Leitura leve para todos:
1. Sobre Isto, de Vladímir Maiakóvski
Publicada pela editora 34 em 2018, a obra tem destaque em nossa lista, já que sua primorosa tradução, executada diretamente do russo por Letícia Mei, simplesmente abocanhou o Prêmio Jabuti na categoria.
Um dos maiores nomes da poesia do século 20, conhecido como “Poeta da Revolução” por seu engajamento na construção da nova sociedade soviética, Vladímir Maiakóvski (1893-1930) foi também um grande poeta lírico. Publicado em 1923, “Sobre isto” é fruto de sua relação amorosa com Lília Brik, interrompida em dezembro de 1922 por uma briga entre o casal.
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2. O Compromisso, de Serguêi Dovlátov
Nesta obra de 1981 cheia de sarcasmo traduzida diretamente do russo por Yulia Mikaelyan e Daniela Mountian e publicada pela editora Kalinka, Dovlátov (1941-1990) se inspira no cotidiano das ruas e da redação onde trabalhava na Estônia soviética.
Cada “compromisso” relembra uma notinha redigida pelo jornalista para o veículo: um cientista que relata como traficou um vibrador da França à URSS, um funcionário dedo-duro do jornal que “faz hora extra” na KGB do outro lado da rua, um pai que ameaçaria dar a seu filho, cidadão “N° 400.000” de Tallin, o nome de Adolf, chantageando o jornal por 25 rublos ou um fotógrafo bêbado que procura por microfones e câmeras escondidos... Os personagens do pseudo-jornalismo-gonzo de Dovlátov são garantia de riso do começo ao fim!
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3. Antologia do humor russo (1832-2014)
Com organização e apresentação de Arlete Cavaliere, a obra passou o ano de 2018 sendo comercializada exclusivamente pela Livraria da Vila, mas agora já está disponível para todo o mercado – razão pela qual merece seu lugar ao sol dos lançamentos de 2019, em nossa modesta opinião!
Reunindo 37 autores e 57 textos, em sua maioria inéditos no Brasil, a “Antologia do humor russo”, publicada pela editora 34, destaca um aspecto da cultura e da literatura russas pouco explorado entre nós: sua tendência ao irônico, ao satírico e ao paródico.
4. Era uma vez uma mulher que tentou matar o bebê da vizinha, de Liudmila Petruchévskaia
Este livro também saiu, na verdade, em 2018, com tradução direta do russo por Cecília Rosas e direito a pocket show e à octogenária autora russa cantando “Besame mucho” em um clima de cabaré no auditório da Livraria Cultura. Como não lembrar?
O volume publicado pela Companhia das Letras traz histórias sobrenaturais que retomam a tradição dos contos folclóricos. Elas são, porém, dotadas de um humor contemporâneo e de uma carga política. Assim como não é à toa que a autora teve sua obra banida da União Soviética até o final dos anos 1990, tampouco é por acaso que ela recebeu em 2002 o prêmio de maior prestígio na Rússia pelo conjunto de sua obra!
5. Diário de um escritor na Rússia, de Flávio Ricardo Vassoler
Este paulista, especialista em Dostoiévski que fez parte de seus estudos de pós-graduação na Rússia, retornou ao país para a Copa do Mundo de 2018 e de lá voltou ao Brasil com o manuscrito desta obra escrita in loco. Seus textos caminham nas fronteira entre a crônica, a ficção e o ensaio.
O nomadismo do “Diário de um escritor na Rússia”, publicado pela editora Hedra, nos faz viajar de um Kremlin encravado no coração de Moscou à avenida Niévski, principal artéria de São Petersburgo e caminho dileto do homem do subsolo, de Dostoiévski; do bunker atômico de Níjni Novgorod às alamedas prussiano-soviéticas de Kaliningrado (antiga Königsberg), que testemunharam as perambulações do filósofo Immanuel Kant e assim por diante.
Para os engajados (em todas as frentes):
6. Arquipélago Gulag, Aleksandr Soljenítsin
O primeiro esforço de tradução direta do russo deste clássico da literatura de Gulag foi feito a nada menos que dez mãos de alguns dos principais nomes da nova geração de tradutores do russo no Brasil: Lucas Simone, Irineu Franco Perpétuo, Francisco de Araújo, Odomiro Fonseca e Rafael Bonavina.
