Os russos (também) são obcecados por maionese!

Arquivo, Russia Beyond 496
A maionese percorreu um longo caminho nesta vida: de elegante molho francês, ela se tornou, além de complemento do temaki, do arroz com feijão e até da pizza no Brasil, também um símbolo da culinária russa. O molho é, definitivamente, o mais amado da Rússia!

Se você for à casa de um amigo russo para comer ou a uma festa de fim de ano, não se surpreenda se os pratos parecerem mergulhados em gordura. Ali você encontrará, provavelmente, diversos tipos de salada (sempre com batatas e vagem) e porco assado no forno com queijo. Isto sem conta os pirojki fritos (pasteizinhos; veja a receita aqui) recheados com repolho.

Todos esses pratos conterão muita – muita mesmo, não estamos exagerando - maionese. E ketchup? Ou molho de queijo? Não! Não, nenhum outro molho é tão apreciado pelos russos quanto a maionese!

Enquanto a smetana (creme de leite azedo, também conhecido como “sour cream”) é o principal molho da culinária tradicional do interior da Rússia, a maionese é a verdadeira lenda da culinária soviética.

E ela não é só molho para salada, mas também o ingrediente mais importante nos pratos principais, em assados ​​e até nas sobremesas.

A internet russa é cheia de piadas sobre a habilidade da maionese de melhorar praticamente qualquer prato.

“Miojo. Miojo com maionese”

Às vésperas do Ano Novo, o tabloide mais popular do país, o Komsomólskaia Pravda, chegou até mesmo a incluir um sachê de amostra grátis de maionese em todos os seus jornais. Você achou que sabia tudo sobre marketing de guerrilha?

Maionese faz bem?

Hoje em dia, muitos nutricionistas consideram a maionese um alimento pouco saudável, mas, no passado, a ideia era diametralmente oposta. Nos primeiros anos soviéticos, o país teve uma escassez de alimentos nutritivos.

Assim, em 1936, o Comissário do Povo para a Indústria de Alimentos (ministro), Anastas Mikoian, visitou diversas fábricas nos Estados Unidos para aprender sobre a produção em massa de alimentos nos Estados Unidos.

Ele voltou levando equipamento para produzir alimentos que estão entre os favoritos do país na atualidade, entre eles a “salsicha do doutor”, enlatados, sucos de frutas, sorvetes e, claro, maionese.

Iôssif Stálin aprovou pessoalmente o primeiro lote de maionese, após o qual a iguaria passou a ser produzida em massa.

Na verdade, a maionese é um molho francês que remonta a meados do século 18. Inicialmente, ele se espalhou por toda a Europa e, depois, juntamente com colonos europeus, conquistou a América. Ali, ela passou a ser produzida em massa. A maionese tem uma receita muito simples: gema de ovo, vinagre e azeite, sal e mostarda a gosto.

Na União Soviética, só se produzia a variedade de maionese “provençal”, com teor de gordura de 67%. O ovo em pó era usado no lugar da gema e acrescentou-se açúcar para que a maionese tivesse uma vida útil mais longa. Por outro lado, ela não continha corantes, estabilizadores e outros produtos químicos.

E apesar de a maionese provavelmente não ser adequada para alguém fazendo dieta, ela era perfeita para os trabalhadores da fábrica justamente porque era gordurosa, saborosa e farta. E era possível fazer tantos pratos com ela!

Quando a primeira edição do Livro da Comida Saborosa e Saudável foi publicado, em 1939, escrito sob a supervisão pessoal de Mikoian, a maionese já era descrita como o condimento ideal para tudo no universo. O livro foi reimpresso várias vezes em tiragens enormes, chegando a quase todos os lares soviéticos.

Além da maionese, Mikoian também levou dos EUA o ketchup. Há evidências neste sentido na primeira edição do Livro da Comida Saborosa e Saudável, onde também se lê que toda dona de casa americana tinha o molho em sua cozinha.

Durante a Guerra Fria, quando as relações com os EUA degringolaram, os produtos alimentícios soviéticos pararam de ostentar suas "raízes americanas". Todas as referências a conexões com os EUA desapareceram do referido livro de receitas, e as pessoas tiveram que esquecer completamente o ketchup até os anos 1980, quando a URSS passou a importá-lo da Bulgária.

Enquanto isso, as origens estrangeiras da maionese foram suprimidas, permitindo que seu status na cozinha soviética permanecesse inalterado. Talvez seja por isso que ela continua muito mais popular do que o ketchup ou qualquer outro molho estrangeiro até hoje.

Tudo fica mais gostoso com maionese

Quando se fala de cozinha russa, fala-se, na verdade, sobre da cozinha soviética. Antes da Revolução, a Rússia não tinha uma cozinha nacional. Diversas regiões comiam de forma diversa. Mas, via de regra, o “arroz com feijão” da cozinha russa consistia em grãos cozidos e sopas feitas com o que quer que crescesse nas hortas familiares, junto com faisões e similares servidos em reuniões da alta sociedade.

A cozinha soviética deu às cozinhas regionais um denominador comum, e todo o país passou a ingerir pratos idênticos, preparados mais ou menos com os mesmos ingredientes, seguindo receitas tiradas de um único livro de receitas.

É por isso que muitos dos pratos favoritos dos russos são comidas da era soviética dos quais eles se recordam por sua infância.

A maionese foi a base dos três pilares da cozinha soviética: a salada Olivier, a salada Mimosa e o “arenque sob casaco de pele”. Sem a maionese, é difícil imaginar a “carne à francesa” (prato feito com carne de porco, queijo e maionese que, na verdade, é desconhecido dos franceses), o biscoitos soviéticos e até o pelmêni.

Nos anos soviéticos, as pessoas tinham que fazer o primeiro, segundo e terceiro prato (assim como uma bebida de frutas) com ingredientes simples e sempre disponíveis, como batatas e peixes enlatados.

A maionese caiu como uma luva para alcançar este objetivo: ela torna as massas mais leves, a carne mais macia e as saladas mais suculentas.

Não é de admirar, portanto, que a busca por maionese tenha sido um verdadeiro desafio, particularmente em anos de déficit de alimentos, entre 1970 e 1990.

"Não toque nisso! É para o Ano Novo!”. Quando você ouvia um grito assim, sabia que o assunto era a maionese. 

Após a queda da URSS, uma onda de novos produtos estrangeiros, entre eles, dezenas de novos tipos de molhos e condimentos de mesa, entrou no mercado russo.

Mas, no final das contas, a nostalgia parece vender. Muitos russos compram maionese pelo amor aos velhos tempos e se lembram do sabor da salada de suas mães.

Na Rússia, costuma-se dizer que se não tiver salada Olivier na mesa de Reveillon, o Ano Novo não chega. Nenhum russo se atreveu até hoje a tirar a teima.

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