Por que as cúpulas das igrejas russas têm forma de cebola?

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A arquitetura das igrejas russas é muito diferente e o visual das igrejas ortodoxas mudou ao longo dos séculos. Mas as cúpulas são um indício do período e da região a que pertence uma igreja, assim como quem ou o que ela homenageia.

As basílicas dos primeiros cristãos e os templos romanos antigos frequentemente tinham uma enorme cúpula em forma de meia esfera. As igrejas russas, no entanto, podiam ter no topo várias cúpulas de diferentes formatos.

Assim, na Rússia, se uma igreja tem três cúpulas, elas simbolizam a Santíssima Trindade; cinco simbolizam Cristo;  quatro, os evangelistas; e 13 são geralmente dedicadas a Cristo e aos apóstolos. No país, uma igreja pode ter até 25 cúpulas — é o caso da primeira igreja ortodoxa de pedra construída na Rússia de Kiev no final do século 10. Além de Cristo e dos apóstolos, as outras cúpulas simbolizavam os Doze Profetas. Esse templo, porém, não sobreviveu até os dias atuais.

Projeção visual da Igreja dos Dízimos em Kiev no passado.

Mas as cúpulas dessa igreja não tinham formato bulboso. Por muito tempo, a arquitetura da igreja russa usou as chamadas cúpulas “capacetes” — já que sua forma lembrava os capacetes dos bogatires russos. As igrejas mais antigas ainda ostentam esse tipo de cúpula.

Catedral de Santa Sofia, do século 11, em Velíki Nôvgorod, uma das igrejas mais antigas da Rússia ainda de pé.

Catedral da Assunção, do século 12, em Vladímir.

Catedral João Batista, do século 13, em Pskov.

No entanto, as cúpulas bulbosas se tornaram um dos símbolos da Rússia e a principal característica arquitetônica da igreja ortodoxa. A forma simboliza a chama de uma vela. "É a coroa de uma igreja, como uma língua de fogo coroada por uma cruz e afinando em direção à cruz...", escreveu o filósofo religioso Evguêni Trubetskoi em seu tratado “Três ensaios sobre o ícone russo”.

Igreja da Transfiguração, do século 17, na ilha de Kiji, na República da Carélia.

A “cebola” é a parte final da cúpula, assentada sobre uma base cilíndrica (chamada de tambor), e o diâmetro da cúpula da cebola é mais largo do que o tambor.

Cúpulas da Catedral Verkhospasski, no Kremlin de Moscou.

Os historiadores têm várias diferentes sobre quando as cúpulas bulbosas surgiram e, o mais importante, o que inspirou sua criação. Essas cúpulas podem ser encontradas em inúmeras miniaturas e ícones a partir do final do século 13 — mas as igrejas retratadas nessas miniaturas não sobreviveram até os dias atuais.

Apresentação no templo. Ícone da vila de Krivoie, escola de Nôvgorod, primeira metade do século 14.

Então, de onde surgiu a forma bulbosa? Alguns estudiosos acreditam que ela tenha sido inspirada nas imagens da Edícula (a capela acima do Santo Sepulcro), que, acredita-se, tinha uma cúpula bulbosa já no século 11.

Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém.

Outros historiadores acreditam que as cúpulas bulbosas podem ter inspiradas na arquitetura islâmica das mesquitas, que no século 15 tinham cúpulas alongadas.

Mausoléu Gur-e Amir, em Samarcanda, início do século 15.

Diversas teorias buscam explicar a popularidade da forma na Rússia. Uma delas é a de que a forma bulbosa é mais prática, pois evita que neve e água se acumulem. Outra teoria diz que a forma era mais fácil de executar em madeira do que a do capacete, e quando a construção das igrejas mudou da madeira para a pedra, a forma se manteve na última. Uma terceira teoria sugere que os arquitetos medievais tenham buscado obter formas alongadas e mais altas na arquitetura religiosa, seguindo o estilo gótico, predominante na Europa então.

Livro de orações do Mosteiro Kirillo-Belozerski, 1407.

A maioria das igrejas com cúpulas em forma bulbosa ainda existentes foram construídas a partir do século 16. Uma dos mais famosas é a Catedral de São Basílio, na Praça Vermelha, erigida durante o reinado de Ivan, o Terrível.

Catedral de São Basílio, meados do século 16.

Um fator que pode ter contribuído para o uso generalizado de cúpulas em forma bulbosa foi o surgimento, nos séculos 16 a 17, de igrejas em formato de tendas. O telhado de tenda - uma pirâmide muito íngreme, alta e multifacetada - era uma alternativa à cúpula que encimava o tambor.

Pesquisadores afirmam que os arquitetos medievais não devem ter achado suficiente encimar a estrutura do telhado inclinado com uma cruz e começaram a adicionar cúpulas em forma bulbosa. A moda se espalhou tanto em igrejas de madeira quanto em pedra e ainda pode ser visto no norte da Rússia, assim como em Moscou, Vladímir e Súzdal. Além disso, em muitas igrejas com arquitetura mais familiar, as torres do sino são encimadas com telhados de tendas.

Igreja de João Crisóstomo, do século 17, região de Arkhânguelsk.
Igreja da Festividade da Transfiguração, do século 16, na vila de Ostrov, região de Moscou.

Assim como o número de cúpulas, a cor delas também tem um simbolismo próprio. Assim, as famosas cúpulas douradas simbolizam a glória celestial e são usadas para encimar as catedrais ou as principais igrejas de mosteiros e conventos. Essas catedrais são frequentemente dedicadas a Cristo ou às Doze Grandes Festividades (os 12 principais feriados celebrados pela Igreja Ortodoxa Russa).

Portal-Igreja da Transfiguração, do século 17, no Convento Novodevitchie, em Moscou.

Cúpulas azuis com estrelas são usadas em igrejas dedicadas à Virgem Maria ou ao nascimento de Cristo.

Catedral da Natividade, do século 18, em Súzdal.

As cúpulas verdes são típicas de igrejas dedicadas à Santíssima Trindade ou a santos em separado: as igrejas dedicadas aos últimos às vezes também têm cúpulas prateadas.

Igreja do Nascimento de João Batista, do século 17, em Uglitch.

Cúpulas pretas são usadas principalmente em igrejas de mosteiros.

Catedral da Assunção, do século 16, no Mosteiro Solovki.

Acredita-se que as cúpulas multicoloridas da Catedral de São Basílio, o Abençoado, na Praça Vermelha moscovita, simbolizem a beleza da Jerusalém celestial, que, reza a lenda, o santo tolo Basílio viu em um sonho.

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