A obra-prima de Soljenítsin (1918-2008), vencedor do Nobel de Literatura de 1970, denuncia a cruel realidade da rede de prisões políticas na União Soviética a partir da experiência do próprio autor e do testemunho de outros 227 sobreviventes. A edição é da editora Carambaia.
7. A luva, ou KR-2 (Contos de Kolimá 6), de Varlam Chalámov
Com tradução do original russo e notas de Nivaldo dos Santos e Francisco de Araújo, a obra saiu neste ano pela editora 34. Os 21 textos ali reunidos trazem, além da denúncia dos horrores do Gulag, também um pouco de leveza e esperança, já que cobrem os últimos anos da pena cumprida pelo autor e sua transição para a liberdade, como no belíssimo conto “Viagem a Ola”.
Fiel até o fim ao seu projeto de sobreviver para contar o que testemunhou em sua “temporada no inferno” nos campos de trabalhos forçados stalinistas, onde passou dezessete anos, Varlam Chalámov (1907-1982) criou, nas mais de 2 mil páginas dos Contos de Kolimá, um verdadeiro monumento contra a barbárie e pela vida, sendo por isso considerado um dos maiores escritores do século 20.
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8. Democracia e luta de classes, de Vladímir Lênin
Publicado pela Boitempo em tradução direta do russo realizada por Paula Vaz de Almeida e do Coletivo Edições Avante!, o conjunto de textos mostra que é impossível dissociar a classe que está no poder do tipo de poder que ela exerce.
Em uma retomada dos princípios marxistas, o líder bolchevique lembra que a luta de classes deve conduzir, necessariamente, à ditadura do proletariado; na fase de transição para o comunismo, é imprescindível organizar um Estado proletário, que suprima os direitos dos opressores.
9. A mãe, de Maksím Górki
A obra foi relançada em 2019 pela editora Nova Fronteira na tradução de 1944 de Araújo Neves e com prefácio de Flávio Ricardo Vassoler. A escrita de Górki (1868-1936) está intimamente ligada à fase embrionária do movimento soviético e tem como expoente este romance, que traz a relação de uma mulher submetida a frequentes agressões físicas e verbais no ambiente doméstico, e seu filho, que cedo passa a questionar os abusos que sofre e presencia.
Depois da morte do pai, o jovem estreita a relação com a mãe e anseia por mostrar a ela que existem formas de mudar a realidade em que vivem – tanto em casa quanto no mundo lá fora. É por meio dessa delicada relação familiar que Górki esmiúça o mal-estar dos operários na Rússia pré-revolucionária.
Clássicos:
10. Oblómov, de Ivan Gontcharóv
A cuidadosa tradução direta do russo de Rubens Figueiredo cunhada para a finada editora Cosac Naify (e que tem preço inicial de quase R$ 700 nos sebos hoje em dia) foi relançada em 2019 no catálogo da Companhia das Letras.
Oblómov é o herói de roupão de Gontchárov (1812-1891), desprovido de vontade, que vive alheio a tudo – quase um Macunaíma russo. Contudo, debaixo de toda a letargia e imobilidade existe uma alma boa e pura, que precisará entender o que o mundo espera dele — e o que ele pode oferecer ao mundo — para não perder sua chance de amar.
11. Pais e filhos, de Ivan Turguêniev
Esta é outra obra “herdada” pela Companhia das Letras da Cosac Naify com tradução direta de Rubens Figueiredo. A trama de Turguêniev (1818-1883) mostra o retorno do jovem estudante Arkádi Nikolaitch para casa, acompanhado de um amigo e mentor, o que causa imenso desgosto a seu pai e seu tio. O amigo, Bazárov, despreza qualquer autoridade, é antissocial e se proclama “niilista”. O conflito geracional que se segue é ímpar na literatura.
Publicado em 1862, “Pais e filhos” continua a refletir o confronto entre gerações e as expectativas de um tempo anterior que se choca com as atitudes e os ideais dos momentos seguintes, esquecendo-se da potência transformadora da juventude.
12. A véspera, de Ivan Turguêniev
Lançado pela Boitempo em 2019 com primorosa tradução de Paula Vaz de Almeida e Ekaterina Vólkova Américo, a obra traz como protagonista Elena Stákhova, filha de uma mãe hipocondríaca e um pai ocioso e supérfluo, uma típica família aristocrata da Rússia do século 19.
