, que eram exóticos em Moscou na época. Os clientes tinham que se despir de classe para experimentar as roupas: no inverno, experimentávamos botas de pé, pisando em um pedaço de papelão, enquanto no verão, experimentávamos biquínis com vendedor ou outro cliente fazendo cabaninha”, conta Lebedeva.

6. Golpes (também conhecidos como “lokhotrons”)

Outras pessoas exploravam a ingenuidade dos russos. Na década de 1990, o país foi terreno fértil para pirâmides financeiras e cultos religiosos. Milhões foram levados a "investir" na infame pirâmide financeira de Serguêi Mavródi, MMM, que usava agressivos anúncios de TV. Claro que os investidores perderam todo o dinheiro.

Os fraudadores aplicavam seus esquemas duvidosos de diversas maneiras. "Meus pais investiram a maior parte de suas economias no Tchara [um banco que existiu brevemente e que gradualmente se transformou em uma pirâmide financeira] e perderam tudo", conta Aleksêi Bobanov, que ainda se lembra dos tristes resultados, apesar de ainda ser uma criança à época.

Seitas religiosas também seguiram o exemplo. Não regulamentadas pelo governo, elas empobreceram uma enorme quantidade de ingênuos adeptos.

Loterias fraudulentas eram usadas para pegar pedestres desavisados. Um bilhete de loteria era grátis, mas sempre havia, supostamente, dois ingressos vencedores. O “sortudo” transeunte era convencido a continuar, e acabava perdendo tanto seu dinheiro quanto o prêmio. Jogos como esses eram chamados de “lototron”, e apelidadados de “lokhotron”, mistura de "lotto" e "tolo".

“Outro tipo de golpe era assim: uma pessoa de aparência respeitável se aproximava de você e dizia que você tinha sido selecionado para fazer parte de uma campanha publicitária para uma grande empresa. Ela dizia que você receberia um presente valioso, mas, para recebê-lo, a vítima desavisada tinha que pagar uma taxa. O valor era menor do que o anunciado, mas muito mais alto do que o preço justo do item. Era assim que eles desencalhavam itens falsificados, vendendo-os pelo quíntuplo de seu valor real”, conta Valentin Sibiriak, que testemunhou todo tipo de golpes nos anos 1990.

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