Como é viver no MAIOR país do mundo?

Estilo de vida
VICTÓRIA RIABIKOVA
Caminhar dezenas de quilômetros para ir ao trabalho ou à escola, dirigir por várias horas até o ponto de acesso à internet mais próximo ou gastar uma bolada para pegar voos domésticos – tudo é possível em um país de 17,1 milhões de quilômetros quadrados, dos quais mais de 50% sequer foram tocados pela humanidade.

A vida em uma cidade grande na Rússia, especialmente na parte ocidental, não é muito diferente da vida na Europa ou nos EUA. Mas em uma vila da Sibéria ou no Extremo Oriente, são muitos os obstáculos que locais superam todos os dias.

Indo à falência para conhecer o próprio país

O aeroporto da pequena vila polar de Tcherski, no nordeste da Iakútia, com uma população inferior a 2.500 habitantes, é basicamente uma caixa de concreto de dois andares com um anexo angular azul brilhante no meio. A sala de espera não acomoda nem 50 pessoas, o café local costuma estar fechado e Wi-Fi só surgiu em 2020.

Mesmo assim, a rede Wi-Fi é praticamente inútil, pois quase não há ninguém para acessá-la. Por quê? Porque o preço de um voo só de ida para a cidade mais próxima, Iakutsk (localizada na mesma região, cerca de 2.500 km de distância), custa de 35 mil a 40 mil rublos (aproximadamente US$ 450 a 515). De Moscou a Iakutsk (8.200 km), um voo de ida custa 10 mil rublos (US$ 130) e para Vladivostok (9.000 km), 13 mil rublos (US$ 170) com tarifas fixas (subsidiadas pelo Estado e sem alteração ao longo do ano; o número de assentos também é limitado).

“A última vez que voei de férias foi um ano atrás para Guelendjik [cidade turística no sul da Rússia] com minha família. As passagens só de ida custam 100 mil rublos (US$ 1.300) por pessoa, e meu salário é várias vezes menor”, diz Karina Khan-Chi-Ik, que trabalha para o governo local. Karina gostaria de viajar com mais frequência, mas, segundo a lei, a administração paga a todos os residentes da vila por apenas um voo a cada dois anos, e ela não consegue economizar para tirar férias sozinha.

O salário de outra moradora local, Victoria Sleptsova, não é suficiente para o hotel em um balneário russo, por isso ela passa férias em Iakutsk.

“Os hotéis do sul são muito caros para mim, especialmente no verão, e os aviões são desconfortáveis ​​– em um voo de 4 horas eles oferecem apenas água e lanches”, diz.

Nem mesmo a maioria dos moscovitas têm dinheiro para viajar pela Rússia. A blogueira de viagens Natália Popova já esteve em 43 países e visitou 23 regiões da Rússia (são 85 no total) nos últimos cinco anos, mas alguns lugares no país ainda são inacessíveis para ela – não geograficamente, mas financeiramente.

“Comecei a viajar pela Rússia durante a pandemia, pois não tinha escolha. De Moscou, dá para voar bem barato para cidades famosas próximas como Kazan, São Petersburgo, Rostov-no-Don, Iekaterinburgo e Samara. Mas os lugares mais bonitos da Rússia, como Baikal, Kamtchatka e Sacalina, são muito caros”, explica Popova.

A também viajante e blogueira Maria Belokovilskaia concorda. Na época desta entrevista, ela estava em Dikson, uma das aldeias mais setentrionais da Rússia.

“Este é um pequeno povoado no deserto ártico, com população de 300 pessoas. Voar para cá me custou 70.000 rublos (US$ 905) – pela mesma quantia você pode ir para Botsuana, na África. Não me arrependo da escolha, mas para os russos, as passagens até mesmo para lugares distantes no país deveriam ser mais baratas”, diz.

Longas distâncias para a escola

“Sania, espere!” grita uma mulher, enquanto filma com seu telefone um homem quebrando o gelo com uma pá para que o barco continue em movimento. É assim que Leonid Khvatov, moradora na aldeia de Pakhtalka, na região de Vologda (527 km de Moscou), leva seus dois filhos até a escola mais próxima – primeiro de barco, atravessando um rio, depois mais dois quilômetros a pé em um campo. A administração local se recusa a construir uma ponte por falta de verba, e ônibus escolar também não é opção porque não há estrada.

“Na primavera e no outono, as crianças andam na lama até a cintura, e no inverno muitas vezes com neve até a cintura, porque a ‘estrada’ atravessa um campo. (...) As crianças atravessam o rio duas vezes por dia. No inverno, há uma travessia de gelo e, no outono e na primavera, minha esposa e eu os transportamos de barco. (...) Em certas épocas do ano, não podemos obter assistência médica ou qualquer outra ajuda por causa disso”, disse Leonid Khvatov ao portal de notícias NewsVo, de Vologda.

Levando em consideração a Rússia como um todo, esses tipos de situações são mais regra do que exceção. Todo outono e primavera, surgem notícias de que as crianças desta ou daquela vila não conseguem chegar até a escola. Por exemplo, durante a pandemia de coronavírus na primavera passada, a professora primária Svetlana Dementieva, da região de Kursk (524 km de Moscou), caminhava de 7 a 8 km para levar o dever de casa para crianças que vivem em casas sem acesso à internet.