Às vésperas da Guerra da Crimeia, Elena é apresentada ao revolucionário búlgaro Dmítri Insárov e por ele se apaixona. A união em segredo de Elena com um estrangeiro e o plano do casal de juntar-se ao movimento pela independência da Bulgária decepciona sua mãe e enfurece seu pai, que esperava casá-la com um funcionário público monótono e satisfeito.
13. Guerra e Paz, de Lev Tolstói (Nova Fronteira)
Com tradução do francês de 1942 por Gustavo Nonnenberg, a obra foi relançada em um box com dois volumes pela editora Nova Fronteira em 2019. “Guerra e paz” é um dos romances mais importantes da literatura universal. Compreendendo o período de 1805 a 1820, esta obra grandiosa - resultado de exaustiva pesquisa de Lev Tolstói (1828-1910) - nos dá detalhes da vida na Rússia antes e durante a invasão napoleônica.
Entremeando os dramas pessoais dos personagens com a rotina mundana da aristocracia, e, ainda, com a narrativa de batalhas, Tolstói cria uma série de afrescos épicos, como escreve o escritor francês Romain Rolland em texto incluído nesta edição.
Para os nerds:
14. A palavra na vida e a palavra na poesia: ensaios, artigos, resenhas e poemas, de Valentin Volóchinov
Com organização, tradução, ensaio introdutório e notas de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo para a editora 34, a coletânea reúne, pela primeira vez, ensaios conhecidos do autor de O freudismo (1927) e Marxismo e filosofia da linguagem (1929) – obras por vezes atribuídas a Bakhtin.
Valentin Volóchinov (1895-1936) foi um dos principais integrantes do Círculo de Bakhtin e a presente obra incluiu textos seus fundamentais, como "A palavra na vida e a palavra na poesia" e "A construção do enunciado", além de resenhas e estudos sobre música inéditos em português.
A partir de pesquisas realizadas em arquivos russos, o volume traz um alentado ensaio introdutório das tradutoras Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo, que busca reconstituir a ainda pouco conhecida trajetória intelectual de Volóchinov — criador, com Bakhtin e Medviédev, de uma teoria da linguagem inovadora, focada nas relações sociais, em contraposição às abordagens formalistas ou psicologizantes então em voga.
15. Teoria do romance III: o romance como gênero literário, de Mikhail Bakhtin
Com tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra para a Editora 34, a obra traz a teoria do romance de Bakhtin (1895-1975), desenvolvida nos anos 1930, mas publicada apenas em 1975, de forma parcial, no livro “Questões de literatura e de estética”. Apenas em 2012 o texto integral veio à luz, na Rússia, dentro das “Obras reunidas do autor”.
Foi a partir dessa nova edição crítica que a 34 lançou, em 2019, o terceiro e último tomo da “Teoria do romance”, que traz dois ensaios fundamentais de Bakhtin: "Sobre a pré-história do discurso romanesco" (de 1940), em que é analisada a importância dos diversos estilos paródicos no surgimento do romance; e "O romance como gênero literário" (de 1941, antes conhecido como "Epos e romance"), em que o autor discute a especificidade do discurso romanesco em contraposição às formas da épica.
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16. O que é arte?, de Lev Tolstói
Com tradução intermediada pela inglesa por Bete Torii, a obra foi publicada em 2019 pela Nova Fronteira, que traz a polêmica visão de Tolstói. O conde escritor também desfrutou de notoriedade como sábio e pregador.
Ele escreveu diversos ensaios sobre temas ligados à justiça social, à religião e à moralidade, que culminaram no livro “O que é arte?”. As obras de diversos artistas e mesmo seus próprios livros são duramente questionados no curso de sua apaixonada redefinição da arte como força propulsora do bem, da fraternidade, da ética e do progresso do homem. O texto é entremeado por imagens que ajudam na compreensão do que é abordado. Um clássico imperdível!
Gigantes menos conhecidos:
17. O rumor do tempo e Viagem à Armênia, de Óssip Mandelstam
Com tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra, a obra foi reeditada pela editora 34 em 2019 com um ensaio inédito de Seamus Heaney. Óssip Mandelstam (1891-1938) é o autor de uma das mais importantes obras poéticas do século 20, admirada por nomes como Joseph Brodsky e Paul Celan. Na Rússia e no Ocidente, gerações de leitores viram na poesia e no destino trágico de Mandelstam um testemunho dos tempos hostis que o poeta chamou de “século-animal”.
