Veja por dentro a “Lêninka”, maior e mais antiga biblioteca da Rússia (FOTOS)

A Biblioteca Estatal Russa, conhecida pelos russos carinhosamente como “Lêninka”, não é somente uma meca para estudiosos e leitores de livros. Além de santuário de leitura, ela se destaca como local de paquera para intelectuais e espaço perfeito para fazer palavras cruzadas - e até mesmo ginástica!

Os cliques da câmera fazem com que todos os olhares na sala virem, com desaprovação, do material de leitura para o fotógrafo - a fonte do indesejado ruído. “Mantenha o silêncio” é, aqui, uma placa tão comum de se ver quanto uma de “Não fume” a bordo de um avião.

No momento em que surgimos com nossos equipamentos fotográficos, os supervisores da biblioteca, como os falcões, nos cercam por todos os lados, exigindo a nossa permissão para tirar fotos – que, felizmente, possuímos. Com guardiões como esses, a maior coleção de livros da Rússia nunca precisa temer por sua segurança!

Um pouco de história

Inicialmente, a coleção da biblioteca foi composta a partir da coleção pessoal de manuscritos e livros raros do conde e estadista russo Nikolai Rumiantsev. Por ordem pessoal do tsar Nikolai 1°, o Museu Rumiantsev foi fundado em São Petersburgo, em 1828. Com o tempo, porém, ele não conseguiu resistir à concorrência de outras instituições na então capital da Rússia, acabando por se transferir para Moscou. Para tanto, foi designado um dos edifícios mais bonitos fora dos muros do Kremlin, a Casa Pachkov.

Depois da Revolução de 1917, a biblioteca prosperou. A capital seguiu a biblioteca até Moscou, e o Museu Rumiantsev tornou-se o principal repositório de livros do país. Um novo prédio e um novo depósito de livros foram construídos para ele posteriormente. Hoje, os prédios da biblioteca ocupam um quarteirão inteiro. E a Casa Pachkov também abriga uma seção de música, assim como um departamento de manuscritos e cartografia.

Nos tempos soviéticos, o Museu Rumiantsev foi rebatizado de Biblioteca Estatal Lênin da URSS. Em homenagem a ela foi que se intitulou a estação de metrô mais próxima, inaugurada em 1935, “Biblioteka ímeni Lênina” (em português, “Biblioteca Lenin”). Mais recentemente, a biblioteca abandonou o nome de Lênin, mas até hoje ela é chamada de Lêninka.

Em 2013, um departamento especial da biblioteca e uma sala de leitura foram abertos no Museu Judaico e Centro de Tolerância de Moscou. Ele abriga a Biblioteca Schneerson - uma coleção de literatura religiosa e secular de judeus chassídicos. Desde então, os materiais da coleção foram completamente digitalizados.

Um pouco de modernidade

Ao visitar a biblioteca da Universidade de Oxford, na Grã-Bretanha, por exemplo, podemos sentir a mão da história antiga apoiada sobre nosso ombro. Da mesma forma, a Lêninka joga o curioso visitante no passado - mais próximo no tempo, mas ainda assim passado. Salões verdes, mesas cobertas de pano, lâmpadas... É o socialismo embalsamado com um rosto humano, e talvez o melhor do que resta do império soviético perdido.

A Lêninka nunca está vazia, sua chapelaria está sempre cheia de gente. A cada segundo, mulheres de todas as idades e professores de óculos sobem a escadaria principal, de uma beleza extraordinária. Uma excêntrica senhora de idade indeterminada, de cabelos vermelho-fogo, cantarolando algo para si mesma, entra confiante na seção de música – claramente, uma habitué.

Dentro da biblioteca há diversas salas de leitura equipadas com computadores, assim como corredores e recantos infinitos com mesas de leitura. A esteira transportadora traz continuamente todos os tipos de volumes e fólios do depósito de livros. É possível lançar o olhar sobre um guia de italiano autodidata, um livro sobre os princípios básicos da contabilidade e uma edição rara de Borís Pasternák.

Para alguns peregrinos, a biblioteca é uma experiência quase religiosa - um ritual repleto de livros e mesas antigas, com o aroma do velho mundo de armários de madeira, piso de assoalho e a própria história pairando no ar. Quando estão ligadas, as lendárias lâmpadas verdes mergulham a sala em uma atmosfera pensante.

