Como era a criação dos pequenos tsares russos?

Sputnik
Viver no seu quarto até os 16 anos, decorar os livros e nunca comer repolho... Essas eram apenas algumas das regras de ouro dos pequenos tsares russos.

Mensageiros enviados para todas as cidades russas do Kremlin de Moscou, presentes distribuídos em nome do tsar para igrejas e mosteiros, e pequenos crimes perdoados. Enquanto isso, funcionários de todas as cidades preparam seus cavalos para ir a Moscou levando presentes.

Essa agitação toda significava que uma criança tinha nascido na família do tsar de Moscou. Mas o que vinha depois?

Lar é onde fica o Kremlin!

Câmara principal da tsarina nos aposentos femininos do palácio do tsar (reconstituição contemporânea em Kolomenskoie, Moscou).

Até os 5 anos de idade, as filhas e os filhos do tsar e da tsarina moravam do lado feminino do palácio, supervisionados por um pequeno exército de amas de leite, babás e empregadas domésticas. A tsarina, a mãe, podia brincar com o filho o quanto quisesse, mas criar realmente o bebê, trocar suas fraldas, alimentá-lo e colocá-lo para dormir... tudo isso era responsabilidade dos servos.

Então, por que manter a criança em quartos privados até os 5 anos? Porque os tsares russos eram altamente supersticiosos e tinham medo de “magia negra”. Segundo escreve a historiadora Vera Bokova em seu livro “Infância na casa do tsar”, a parteira que recebia o bebê foi uma das principais servas que cuidariam dele: ela sabia tudo relacionado à saúde do bebê e, na ausência de médicos profissionais, era a principal autoridade em assuntos medicinais – e mágicos também.

A parteira cuidava para que a luz da lua não caísse no berço do bebê (para uma boa noite de sono), e o protegia do mau-olhado: ela garantia que ninguém olhasse para o bebê enquanto ele dormisse, manchava de fuligem atrás da orelha dele e salpicava um pouco de sal perto da cabeça do bebê todos os dias.

Pedro, o Grande, quando criança.

Até os 5 anos de idade, apenas parentes próximos e servos podiam ver os filhos do tsar. Se fossem à igreja, os servos carregavam cortinas de lã de cada lado das crianças. As crianças viajavam em carruagens com as janelas fechadas e o pátio onde brincavam era fechado. Mas os filhos do tsar tinham seus próprios companheiros: crianças de famílias ricas que tinham autorização para brincar com eles.

Pequenos tsares: majestosamente gordos e lentos

Aleixo da Rússia (1654-1670).

Os tsares russos nunca comiam repolho, considerado “comida camponesa” — e, de fato, era o prato mais frequente na mesa de um camponês russo. Mas o repolho em conserva continha muita vitamina C, essencial para a saúde. Não é à toa que os primeiros Romanov sofriam de escorbuto (uma doença causada pela deficiência de vitamina C, caracterizada por gengivas inchadas, sempre sangrando, e pelas constantes feridas).

Mas os bebês dos tsares comiam muito. Se um bebê começasse a chorar, imediatamente lhe eram oferecidos bolos, doces, nozes etc. As crianças do tsar eram alimentadas cinco vezes ao dia, e sempre tinham acesso ilimitado a guloseimas entre essas refeições.

É por isso que todos os tsares e tsarinas russos eram tão gordos. Os russos também tinham certeza de que conversas austeras e rígidas eram prejudiciais ao desenvolvimento de uma criança, então as babás dos tsares falavam com seus pequenos superiores apenas em um tom doce e agradável, usando muitos diminutivos. E, é claro, pequenos tsares e tsarinas nunca eram punidos, apenas levemente repreendidos.

Mas crianças são crianças e todas adoram brinquedos. Até os adultos invejariam a abundância de brinquedos que os tsares russos tinham quando crianças. Casas de brinquedo, peões, xadrez, damas, brinquedos mecânicos europeus como caixas de música, pássaros de corda e soldados; instrumentos musicais, de simples cornetas a clavicórdios com decoração real.

Um lugar especial nos quartos dos meninos era reservado para brinquedos militares: arcos e flechas, estandartes militares em miniatura, machados, facas, pistolas, carabinas, bombardas de mão, sabres e espadas.

