Durante a sangrenta Guerra Civil na Rússia, surgiu, em sua parte mais oriental, uma nova república. Surpreendentemente, porém, ela era diferente de outras repúblicas, como a do Daguestão ou da Tchetchênia: era um novo país, totalmente independente, chamado de República do Extremo Oriente e criado por iniciativa do próprio governo soviético. Ao sacrificar seus territórios para estabelecer um novo país, os bolcheviques pretendiam impedir o Japão, que visava tomar todo o Extremo Oriente russo sob seu controle.
Os japoneses participaram da intervenção das potências da Entente na Rússia, lideradas pela Grã-Bretanha. Os aliados estavam insatisfeitos com a saída da Rússia soviética da Primeira Guerra Mundial e se aliaram ao Exército Branco, cujos líderes prometeram que, após a vitória sobre os bolcheviques e sua chegada ao poder, a Rússia voltaria a lutar contra os alemães até o fim. No entanto, os militares estrangeiros que desembarcaram em diferentes partes da Rússia não tinham pressa em lutar abertamente contra o Exército Vermelho, mantendo-se principalmente na retaguarda de seus aliados russos.
Em meados de 1919, a Entente começou a retirada gradual de suas tropas do território da Rússia: a Primeira Guerra Mundial havia terminado há muito tempo, e as esperanças de um colapso do governo de Lênin desapareciam. O Japão, porém, não apenas não deixou as terras russas, mas, pelo contrário, começou a aumentar ativamente sua presença militar ali. Para o Japão, a Guerra Civil Russa abriu uma janela de grandes oportunidades.
“A Guerra Mundial deu ao Japão um presente inesperado, um tesouro intocado, a Sibéria […] a anexação dessas terras ao Japão no sentido econômico depende só da habilidade dos japoneses”, lemos em uma edição do jornal russo "Naródnaia Gazeta" da época.
O Japão estava tomando o Extremo Oriente e a Sibéria Oriental sob seu controle, agindo diretamente com seu exército ou por meio de seus protegidos, como Grigóri Semiónov e Ivan Kalmikov. A expansão da "Terra do Sol Nascente" foi travada apenas pelo medo de uma revolta popular aberta e pela dura posição dos Estados Unidos, que não queriam o fortalecimento de seu rival geopolítico.
Por muito tempo, o Extremo Oriente teve papel secundário na Guerra Civil. Todas as batalhas ferozes ocorreiam na parte europeia da Rússia e apenas destacamentos dispersos de guerrilheiros vermelhos lutaram contra os japoneses no Oriente. No entanto, no segundo semestre de 1919, o Exército Vermelho conseguiu derrotar a Frente Oriental do Exército Branco, cruzar os Montes Urais e lançar uma ofensiva rápida nas profundezas da Sibéria, chegando às proximidades do Lago Baikal — atrás do qual já estavam diversas guarnições japonesas.
No entanto, os vermelhos queriam evitar um confronto militar aberto com o Japão, especialmente devido à guerra contra a Polônia. “Seríamos idiotas se começássemos uma ofensiva nas profundezas da Sibéria. Isso permitiria que [o líder dos brancos] Deníkin ganharia vantagem e a Polônia atacaria imediatamente. Seria um crime”, escreveu Lênin ao presidente do Conselho Militar Revolucionário, Leon Trotsky, em fevereiro de 1920.
Foi então que surgiu a ideia de criar um país entre os territórios que estavam sob o controle de Moscou e Tóquio. Vários governos pró-soviéticos operavam naquela "terra de ninguém", e, por sugestão de Moscou, em 6 de abril de 1920, proclamaram a criação da República do Extremo Oriente, formalmente independente da Rússia soviética. O novo país incluía oficialmente vastos territórios, desde o lago Baikal até o norte da Sacalina — embora na verdade muitos deles estivessem sob o controle do Exército Branco e dos japoneses.
A criação da República do Extremo Oriente agradou a quase todos: Moscou, Washington, as forças anti-soviéticas na Sibéria, que temiam a expansão do poder soviético, bem como o de Tóquio. Apenas alguns dos comandantes dos destacamentos vermelhos expressaram seu protesto.
A República do Extremo Oriente tinha sua própria Constituição, brasão, bandeira, moeda, autoridades legislativas, judiciárias e executivas. “Era uma república engraçada”, escreveu o jornalista Viktor Kin. “Acima do presidente estava pendurado um brasão, quase soviético, mas, em vez de uma foice e um martelo, havia uma picareta e uma âncora. A bandeira era vermelha, mas com um quadrado azul no canto. O exército usava estrelas de cinco pontas - mas uma metade era azul e a outra, vermelha".
Quando, em julho de 1920, o chefe do governo da República do Extremo Oriente, Aleksandr Krasnoschokov, perguntou a Lênin qual deveria ser a estrutura do país, ele respondeu: “A democracia com pequenos privilégios para comunistas é aceitável”. Na realidade, a porcentagem de bolcheviques na liderança do país sempre foi esmagadora.
Moscou ajudava a República do Extremo Oriente com dinheiro e recursos e fornecia ativamente armamentos para seu Exército Revolucionário Popular, que reuniu tropas regulares com numerosos destacamentos de guerrilheiros. Em novembro de 1920, o exército da República do Extremo Oriente contava com 100 mil soldados, ou seja, era comparável aos exércitos da Rússia e do Japão.
O Exército Revolucionário Popular não podia lutar contra os japoneses, mas lutou ativamente contra o Exército Branco no Extremo Oriente. Em outubro de 1920, a República do Extremo Oriente conseguiu liberar o vasto território da Transbaikalia das tropas brancas com suas tropas e expulsar os japoneses da região usando métodos diplomáticos.
Em apenas dois anos a influência do Japão no Extremo Oriente russo foi reduzida ao mínimo. Atormentados pela luta contra os guerrilheiros, os japoneses perderam quase todas as suas posições na região. Em fevereiro de 1922, o exército da República do Extremo Oriente tomou a cidade de Khabarovsk dos brancos e, em 25 de outubro, entrou em Vladivostok, que tinha sido deixada pelos japoneses. Apenas o norte da Sacalina permaneceu nas mãos dos japoneses, mas eles foram forçados a devolver o território em 1925.
Após a libertação dos territórios orientais de brancos e intervencionistas, a existência da República do Extremo Oriente deixou de ser necessária. Em 14 de novembro de 1922, a Assembleia Popular da República do Extremo Oriente declarou sua “autodissolução” e apelou a Moscou com um pedido de "anexação do Extremo Oriente à URSS". O desejo foi realizado imediatamente, claro.
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