No século 10, a Rússia fez sua principal escolha de associação civilizacional. Ao adotar o cristianismo, a Rússia Antiga se tornou a fronteira oriental do mundo cristão. No entanto, sua proximidade com o Oriente, além de uma vida msiturada a povos muçulmanos e 300 anos do domínio da Horda de Ouro deixaram uma significativa “marca asiática” na mentalidade do povo russo.
A posição fronteiriça levou a uma constante oscilação da Rússia entre as culturas oriental e ocidental.
Uma virada significativa para a cultura ocidental da Rússia ocorreu durante o reinado de Pedro, o Grande, entre 1672 e 1725. O primeiro imperador russo acreditava que, para sobreviver, a Rússia precisava modernizar toda a estrutura econômica e social, usando a experiência de seus vizinhos europeus. Durante essa dramática modernização da sociedade russa, surgiu uma nova capital, em estilo europeu, súditos em vestidos à moda europeia e barbeados (isto é, sem nenhuma barba), e muitos outros artefatos culturais que causaram polêmica entre os russos.
Desde então, nunca cessarm os debates entre os pensadores russos sobre as consequências dessa virada e uma verdadeira afiliação à civilização europeia ou asiática.
Vassíli Tatíschchev: a Rússia é europeia
Este historiador russo do século 18 e autor da primeira "História da Rússia" foi um dos primeiros a explicar por que a fronteira condicional entre a Europa e a Ásia deve passar pelos Montes Urais. Antes disso, expressava ali a ideia de que o rio Ienissei ou o rio Ob deveriam ser considerados fronteiras entre os mundos europeu e asiático.
Tatíschchev (1686-1750) citou vários argumentos da ciência natural: depois das montes Urais, por exemplo, até os rios diferem na natureza do fluxo, têm outros tipos de peixes e muitas árvores que crescem na Europa não podem ser encontradas além dos montes Urais.
Para Tatíschchev, a Rússia é, sem dúvida, um país europeu, "assim como o Reino da Polônia, Prússia e Finlândia". Ao descrever a história da Rússia Antiga, antes da conquista do Canato de Kazan e da Sibéria, Tatishchev chega à conclusão de que a Rússia, "por circunstâncias naturais", pertence" nada menos que à Europa".
Nikolai Karamzin: a Rússia quase alcançou a Europa
Esse historiador, que viveu entre o final do século 18 e o início do século 19 é conhecido como o criador do conceito do "russo europeu ". Segundo Nikolai Karamzin (1766-1826), as reformas de Pedro, o Grande, foram um benefício indubitável para a Rússia, que passou a ter acesso às conquistas da civilização europeia: ciências, artes, teorias militares e políticas.
“Os alemães, os franceses e os britânicos estiveram à frente dos russos por pelo menos seis séculos. Pedro nos impulsionou com sua mão poderosa e, em poucos anos, quase os alcançamos. Todas as miseráveis lamúrias sobre a mudança do caráter russo e sobre a perda da fisionomia moral russa são piadas ou vêm de uma falta de reflexão completa. Não somos como nossos ancestrais barbudos: melhor assim!”, escreveu Karamzin, ao viajar pela Europa.
Fiódor Dostoiévski: é um erro pensar que somos apenas europeus
Muitos anos depois de todas as atenções se voltarem apenas à Europa, o escritor Fiódor Dostoiévski (1821-1881) passou a propor uma "cura" da visão da Rússia quanto à Ásia. “Toda a nossa Ásia russa, incluindo a Sibéria, parece existir na forma de algum tipo de apêndice, pelo qual nossa Rússia europeia nem quer se interessa”, lamentava o escritor.
“É preciso se livrar do medo servil de que na Europa seremos chamados de bárbaros asiáticos e que somos mais asiáticos do que europeus. Essa vergonha de que a Europa nos considere asiáticos nos assombra há quase dois séculos”.
Dostoiévski chama essa vergonha de errônea, assim como que os russos se percebam exclusivamente como europeus, e não como asiáticos — "o que nunca deixamos de ser".
Ao escritor também incomoda o fato de que a Rússia é "tão insistente" em participar dos assuntos da Europa e faz de tudo para que a Europa a reconheça como parte integrante, "e não como parte integrante da Tartária". Dostoiévski chega à conclusão de que, talvez, seja na Ásia que se deva buscar o futuro da Rússia.
Vassíli Klutchévski: a Rússia é uma ponte entre a Europa e a Ásia
A complexa posição geográfica determinou o destino histórico e cultural da Rússia, segundo o professor e historiador Vassíli Klutchévski (1841-1911). "A Rússia sempre experimentou influência estrangeira, mas essa sempre foi reelaborada e repensada de maneira russa".
No início, foi Bizâncio que trouxe cristianismo à Rússia, depois, a Europa Ocidental, com suas ciências e teorias políticas, que chegaram, finalmente, apenas durante o reinado do Pedro, o Grande.
Foi no século 19, de acordo com Klutchévski, que a Rússia começou a se perguntar sobre sua afiliação à Europa, esquecendo do Oriente. A ideia do europeismo da Rússia foi completamente estabelecida quando uma alemã, Catarina, a Grande, passou a ocupar o trono russo — e lá ficou por muitas décadas.
“Historicamente, a Rússia, obviamente, não é Ásia, mas, geograficamente, também não é exatamente a Europa. É um país de transição, um mediador entre os dois mundos. A cultura a ligava inextricavelmente à Europa, mas a natureza lhe deu características e influências que sempre atraíram a Rússia para a Ásia ou atraíram a Ásia para a Rússia”, escreveu Klutchévski em seu livro "Curso de História Russa".
Lev Gumiliov: Eurasianos russos ultrapassarão a Europa
O historiador e etnógrafo Lev Gumiliov (também grafado em português como Gumilev; 1912-1992), filho de Anna Akhmatova e Nikolai Gumiliov — ambos famosos poetas russos do início do século 20 —, é conhecido por introduzir o conceito de superetnia, uma entidade que surgiu de um mosaico de grupos étnicos de uma região.
O mundo cristão da Europa Ocidental e o mundo muçulmano são dois exemplos de superetnias. Segundo Gumiliov, no decorrer de seu desenvolvimento histórico, o povo russo também se tornou uma superetnia que, até o século 18, incorporou muitos outros grupos étnicos à medida que conquistava a Sibéria e a Ásia Central.
Segundo ele, a superetnia russa é muito mais jovem que a da Europa Ocidental e, portanto, ainda está em estágio de desenvolvimento, mas em breve experimentará uma ascensão.
Gumiliov era um adepto do "eurasianismo", ou seja, ele acreditava que a cultura da Europa Ocidental estava em crise e o Oriente tomaria sua posição dominante. A superetnia russa, que une os eslavos europeus e os povos não eslavos da Ásia, se tornaria uma das bases da cultura do eurasianismo.
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