Miniatura do livro de Piotr Krekchin

O brinquedo mais querido era o cavalo, que todos os meninos da família do tsar tinham. Mas Pedro, o Grande, tinha ainda mais: quando criança, ele ganhou uma carruagem em miniatura puxada por quatro pôneis. E, em vez de soldados de brinquedo, ele tinha servos anões vestidos como guardas reais.

O pai de Pedro, Aleixo da Rússia, também se divertia muito quando criança: os homens lutavam contra ursos para ele assistir, assim como às apresentações de bobos da corte. Aos 7 anos, ele aprendeu xadrez e, aos 8, aprendeu a atirar com arco. Mas os exercícios militares só começavam depois que as crianças se mudavam do ala feminina para seus próprios quartos.

“Uma punição temível espera por essas crianças”

Livro dos Salmos, século 17.

Para as filhas do tsar, toda a vida seria passada em reclusão: depois dos 5 anos, elas continuavam na ala feminina do palácio, de onde raramente saíam. Mas os meninos começaram uma vida completamente diferente. Todas as babás cessavam seus cuidados e os meninos iam para a ala masculina sob a supervisão de um tutor – geralmente um boiardo respeitado.

A missão do tutor era ensinar o menino a ler, escrever, andar a cavalo e se comportar aristocraticamente. Os tsares russos deviam se comportar de modo a evitar qualquer possibilidade de que zombem deles. Assim, os pequenos tsares eram ensinados a andar e se mover devagar, majestosamente, sem qualquer tipo de pressa.

Livro de Horas, século 17.

O tutor era a única pessoa que podia punir as crianças reais. A educação naqueles tempos era baseada na literatura cristã, por exemplo, São João Crisóstomo, que escreveu: “Punições temíveis aguardam as crianças que não se submetem à autoridade de seus pais”. Varas de bétula, usadas para castigos corporais, aguardavam a criança real por maus estudos, preguiça e desobediência. Era uma dura reviravolta.

FOTO: Livro do século 17 de notação melódica para canto litúrgico.

Nem toda criança da atualidade conseguiria dominar o programa educacional dos pequenos tsares. O método principal era estudar a velha “decoreba”. Quando o garoto já sabia ler, começava a aprender trechos da literatura litúrgica: “O Livro dos Salmos” (150 hinos religiosos), “O Livro de Horas” (orações e missas da igreja para todos os dias), “O Livro de Atos”, “O Novo Testamento” etc.

Além disso, estudavam diversas compilações de hinos religiosos. Assim, a leitura dos jovens tsares era realmente impressionante. A escrita começava por volta dos 8 anos e os meninos aprendiam, ao mesmo tempo, a ler notas e cantar hinos religiosos, que continuavam no “currículo” deles por mais 2 ou 3 anos. Quando o menino completava 16 anos, essa era considerada sua emancipação e começava a busca por uma noiva para ele.

A educação real era útil?

Eles eram criados como pequenos teólogos e pequenos guerreiros ao mesmo tempo. Era disso que os soberanos precisavam? Obviamente, não. Os pequenos tsares não aprendiam economia, línguas estrangeiras, estratégia militar e muitas outras coisas necessárias em um mundo em mudança.

O fim dessa educação “tradicional” aconteceu em meados do século 17. Aleixo da Rússia, pai de Pedro, o Grande, foi o primeiro tsar a incluir alguns elementos da educação europeia na educação de seus filhos. Seu primeiro filho, Aleksei Alekseievitch (1654-1670), aprendeu latim, aritmética, geometria, astronomia e até poesia.

Mas Pedro foi mais longe. Ele também aprendeu hinos e o Novo Testamento, mas sempre fez o que queria. Assim, quando ele tinha 12 anos, ordenou que diferentes instrumentos e máquinas fossem trazidos para seu palácio.

O trabalho físico era considerado “impróprio” para o tsar, mas Pedro aprendeu a esculpir pedra e madeira, a imprimir e a encadernar livros e a velejar. Uma nova era estava chegando, e até o tsar precisava se especializar em algo. Sob o reinado de Pedro, a velha ordem da vida palaciana permaneceu apenas na ala feminina dos palácios em Moscou, e estava extinta em meados do século 18.

“Nikita Zotov ensina Pedro, o Grande, fortificação e assuntos militares.” Do livro de Piotr Krekchin

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