As crianças da aldeia de Krasnaia Gora, na região de Tver (614 km de Moscou), também enfrentam uma jornada difícil para ir à escola, segundo descreve um usuário de fórum com o apelido de Olgard.

“Fui a pé para a escola durante quatro anos, 8 quilos na ida, 8 km na volta. Não era nada, apenas tínhamos que nos esconder dos lobos no inverno e atravessar o lamaceiro no outono e no início da primavera. Às vezes eu ia pedalando no inverno e caía umas 15 vezes – a estrada era realmente escorregadia”, lembrou.

Segundo Olgard, algumas crianças iam para a escola a bordo de  um veículo agrícola ou de ônibus, que costumava quebrar no caminho. Na época do Ensino Médio, seu pai o levava de trator e, mais tarde, começaram a disponibilizar ônibus.

“Agora, há mais animais selvagens por perto, então é muito perigoso deixar crianças andarem. Mas o cenário é deslumbrante”, acrescenta.

Sem sinal de celular ou internet

Em 2020, bastam alguns cliques para enviar um meme a um amigo, encontrar as informações de que você precisa ou assistir a um filme. Mas para Aleksandr Guriev, de 43 anos, residente do vilarejo de Bolshie Sanniki, em Khabarovsk (8.900 km de Moscou), com cerca de 400 habitantes, as coisas nunca foram tão fáceis.

Cada vez que Guriev queria navegar na internet, ele se vestia, pegava o carro e dirigia cerca de 700 km (8 a 12 horas) até a cidade mais próxima, Khabarovsk, para pegar o sinal de cobertura móvel. Foi assim até o outono de 2020, quando a vila enfim obteve sua primeira conexão própria com a internet.

“Eu não era tão viciado em internet, mas, mesmo assim, não conseguia marcar uma consulta médica on-line como pessoas comuns, era um tormento. Em casa era um tédio – sai para pescar e comia, os vizinhos partiam para bebida. Agora, pelo menos, posso entrar na VK [rede social mais popular da Rússia]”, conta Guriev.

Na vila de Salba, no território de Krasnoiarsk (4.200 km de Moscou; população não superior a 200), não havia internet ou cobertura móvel até março de 2020. A moradora local Marina, cujo nome verdadeiro preferiu não revelar, afirma que a vila vivia bem sem internet. “Você tem ideia de como é a vida no campo? Praticamente não temos folga, apenas trabalho. A gente só precisa de internet para manter contato com parentes. Vamos indo bem como estamos”, diz Marina.

De acordo com dados oficiais, em 2019 havia mais de 25 mil assentamentos russos com população de 100 a 250 pessoas sem acesso à internet ou cobertura móvel.

Mais fácil ir ao exterior do que a Moscou

Pegar o carro e dirigir para Polônia ou Alemanha para fazer compras ou lazer (sem esquecer o passaporte com visto Schengen, é claro) é um fim de semana comum para a jornalista do Russia Beyond Ekaterina Sinelschikova, que mora em Kaliningrado.

“Antes das sanções em 2014 [quando um embargo alimentar foi introduzido contra a Rússia], viajávamos regularmente para a Polônia – cruzávamos a fronteira, dirigíamos  até o supermercado mais próximo a alguns quilômetros da fronteira e estocávamos alimentos. Ficava mais barato assim, mesmo levando em conta o gasto com gasolina. Depois de 2014, não paramos de ir, mas íamos com menos frequência. Nas vezes que fomos, escondi produtos poloneses na minha bolsa”, lembra Sinelschikova.

Segundo Ekaterina, era mais rápido e fácil chegar à Europa do que a Moscou – viagens para a Europa nas férias de Ano Novo e passeios de 2 ou 3 dias para castelos e parques aquáticos europeus eram especialmente populares. Ainda assim, muitos sonhavam em morar na capital e fugir da cidade provinciana, mesmo perto da Europa.

“Depois de ter vivido em Moscou, você começa a ver os prós dos antigos contras de Kaliningrado. Muitas pessoas que conheço eventualmente voltaram. Você começa a apreciar a floresta, o mar, os espaços abertos – não há nada parecido em Moscou”, diz Ekaterina. “Além disso, você nunca fica sem companhia – basta entrar em um bar local e você com certeza encontrará um amigo, colega ou ex-colega de escola. Você não precisa fazer planos com uma semana de antecedência, tudo é mais simples.”

O ex-mergulhador de um navio de resgate Dmítri Tchalov, 55, vive atualmente em Vladivostok, mas passou a maior parte da vida em diferentes cidades na China e no Japão. Tchalov foi para a China pela primeira vez em 1995, na época em que trabalhava como marinheiro, rebocando navios para venda na China e no Japão.

“Eu tinha 30 anos e nunca tinha visto uma cidade tão grande. E o melhor de tudo para nós, marinheiros, era a principal rua comercial, que podia ter entre 7 e 17 km de extensão. Havia todo tipo de mercadoria, cafés que vendiam sapos e cobras, equipamentos domésticos que pareciam ter vindo do espaço”, lembra Tchalov.

Mais tarde, ele começou a passar férias na China, Japão, Tailândia e Vietnã todos os anos, custeadas pelo Estado, já que trabalhava no serviço de resgate.

“Aqui temos mar, natureza e países estrangeiros mais próximos do que a nossa capital. O que é Moscou? Um saco de concreto, nada mais”, conclui Tchalov.

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