Cena do filme "O idiota" (1958).
SputnikCena do filme "O idiota" (1958).
SputnikHá quem se questione por que diabos é tão difícil ser uma pessoa perfeita – boa, amorosa e que ajuda a todos sem nada esperar. Se você é um desses, não se apoquente. Como Fiódor Dostoiévski prova em “O idiota”, ser perfeito não é bom.
O protagonista do romance é o príncipe Lev Michkin, um homem ideal. “A ideia de Dostoiévski era retratar um homem perfeito, cheio de empatia por todo mundo e capaz de entender todos em um mundo de pessoas más e sujas”, lê-se no site de literatura Polka.
Em seus rascunhos, Dostoiévski se refere a Michkin como “Príncipe Cristo”, e ele realmente tem um quê de Jesus: cheio de amor e perdão, sem qualquer toque de ódio.
As pessoas ao seu redor, porém, consideram Michkin um imbecil – um verdadeiro idiota (ele realmente tem alguns problemas médicos). Sua bondade raramente parece compensar e, para evitar dar algum spoiler, digamos que o final não é exatamente feliz.
Os atores Iúri Iakóvlev, como Príncipe Michkin, e Iúlia Borísova, como Nastassia Filíppovna, no filme "O idiota".
B. Kolesnikov/SputnikTodos os personagens do romance (e eles são muitos), exceto pelo Príncipe Michkin, são, em alguma medida, obcecados por alguma coisa – seja o amor de Michkin, Nastasia Filippovna, mulher que foi abusada na infância e é considerada (até por si própria), como vil e decaída, ou Ipolito, de 18 anos, morrendo de tuberculose e que tenta se suicidar.
Como sempre, o autor traz a tona o lado mais profundo e místico de seus personagens.
“Todos os rostos são brilhantes e coloridos, iluminados por alguma luz elétrica que os faz brilhar de maneira super natural, e você tem vontade de examiná-los mais a fundo”, escreveu o articulista do século 19 Apollon Maikov sobre “O idiota”.
Retrato de Fiódor Dostoiévski pelo pintor Iliá Glazunov.
SputnikAo trabalhar sobre “O idiota”, Dostoiévski teve que se desapegar da história. No início, o plano era escrever um livro sobre um velhaco que acabava encontrando Deus. Mas então o autor mudou de ideia e dedicou o romance a matutar sobre se o ideal cristão – personificado por Michkin – seria sequer desejável no mundo moderno.
O autor teve que ficar o mais próximo da realidade possível, por isso ele escrevia sem um final determinado na cabeça, apenas propondo circunstâncias e escrevendo como os personagens reagiriam de acordo com sua natureza. Não foi fácil.
“Minha cabeça estava em um turbilhão. É um milagre eu não ter pirado”, explicou Dostoiévski a um amigo por carta.
E o final – novamente, não daremos spoilers – pode ter sido muito difícil para o escritor.
Cena do filme "O idiota" (1958).
SputnikAté certo ponto, a vida ditava a Dostoiévski o que escrever: seus personagens liam os mesmos artigos nos mesmos jornais que seus contemporâneos.
Além disso, ele pegou emprestado também da realidade um assassinato muito importante em “O idiota”.
“Dostoiévski escrevia ‘O idiota’ enquanto estava vivendo no exterior. Então ele tinha medo de ficar sem contato com a pátria e queria que o livro se tornasse algo de interesse atual. Ele lia todos os jornais russos, dedicando particular atenção à seção de ‘Últimas Notícias’”, lê-se em um artigo no portal Arzamas.
Além disso, se você queria saber sobre a Rússia do século 19, “O idiota” é um bom ponto de referência.
Cena do filme "O idiota" (1958).
SputnikEm um dos primeiros capítulos, o Príncipe Michkin conta a história de um homem que é sentenciado à morte.
“Suas três descrições dos últimos momentos de um homem condenado estão entre as mais sensacionais da literatura, ainda mais porque elas não foram inventadas”, escreveu o professor Gary Saul Morson, da Universidade de Artes e Humanidades de Northwestern, em um artigo sobre a obra.
De fato, Dostoiévski foi ele mesmo sentenciado à morte em 1849 por ser membro de um círculo de que continha elementos revolucionários. Apenas alguns minutos antes de sua execução ele soube que o tsar Nikolai I havia substituído sua sentença por anos de serviço pesado.
Durante alguns dias, o escritor esperou pela morte e esta experiência terrível mudou sua personalidade profundamente e para sempre.
As palavras de Michkin sobre um homem condenado são particularmente poderosas, pronunciadas por um homem que sabia do que estava falando. Seria uma vergonha perder cena tão impressionante!
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