Uma viagem à era dos mamutes por meio de gravuras rupestres de 12.000 a.C.

Caçador nanai (à esq.); mamute esculpido em pedra antiga

Caçador nanai (à esq.); mamute esculpido em pedra antiga

Boris Ushmaikin/Sputnik; Andshel (CC BY-SA 3.0)
Aldeia nanai, no Extremo Oriente, é lar de um dos mais antigos sítios arqueológicos do país. Área também é famosa por ocorrências místicas e outras lendas.

Com seus bulevares graciosos, largos e arborizados, edifícios bem conservados da virada do século 19 para o 20 e uma animada zona ribeirinha, a cidade de Khabarovsk é frequentemente chamada de a “cidade mais europeia da Ásia”. Nada na cidade tranquila sugere uma história que vai além da metade do século 19. Mas uma viagem curta ao longo do rio Amur é suficiente para descobrir um tesouro de pinturas rupestres (esculturas pré-históricas em rocha) que datam de 12.000 a.C.

Centro de Khabarovsk

A região de Khabarovsk, que ocupa cerca de 789.000 quilômetros quadrados, é um dos lugares menos povoados do planeta. Vastas faixas de vazio são visíveis quando se dirige na rodovia que liga Khabarovsk à cidade industrial de Komsomolsk-no-Amur.

Vila nanai de Sikatchi-Alian, à beira do rio Amur

Setenta e cinco quilômetros ao norte de Khabarovsk, assim que se sai da rodovia e na margem direita do rio Amur está a aldeia nanai de Sikatchi-Alian, um paraíso das gravuras rupestres. Os moradores locais chamam a vila de “casa dos espíritos raivosos”, graças às ocorrências místicas que muitos afirmam ter testemunhado ali.

História nas rochas

A área possui cerca de 200 petróglifos, dos quais uma parte significativa segue bem preservada. As pinturas são de fácil acesso, pois estão próximas à beirada em pedras de basalto.

Petróglifos de Sikatchi-Alian

A melhor época para visitar a região é no início ou no final do inverno (apesar do frio brutal), já que as águas transbordantes do Amur os escondem nos meses mais quentes. Inundações e blocos de gelo também causam danos consideráveis ​​a muitos dos petróglifos. Algumas das pedras teriam sido, inclusive, viradas de cabeça para baixo.

As esculturas, que datam de diferentes períodos, retratam cenas de caça, animais como alces, cavalos e mamutes, xamãs e máscaras xamânicas e até pessoas sentadas em barcos.

Acredita-se que o Extremo Oriente Russo tenha sido um dos últimos habitats dos mamutes antes da extinção. Entre os petróglifos mais bem preservados de Sikatchi-Alian está uma gravura que exibe claramente um mamute, enquanto outra mostra um mamute com uma criatura desconhecida. Também há uma representação grande de uma besta com cauda.

A historiadora local Svetlana Onenko, que também é curadora do museu etnográfico e centro cultural do povo indígena em Sikatchi-Alian, diz que a existência das representações de mamutes prova que os petróglifos datam de cerca de 12.000 a.C. Ela acrescenta que os antigos moradores da área provavelmente caçavam os animais.

As imagens mais antigas, datadas do Paleolítico, foram esculpidas com ferramentas de pedra. Mas alguns arqueólogos argumentam que os cavalos selvagens retratados em alguns dos petróglifos não existiam na região de Amur, mesmo no Neolítico.

Os entalhes mais recentes, incluindo os de xamãs e máscaras xamânicas, foram feitos ​​com ferramentas mais modernas. Tais imagens são sagradas para os nanai e outros grupos indígenas que vivem na aldeia, com população total de apenas 300 habitantes. Segundo Onenko, os membros da atual comunidade indígena são descendentes das pessoas que esculpiram as pinturas rupestres. Alguns antropólogos europeus, porém, acreditam que os indígenas locais são colonos mais recentes, que se mudaram para a região há cerca de 2.000 anos oriundos da Manchúria.

Morada do xamanismo

Neoxamanistas visitam a área vindo de diferentes partes do mundo e participam de rituais, que alguns suspeitam serem influenciados por um culto. A crença no xamanismo é tamanha que o museu, que possui um grande número de artefatos indígenas, artesanato e moedas chinesas antigas, guarda seus objetos xamânicos em um espaço designado – e que é abençoado em rituais. “Acredita-se que os objetos xamânicos possuam uma energia poderosa (e potencialmente perigosa)”, diz Onenko.

Xamã de Sikatchi-Alian

Moradores afirmam ter observado ocorrências místicas perto da chamada formação rochosa Starukha (em português, “velha senhora”). De acordo com as lendas indígenas, em épocas antigas, os seres humanos não morriam, mas sua população cresceu tanto que não havia comida suficiente para todos. Então, os espíritos da terra decidiram que as pessoas, assim como os animais, também teriam que morrer.

Formação rochosa Starukha

O Starukha teria sido o primeiro ser humano a experimentar a morte e acabou se transformando na grande (e aparentemente assombrada) rocha.

Primeiro visitante russo

Embora os nanai e outros grupos indígenas estivessem cientes da existência dos petróglifos por séculos, o mundo exterior só teve conhecimento deles em 1859, um ano após a fundação da cidade de Khabarovsk.

A “descoberta” foi feita pelo geógrafo, naturalista e explorador Richard Maack, que partiu em uma expedição pelos vales dos rios Amur e Ussuri.

Retrato de Richard Maack (esq.), e seu desenho da casa de um indígena

Nascido na província báltica da Livônia, no Império Russo, Maack estudou ciências naturais na Universidade de São Petersburgo e realizou expedições à Sibéria e ao Extremo Oriente nos anos 1850. Sua principal área de interesse era botânica – tanto é que seis plantas até então desconhecidas que ele coletara à beira do Amur foram nomeadas em sua homenagem. A expedição ao norte da recém-fundada Khabarovsk o levou a Sikatchi-Alian, onde encontrou os petróglifos.

Há pouquíssimas cópias sobreviventes do livro de Maack intitulado “Viagem pelo rio Amur feita por ordem do departamento siberiano da Sociedade Geográfica Russa em 1855”, que contém uma riqueza de detalhes da excursão.

Aleksêi Okladnikov  (à esq.) inspeciona petróglifos

Arqueólogos, cientistas e historiadores russos demonstraram grande interesse pelas pinturas rupestres no século 20. Na década de 1930, o arqueólogo Nikolai Kharlamov as fotografou em detalhes. Três décadas depois, o etnógrafo e historiador Aleksêi Okladnikov fez várias expedições à área e escreveu sobre os petróglifos em detalhes em dois livros. Suas descobertas sugerem que a obra de arte de Sikatchi-Alian tinha certa semelhança com suas contrapartes no Sudeste Asiático, Polinésia e Austrália.

Os petróglifos de Sikatchi-Alian estão agora entre os principais atrativos da região de Khabarovsk. Em 2018, o governo federal foi declarado o proprietário legal dos petróglifos e mantém esforços para preservá-los. A expectativa é que, futuramente, as formações rochosas sejam listadas pela UNESCO como Patrimônio Mundial.

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