Como os clássicos da literatura russa odiavam (ou amavam?) o inverno

Cultura
ANNA POPOVA
Anton Tchékhov reclamava da vida ociosa no inverno na cidade de Ialta e Mikhail Bulgákov se queixava da neve e do frio “chatos”, enquanto o poeta Kornêi Tchukôvski escreveu que sair para a rua no mau tempo era perigoso para a saúde. Selecionamos as frases mais expressivas sobre o inverno nos diários e nas cartas dos clássicos da literatura russa.

No inverno, o clima na maior parte da Rússia é bastante instável: sol, neve, degelo e geada se revezam rapidamente. Muitos russos não gostam dessa época do ano, embora aceitem que a beleza do inverno russo é incomparável. Os clássicos da literatura russa não são uma excepção.

Um dos maiores escritores russos, Ivan Turguêniev (1818-1883), por exemplo, não suportava o inverno. “A tempestade de neve da manhã se enfurece, chorando, gemendo, uivando nas ruas sombrias de Moscou. Os galhos das árvores sob minhas janelas se entrelaçam e se retorcem como pecadores no inferno, em meio a esse barulho vem o triste toque dos sinos... Que clima! Que país!”, escreveu Turguêniev para a cantora de ópera Pauline Viardot.

O poeta Kornêi Tchukôvski (1882-1969) também não ficava feliz com o clima frio. “O tempo lá fora é desprezível: algo repugnante está caindo do céu em grandes quantidades e forma um mingau no chão, que não escorre como a chuva, e não se acumula como a neve, mas transforma todas as ruas em uma poça contínua. Neblina. Todos que saíram ontem estão condenados à gripe, febre ou tifo”.

O poeta Aleksandr Blok (1880-1921) era outro que odiava essa época do ano. “O eterno horror da véspera de Natal e dos feriados: a geada é tão forte que, na rua, encontramos pessoas confusas andando irregularmente. Eu, passeando em frente da banheira, estou congelando em um casaco caro”, escreveu.

Anton Tchékhov (1860-1904) escreveu da sua propriedade rural em Melikhovo para o editor Aleksêi Suvorin: “…Está caindo neve o dia todo, e à noite a lua brilha por todo o lugar. Lua magnífica e maravilhosa. Fabulosa. Mas, mesmo assim, ainda me surpreendo com a resistência dos proprietários de terras que vivem no campo durante o inverno. No inverno, há tão pouco para fazer na aldeia que, se alguém não estiver envolvido em trabalho mental de uma forma ou de outra, inevitavelmente se tornará um glutão e um bêbado [...] A monotonia das montanhas nevadas e das árvores nuas, as noites longas, a luz do luar, o silêncio sepulcral dia e noite […] — tudo isso provoca preguiça, indiferença e um fígado inflamado”.

“Noite. Uma nevasca terrível assola incessantemente lá fora. Acabei de sair para a varanda. O vento frio sopra a neve em meu rosto. Na escuridão impenetrável, nem mesmo os prédios podiam ser vistos. Mal se vê o jardim coberto de neve, como em um nevoeiro. O frio é insuportável” — assim descreveu o inverno o escritor Ivan Búnin (1870-1953).

“Este inverno é realmente interminável. Você olha pela janela e tem vontade de cuspir. E a neve cinzenta vai ficando e ficando nos telhados. Estou tão cansado do inverno!”, reclamou em uma carta ao filósofo Pável Popov o escritor Mikhail Bulgákov (1891-1940).

Até mesmo no sul da Rússia, na costa marítima, é impossível se esconder do inverno. O escritor Ivan Búnin escreveu da cidade de Ialta para Anton Tchékhov: “Durante alguns dias vivemos em um inverno tempestuoso, exatamente como costumamos testemunhar nos dias sombrios de março”.

Embora os invernos na Crimeia sejam incomparavelmente mais amenos e quentes do que em Moscou ou São Petersburgo, ainda podem ser cansativos. “Aqui, na abençoada Ialta, a única coisa que não permite adoecer é escrever cartas. A ociosidade, o inverno estúpido com temperatura constante acima de zero, a completa ausência de mulheres interessantes — tudo isso pode desgastar um homem e deixá-lo abatido em um curto espaço de tempo. Estou cansado, me parece que o inverno dura há dez anos”, lamentou Tchékhov.

No entanto, é quase impossível não sucumbir também ao encanto das paisagens de inverno russas. “O lampião queima sobre a mesa com uma luz fraca e silenciosa. Os desenhos brancos gelados nas janelas lançam luzes brilhantes multicoloridas. Está tudo quieto, apenas a tempestade de neve uiva, e Macha [Maria Búnina, irmã do escritor] cantarola alguma canção. Você ouve essas melodias e involuntariamente se rende ao poder da longa noite de inverno”, confessou Ivan Búnin.

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