Um senhor idoso, vestido de maneira elegante, examina um manuscrito por meio de uma lupa, próximo a uma mulher de meia-idade de aparência severa e óculos, claramente uma professora. O vizinho é um professor barbado e, a uma mesa de distância, um grupo de estudantes está fazendo selfies. Outros estudantes, chineses, estudam russo.

No corredor repleto de arquivos de fichas, a atmosfera é mais descontraída. Um aposentado lê revistas recém-impressas para não ter que comprá-las. Na mesa ao lado, um homem de roupa esportiva resolve palavras cruzadas. Ele está passando tempo antes de pegar um trem? Ou só que exercitar sua massa cinzenta? Falando em exercício, tem até alguns marombeiros. Um visitante, por exemplo, abre um tapetinho de borracha em um corredor remoto e faz ginástica – mente sã e corpo são também, tudo ao mesmo tempo?

Números

Hoje, a biblioteca abriga mais de 47 milhões de unidades de armazenamento em 367 idiomas, incluindo alguns orientais raros. Além de publicações (a biblioteca recebe uma cópia obrigatória de todas as obras impressas), há manuscritos raros, versões impressas inéditas de artes visuais, materiais fotográficos, mapas, partituras, periódicos, atos normativos, literatura militar e, é claro, literatura sobre a arte da biblioteconomia. Aqui, também é possível encontrar todas as dissertações escritas no país desde 1951.

A biblioteca tem 36 salas de leitura abertas aos visitantes e o Wi-Fi é quase onipresente. Cerca de 100.000 novos usuários se registram anualmente. Os funcionários apresentam uma estatística interessante: a cada minuto, as portas da biblioteca são abertas por cinco visitantes.

A Lêninka está atualmente no processo de digitalização de seus arquivos. Sua biblioteca eletrônica já possui 1,3 milhão de documentos, sem mencionar o acesso a bancos de dados eletrônicos remotos, incluindo os da Cambridge University Press e da Springer Publishing, diversos bancos de dados de bibliotecas on-line e o arquivo JSTOR de periódicos digitalizados. A lista completa está disponível no site da Lêninka.

Dicas

Cidadãos com pelo menos 14 anos, provenientes de qualquer país, podem se registrar na biblioteca. O procedimento é completamente gratuito. É necessário apenas um documento de identidade (além de passaporte e visto – este, apenas no caso de a pessoa ser proveniente de um país que requere visto).

O procedimento leva menos de dez minutos. Você será fotografado e um cartão de plástico da biblioteca será emitido. Os estudantes costumam brincar que a foto do seu cartão da Lêninka será, certamente, a pior que você já teve. Hoje em dia também é possível se inscrever on-line.

Após o registro, você precisará deixar o seu casaco e quaisquer mochilas, bolsas e sacolas grandes – além de todos os seus livros - na chapelaria. Você pode levar consigo para dentro da biblioteca uma bolsa pequena e o laptop, papéis para anotações e canetas, além de telefone.

A biblioteca está aberta das 9:00 às 20:00 todos os dias, exceto aos domingos. Esteja preparado para ter que esperar pelo livro que você quer, talvez até mesmo algumas horas enquanto ele é trazido do depósito de livros. Se o tempo for curto, você sempre pode encomendar um livro e ir buscá-lo no dia seguinte. Se não, uma voltinha na Praça Vermelha, bem ao lado, resolve o problema.

Por muitos anos, a Lêninka teve a reputação de local onde conhecer a cara metade - uma esposa ou marido de uma respeitada família de professores. Teve gente que até visitou a biblioteca justamente com esse propósito em mente. Ah, se as paredes da sala de fumantes da Lêninka falassem! Era bem para ali que os românticos iam conversar para não romper o silêncio sagrado das salas de leitura.

No filme vencedor do Oscar “Moscou não acredita em lágrimas”, a protagonista, uma estudante provinciana, frequenta uma sala de leitura da Lêninka, observando qualquer par que lhe pareça adequado, antes de rumar à sala de fumantes - onde dois jovens acadêmicos lhe oferecem fogo simultaneamente.

De acordo com os supervisores da biblioteca, os visitantes ainda perguntam sobre a famosa sala de fumantes. Mas, infelizmente, ela não está mais lá: fumar, agora, é proibido dentro do prédio.

Mas não se desespere! A biblioteca tem hoje uma cantina maravilhosa em vez do fumódromo. Afinal,  se não é para as almas gêmeas se encontrarem ali, para que seria então?

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