Quais eram as bebidas alcoólicas preferidas dos tsares russos?

Russia Beyond (Foto: Jacopo Amigoni; Jean-Marc Nattier; Vladímir Svertchkov)
Champanhe, vinho Madeira, vodca de anis e curaçau — quase todos os monarcas tinham preferência por bebidas sofisticadas. Apenas o último tsar russo não hesitava em beber vodca com os militares.

1. Pedro 1º, o Grande (1672-1725)

O primeiro imperador russo, Pedro, o Grande, foi também o primeiro monarca a beber em assembleias, bailes e em público — e não somente em círculos fechados de pessoas próximas. Acostumado desde a adolescência às festas europeias no Bairro Alemão (bairro de Moscou onde viviam os estrangeiros), Pedro não considerava vergonhoso ficar bêbado na frente de convidados, inclusive estrangeiros. Seu pai, o tsar Aleixo da Rússia, costumava pedir aos boiardos que ajudassem a deixar os embaixadores estrangeiros bêbados para descobrir segredos diplomáticos. Pedro, o Grande, também bebia junto com os embaixadores. 

Imperador russo Pedro 1º, 1672-1725, por Jacopo Amigoni.

O tsar quase sempre preferia vinhos importados, mas começava todos os dias com uma tcharka (copinho de 120 ml para bebidas fortes) de vodca.

O enviado e vice-almirante dinamarquês Just Juel descreveu as festas com Pedro da seguinte forma: “Quando me recusei a beber, o próprio tsar veio até mim, me acariciou e me deu um beijo, pegou a minha cabeça com uma mão, segurou um copo perto da minha boca com a outra e implorou tanto, pronunciou tantas palavras gentis que enfim bebi o vinho. Diversas vezes tentei fugir despercebido, duas vezes já estava no meu barco, mas antes que eu tivesse tempo de partir, o próprio tsar descia e me levava de volta”.

Durante o lançamento do navio “Derbente”, em 27 de agosto de 1724, “Sua Majestade estava de excelente humor e, assim, todos beberam terrivelmente a bordo do novo navio”, escreveu o contemporâneo de Pedro, o nobre alemão Friedrich Wilhelm von Bergholtz. “Todos ficaram lá até às 3 da manhã; as princesas imperiais receberam permissão para voltar para casa antes das 9 horas da noite. Quando elas partiram, todos que ficaram, até as senhoras, beberam demais. Muitos ficaram doentes no dia seguinte, embora entre eles houvesse aqueles para quem um bom copo de vinho não era nada de novo. Entre os homens, quando o vinho começou a fazer efeito, começaram várias brigas”, lê-se nas memórias de Bergholtz.

“O casamento dos anões sob Pedro, o Grande”, por Nikolai Dmítriev-Orenbúrgski. O tsar Pedro, o Grande, e sua esposa, Catarina, podem ser vistos à esquerda

Quando bêbado, o tsar Pedro podia ser muito severo. Em 17 de março de 1703, ele escreveu a um amigo próximo, o conde Fiódor Apráksin: “Não sei como fui embora, porque já estava muito satisfeito com os presentes de Baco [nome alternativo para Dionísio, deus grego das festas e do vinho]. Assim, peço a todos que me perdoem se causei algum aborrecimento, especialmente àqueles que estavam na despedida e que ninguém se lembre desse incidente”.

O historiador Aleksadr Charimov explica a que “aborrecimento” Pedro estava se referindo. Durante um jantar festivo em Moscou, o tsar ficou muito irritado com o embaixador holandês na Rússia, Heinrich van der Hulst, e “expressou a sua irritação com um golpe de punho e vários golpes com a parte plana da espada”. No entanto, os participantes da festa estavam tão bêbados, que, quando o conde Apráksin começou a transmitir as desculpas do tsar ao embaixador, o holandês respondeu que ele próprio “não se lembrava de tudo”.

2. Catarina 1ª (1684-1727)

Catarina 1ª da Rússia, por Jean-Marc Nattier.

A esposa do primeiro imperador russo também gostava de beber e seu hábito piorou após a morte de Pedro, o Grande. Embaixadores estrangeiros escreveram de São Petersburgo que os assuntos na corte russa estavam sendo resolvidos de forma extremamente lenta, porque a imperatriz “raramente estava sóbria”. Em apenas dois anos de reinado, as despesas com a chamada vodca de Danzig (álcool puro com infusão de canela, cravo e caroço de cereja) e vinho húngaro para a corte de Catarina ultrapassaram a cifra de um milhão de rublos. Para efeito de comparação, a receita anual do orçamento de toda a Rússia não ultrapassava 10 milhões de rublos.

O secretário da embaixada saxônica, Frensdorf, descreveu as visitas matinais do príncipe Aleksandr Ménchikov à imperatriz. Antes de conhecer Pedro, o Grande, Catarina era empregada de Ménchikov. “As conversas deles invariavelmente começavam com a pergunta: ‘O que vamos beber?’ Depois disso, eles sempre bebiam vários copos de vodca e não paravam até a noite; primeiro vinhos, depois licores simples e importados e vice-versa”.

