Por que os russos chamam os estereótipos sobre si mesmos de ‘oxicocos’?

Cultura
EKATERINA SINELSCHIKOVA
O que significa "oxicoco" em linguagem figurada? Por que especificamente o "oxicoco", e quem inventou a expressão? Eis as origens dessa expressão...

— Como vocês, soviéticos, lidam com todo o estresse?

— Vodca.

É isso o que responde a personagem de Arnold Schwarzenegger no lendário filme "Inferno Vermelho" (1988). Além disso, no cinema os homens russos (que se chamam todos Boris ou Ivan) brincam com fuzis de assalto AK-47 desde tenra idade, usam chapéus com orelhas, gostam de balalaica e têm um urso (de verdade!) preso a uma corrente em casa. Quando eles levantam o copo, dizem "Na zdoróvie!" e bebem vodca, em vez de água. Eles também são todos membros da horrível e disseminada máfia russa. E vestem Adidas.

Já as mulheres russas... É melhor não confiar nelas! Elas são todas beldades e se chamam todas Natacha, mas, como são na verdade agentes da KGB, tentarão matá-lo na primeira oportunidade!

Na Rússia, temos apenas uma coisa a dizer em: "KLIUKVA!" (do russo, “oxicoco”).

Mas espere... O que essa frutinha tem a ver com isso?

O que as frutas silvestres têm a ver com isso?

"Oxicoco" é a palavra usada para descrever os estereótipos e ideias mais bizarros, que têm pouco (ou nada) a ver com a realidade, e que os estrangeiros têm sobre a Rússia. A expressão completa é "oxicoco ramoso" (em russo, "razvésistaia kliukva"), e ela é definida pelo dicionário explicativo Ojegov da seguinte maneira: expressão usada ironicamente quanto “a algo completamente inverossímil e que revela a completa ignorância quanto ao assunto”. É a expressão completa, "oxicoco ramoso", que revela o verdadeiro significado da expressão idiomática.

Qualquer um que tenha visto uma planta de oxicoco real uma vez na vida sabe que se trata de um arbusto baixo, com 2 a 3 cm de altura, que se arrasta pelo chão e não pode ser descrito como “ramoso”. Em outras palavras, um "oxicoco ramoso" não existe na natureza.

Alguns estrangeiros escrevendo relatos de viagens na Rússia no final do século 19, no entanto, alegaram ter passeado sob um "oxicoco ramoso" — causando risos descontrolados entre os russos. É por isso que esta teria se tornado uma expressão idiomática naquele período.

Uma outra hipótese para o surgimento da expressão a liga a um erro de tradução, já que a língua inglesa não tem uma palavra para viburno - um arbusto de frutos vermelhos comestíveis que são um pouco semelhantes aos oxicocos. Em inglês, viburno às vezes é chamado de "highbush cranberry" (que, em russo, não é a mesma coisa que oxicoco), e trata-se de um arbusto sob o qual se pode, sim, passear: o arbusto de viburno pode alcançar até cinco metros de altura.

Mas, independentemente de ter sido um conto bobo de viajante ou um erro de tradutor, o paradoxo do oxicoco se mostrou muito útil, já que ideias absurdas sobre a Rússia abundavam naquela época.

Por exemplo, em 1871, o jornal "Moskovskie Vedomosti" citou um artigo sobre Moscou publicado no popular semanário parisiense "L'Illustration", no qual a Catedral de Cristo Salvador era descrita como “o mais antigo dos marcos religiosos construídos dentro do Kremlin”. O problema era a construção ainda não estava concluída e não tinha nada a ver com o Kremlin.

O autor do artigo no "Moskovskiye Vedomosti" não perdeu a chance de tirar sarro: "Parece aquela época feliz em que um turista francês contou como na Rússia ele se sentou à l'ombre d'une klukva... [à sombra de um arbusto de oxicoco]."

A expressão foi amplamente utilizada em artigos satíricos na imprensa russa e rapidamente passou a fazer parte do léxico.

A lista de fenômenos considerados como "oxicocos" cresceu e mudou ao longo do tempo. Em 1908, a Rússia era conhecida no exterior como uma terra onde "à sombra de um extenso arbusto de oxicoco, os camponeses sorviam uma bebida chamada samovar (o samovar não é uma bebida, mas um tipo tradicional de chaleira russa). Já hoje, o país é visto como um lugar onde todo mundo é espião, absolutamente todos são comunistas, e assim por diante.

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