Mas também a sua prosa é capaz de conjurar toda uma era da história russa. Em “O rumor do tempo” (1925), Mandelstam mescla as suas memórias de juventude ao ambiente artístico e cultural da São Petersburgo das décadas de 1900 e 1910.
Em “Viagem à Armênia” (1933), desafiando o encargo que recebeu para escrever um relatório sobre a jovem república soviética, o experimento com diferentes gêneros e vozes é levado ainda mais longe, em associações de puro lirismo. Não por acaso, é a partir deste texto que Mandelstam quebra o silêncio poético que o acometeu por anos.
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18. O caso Tuláiev, de Victor Serge
Em “O caso Tuláiev” (concluído em 1942 e publicado em 1947, depois da morte de Serge), o enredo começa em 1936, com o assassinato fortuito e não planejado de Tuláiev, membro do Comitê Central do Partido Comunista e responsável por deportações em massa e expurgos universitários.
O assassino é um jovem que casualmente se apoderou de uma arma. Não se trata, contudo, de uma trama policial de Serge (1890-1947), mas de um enredo político – a verdade sobre o crime é o que menos importa. O incidente faz soar um alarme paranoico entre as hostes do regime, e o romance desenha uma rede burocrática e policial de personagens movidos por medo ou oportunismo, com uma importante conexão na Guerra Civil Espanhola.
A obra foi publicada em 2019 pela Carambaia com tradução de Monica Stahel.
19. Lasca, de Vladímir Zazubrin
“‘Lasca’ é uma novela em turbilhão. Seus dez capítulos se articulam como pequenos núcleos temáticos, cenas relativamente independentes, ainda que cronológicas, que apresentam o cotidiano e as reflexões de Andrêi Srúbov, comandante de uma Gubtcheká - acrônimo de Comissão Provincial Extraordinária de Combate à Contrarrevolução e Sabotagem -, órgão regional da primeira polícia secreta do regime soviético, responsável por investigar, identificar, julgar e, não raro, executar cidadãos suspeitos de agirem contra os interesses da Revolução”, escreve o crítico Luis Felipe Labaki.
Com tradução direta do russo pelo finalista do Jaburi Irineu Franco Perpétuo, a obra de Zazúbrin (1895-1937) saiu no Brasil em 2019 pela Carambaia.
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20. Caixa Korolenko, Vladímir Korolenko
Também da editora Carambaia, duas obras de Vladímir Korolenko (19853-1921), “O músico cego” e “Em má companhia” compõem o box, vertido por uma das pioneiras na tradução direta do russo, Klara Gourianova. Considerado por Liev Tolstói “um dos principais contistas da literatura de língua russa” e comparado a Charles Dickens pelo crítico Otto Maria Carpeaux, Korolenko nasceu no sudeste do Império Russo e, aos 20 anos, foi estudar em Moscou, onde se envolveu com movimentos estudantis – o que lhe rendeu uma deportação para a Sibéria.
Foi lá, durante o exílio, que começou a escrever. Preocupado em denunciar injustiças sociais e sofrimentos humanos, o escritor é considerado um precursor da literatura proletária. Chamado por seus contemporâneos de “consciência de nossa época”, obteve tanto a aceitação popular como a dos meios intelectuais.
Outros
21. Stanislávski e o Yoga, de Serguei Tcherkásski
Konstantin Stanislávski (1863-1938) foi o responsável por transformar a pedagogia teatral de mera coletânea de “conselhos para o ator” (fundados no padrão estético vigente a cada época), em algo como uma “gramática da arte dramática”.
Mas umobstáculo circunstancial impede ainda hoje que as ideias de Stanislávski sejam assimiladas em sua integridade. No fim dos anos 1920, quando ideólogos stalinistas implementavam o realismo socialista no Teatro de Arte de Moscou, a censura soviética reprovou nos textos do encenador o uso de conceitos ditos idealistas – e.g. “espírito”, “alma” e “subconsciente”. “Instinto” é recomendado como substituto de “intuição”, e “energia muscular” é sugerido em lugar de “prana”.
O autor investiga de que maneira os princípios iogues, em especial como disseminados pelo escritor Ramacharaca, repercutem na prática teatral, nos registros literários e no sistema teórico tais como desenvolvidos pelo mestre teatral russo.
A obra é vertida diretamente do russo pelo especialista em Stanislávski e diretor teatral Diego Moschkovich.
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