O embaixador francês Jacques de Campredon confirmou os relatos: “A tsarina continua, com certo excesso, a se entregar aos prazeres, a ponto de afetar sua saúde”. Depois da morte do marido, Catarina viveu só mais dois anos, falecendo em decorrência de um abscesso pulmonar em 1727.

3. Nicolau 1º (1796-1855)

Imperador Nicolau 1º em uniforme de desfile do Regimento de Cavalaria da Guarda, por Vladímir Svertchkov.

O imperador Nicolau 1º não tolerava bêbados e quase nunca bebia. No entanto, sempre havia vinhos, vodсa e champanhe sobre a mesa para os convidados e cortesãos. Na primeira metade do século 19, os almoços da corte começavam com vinhos secos e terminavam com champanhe gelado. O vinho tinto era retirado da adega pela manhã para aquecê-lo, e o vinho branco, servido gelado, era selecionado algumas horas antes do almoço. O champanhe era servido direto da adega, onde ficava sobre o gelo.

O imperador, porém, era quase abstêmio. A rainha Vitória do Reino Unido chegou a escrever sobre Nicolau depois de conhecê-lo pessoalmente em 1844: “ele nunca bebe uma gota sequer de vinho e come muito pouco”.

Mesmo assim, o historiador Leonid Viskotchkov encontrou referências aos raros momentos em que Nicolau teria bebericado. Em 1840, por exemplo, foi servido vinho seco no café da manhã, uma garrafa de Saint-Julien (vinho seco de Bordeaux) no almoço e uma garrafa de cerveja à noite.

Sabe-se que o tsar bebeu publicamente taças de champanhe em eventos especiais. Também consumia bebidas fortes, mas apenas “para a saúde”. Certa vez, durante uma travessia de inverno do Neman, a carruagem do tsar ficou atolada no gelo, o soberano teria se molhado e então bebeu um copo de rum.

4. Alexandre 3º

Alexandre 3º

O filho de Nicolau 1º, o imperador Alexandre 2º, não tinha um gosto refinado por bebidas alcoólicas. Em sua vida cotidiana na corte, ele preferia champanhe Louis Roederer. Mas o imperador seguinte, Alexandre 3º, era bem versado em bebidas alcoólicas.

Segundo o chefe da segurança do tsar, Piotr Сherévin, Alexandre 3º adorava beber, mas “na hora certa”. “Ele conseguia beber muito sem ficar com nenhum sinal de embriaguez, exceto que agia de maneira incomum, mais alegre e brincalhão, como uma criança”, disse.

“De manhã e à tarde o imperador evitava bebidas alcoólicas, procurando manter a cabeça fresca para o trabalho [...] mas à noite se permitia beber conforme seu desejo e necessidade”, acrescentou.

Um amigo da juventude do imperador, o conde Serguêi Cheremetiev, relembrou: “Ele não bebia frequentemente, mas quando bebia, bebia muito, ele era muito forte e, ao que parece, nunca ficava completamente bêbado”.

O imperador Alexandre 3º gostava de champanhe e do vinho romeno Palugyay, produzido até hoje. Mas a sua bebida preferida era o vinho Madeira. Das bebidas mais fortes, o monarca adorava uísque, licor de Curaçau com sabor de laranja e vodca de anis.

5. Nicolau 2º

Nicolau 2º

O último imperador russo não era abstêmio. Ao contrário de seus ancestrais, Nicolau 2º costumava beber vodca simples. Por exemplo, em agosto de 1904, ele escreveu em seu diário: “Visitei todas as cantinas dos escalões inferiores e, estando abastecido de vodca, cheguei à reunião de oficiais”.

Segundo o historiador Zimin, “isto fazia parte do ‘trabalho representacional’, em todas as salas de jantar que ele visitava, o imperador era recebido com um copo bastante grande e, sendo um ‘verdadeiro coronel’, ele virava o copo em um gole só”. Tradicionalmente, o copo dos militares russos era de 120 ml.

O tsar não bebia vinho branco nem tinto, apenas champanhe. E foi Nicolau 2º que fez a corte passar a consumir o espumante Abrau-Durso, produzido na Rússia.

Segundo Zimin, entre outras bebidas, o último tsar russo também gostava de slivóvitsa (bebida alcoólica forte feita de destilado de ameixa, semelhante à aguardente bagaceira portuguesa) das adegas do grão-príncipe Nikolai Nikoláevitch e de vinho do Porto. O imperador sempre bebia alguns copos de vinho do Porto antes do jantar. Em agosto de 1906, ele escreveu: “Voltei às 8 horas para casa. Nikolacha [grão-príncipe Nikolai Nikoláevitch] nos ofereceu um excelente almoço na tenda. Experimentei seis tipos de vinho do Porto e fiquei um pouco bêbado, por isso dormi bem”.

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