Catarina, a Grande, que buscou espalhar o Iluminismo por todas as esferas da sociedade — apesar da perseguição de judeus e de sua taxação dobrada sob seu governo e de um posicionamento muito próximo do chamado “despotismo esclarecido” —, não deixou de lado a questão da educação feminina. Fundado por ela no final do século 18, o Instituto Smôlni para Nobres Donzelas foi a primeira instituição estatal educacional para moças na Europa.
As regras do Instituto Smôlni iam contra a visão da maioria dos aristocratas da época sobre suas herdeiras: a instituição foi projetada para derrubar convenções sociais ultrapassadas. Embora as meninas fossem orientadas para o casamento (o que, aliás, ocorreu com a maioria das graduadas), a educação no instituto tinha por objetivo formar uma mulher da nova era, capaz de refinar o ambiente em que se encontrava e educar seus filhos em um espírito iluminista.
Vida monástica
O Instituto Smôlni funcionou como escola feminina de 1764 a 1917, apenas com pequenas mudanças em sua organização interna e costumes. Em 1765, passaram a ser admitidas meninas de “classe baixa” — ou seja, não mulheres nobres (exceto servas).
As alunas eram divididas em quatro faixas etárias, entre os 6 a 18 anos, e cada uma dessas faixas usava os vestidos de uma cor: a mais nova, cor café, em seguida, azul, depois cinza e as mais velhas, branco.
Para ensinar as meninas a caminhar leve e graciosamente, seus sapatos eram pesados e grossos. Depois disso, ficava mais fácil para as alunas andarem “flutuando”. Nenhuma joia era permitida no local e os penteados eram os mesmos para todas as idades - a aparência das alunos tinha que ser asceticamente modesta e elegante.
A dieta das meninas também era modesta, apesar da pouca idade. De manhã, elas bebiam uma xícara de chá e comiam um pãozinho com manteiga e queijo. Às vezes, as alunas mencionavam mingau em seus diários. No almoço, elas comiam sopa e torta e, no jantar, um pãozinho e chá ou leite novamente. Isso sem falar no jejum obrigatório — que tornava a dieta ainda mais restritiva.
Aleksandra Sokolova, que se formou no Instituto Smôlni na década de 1840, relembrou das refeições ali assim:
“Ninguém no instituto estava esperando o tsar (Nicolau I) naquele dia; então, de repente, se espalhou rapidamente por lá a notícia de que ele tinha entrado pela ‘porta dos fundos’ e ido justamente para a cozinha! Isso deixou algumas pessoas perplexos e outras assustadadíssimas...
Mais tarde, soubemos que o tsar se aproximou de um caldeirão com sopa de peixe, ou melhor, ukhá, enfiou uma colher ali, provou a mistura bastante líquida e disse:
- Dá dó até de um peixe barato como esse... Mas, e agora, o que há para o segundo prato? Bem... Meus soldados são melhor alimentados!”
Esse rigor na educação das meninas devia-se principalmente às diretrizes educacionais (bem conhecidas hoje nas melhores escolas particulares da Inglaterra, por exemplo).
O prazer de se contentar com pouco fortalecia o ânimo das meninas e formava um caráter ativo, não sujeito ao desânimo e à preguiça — mesmo que elas fossem passar o resto da vida no luxo.
Alguns também dizem que a dieta limitada se devia ao fato de a instituição ser mantida às custas do governo (as famílias das meninas não pagavam nada por suas roupas ou alimentação), e até que os funcionários da cozinha roubavam alimentos.
Os parentes eram autorizados a enviar às meninas pacotes com dinheiro e guloseimas. Era costume dividir a comida com as amigas menos afortunadas. E, com o dinheiro recebido, era possível, com a ajuda dos guardas, comprar mais bolos e pão (os tesouros eram escondidos dos inspetores no dormitório).
Gatas borralheiras?
Na metade “burguesa” do Instituto Smôlni (apelidada de “Alexandra”), viviam e estudavam meninas de ascendência mais baixa: filhas de funcionários públicos, e não de nobres, comerciantes e banqueiros.
Os moradores da metade nobre (apelidada de “Nicolau”) tinham certas vantagens sobre as outras. Duas vezes por ano, elas faziam passeios em carruagens da corte com uma escolta cerimonial de oficiais, faziam exames imperiais assistidos por representantes da família real, e assistiam a bailes imperiais, onde dançavam com grão-duques e príncipes estrangeiros.
Dentro do instituto, ao se encontrar com uma moça nobre, a moça burguesa tinha que fazer uma reverência primeiro e só então era respondida da mesma forma.
Em outros aspectos, porém, as condições de vida das duas metades eram muito semelhantes. As meninas ficavam alojadas em quartos que pareciam quartéis. Em cada dormitório havia cerca de 10 meninas, e cada uma tinha apenas uma cama com colchão duro, uma mesinha de cabeceira e uma cadeira.
Os dormitórios eram particularmente difíceis de se viver durante o inverno - a temperatura podia cair até 10 graus Celsius no interior e as meninas tinham que dormir com cobertores finos e tomar banho com água gelada de manhã cedo. Muitas, especialmente as recém-chegadas, ficavam doentes.
Mas, mesmo quando ocorria algo tão infeliz, as meninas encontraram uma saída: a enfermaria era quente, elas podiam dormir e recebiam pelo menos um pouco mais de comida. Por causa disso, até as jovens mais aventureiras fingiam estar doentes.
Amor e idolatria no instituto
Médicos e professores eram os únicos homens que as meninas viam regularmente durante todos os 12 anos de sua estada. Quando chegavam ao instituto, aos seis anos, não o deixaram até a formatura, pois não tinham férias (com o tempo, o período de permanência acabou reduzido várias vezes).
Os professores eram escolhidos deliberadamente: homens casados, mais velhos e, de preferência, deficientes físicos. Tudo com o intuito de não distrair as donzelas.
Mas isso não ajudava, e como esses eram os únicos homens disponíveis, ainda assim eles se tornavam objeto de adoração. As garotas cortavam pedaços dos casacos deles para carregar consigo, encharcavam seus chapéus com perfume e faziam muitas outras coisas bobas de adolescentes apaixonadas.
Também era comum adorar alguma das alunas mais velhas. Cada aluna mais nova escolhia sua própria ídola e mostrava sua afeição de maneiras que podem parecer bastante estranhas hoje. Para provar o afeto, as meninas podiam comer uma barra de sabão ou até algo pior. Felizmente, mais frequentemente a adoração se limitava a favores bobos e elogios.
“Adorar é tentar ver o objeto adorado (que geralmente era uma das donzelas das classes mais velhas) e, quando ele passa, gritar atrás dela: ange, beauté, incomparable, céleste, divine et adorable — claro que não na frente da inspetora de sala —, e depois escrever o nome adorado em livros e cadernos com pontos de exclamação e acrescentando as mesmas palavras”, escreveu Maria Serguêievna Uglitchaninova, uma aluna do Instituto Smôlni na década de 1840.
As meninas podiam encontrar seus pais apenas na presença das inspetoras da classe e toda sua correspondência era lida antes de ser entregue. O Instituto Smôlni era um ambiente totalmente fechado, e era quase impossível escapar dele.
O castigo físico era estritamente proibido no instituto, mas as meninas culpadas de infringir alguma regra eram envergonhadas publicamente: se a moça passasse um bilhete na aula, ele era pregado no seu vestido; também podiam tirar seu avental e até o almoço; além disso, as mais velhas eram proibidas de usar vestidos e penteados adultos.
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