Por que Napoleão rumou a Moscou e não a São Petersburgo?

Russia Beyond (Foto: Bildagentur-online, Universal History Archive/Getty Images)
Se Bonaparte tivesse menos espírito de cavalaria e mais astúcia em sua campanha russa de 1812, a guerra poderia ter tido um resultado diferente. Mas é possível que a Rússia tenha sido salva não por Kutúzov e Barclay, e sim pelo esquecido general Peter Wittgenstein.

Em 22 de julho de 1812, a então capital da Rússia, São Petersburgo, deu as boas-vindas ao Imperador Alexandre 1°, que chegava da frente da Guerra Patriótica. Dois dias antes, a cidade tinha sido enfeitada com uma iluminação festiva e a Catedral de Cazã tornou-se palco de um verdadeiro evento, reunindo dentro e ao redor de si multidões. Havia quem dormisse ali pela segunda ou terceira noite à espera do imperador: ele voltaria em 20 de julho, mas, no final das contas, ficou em Tver para passar alguns dias com a irmã, Ekaterina Pavlovna.

Catedral de Kazan em 1821.

Na capital, nem todos sabiam que a batalha que definiu a vitória de São Petersburgo tinha acontecido em 20 de julho: era a Batalha de Kliastitsi, na qual os russos, liderados pelo general Peter Wittgenstein, derrotaram as forças do marechal Oudinot, que superavam em muito as russas, e impediram o avanço francês sobre São Petersburgo.

A armadilha de Barclay de Tolly

A guerra se iniciou em 12 de junho de 1812, quando Alexandre 1° estava em Vilnius. O imperador foi imediatamente para a frente - mas sua chegada causou confusão lá. Alexandre não declarou Barclay de Tolly comandante-chefe e, assim, assumiu ele mesmo o comando, como o mais alto oficial do império.

 Mikhail B. Barclay de Tolly (1761-1818).

Mas o imperador deixou a desejar como comandante, e só aprovava os planos de defesa — caso contrário, a presença dele e de sua comitiva só atrapalhava a guerra. No final das contas, os dignitários conseguiram persuadir o imperador a ir embora – inicialmente, para Moscou e, depois, para São Petersburgo.

Alexandre deixou o exército em 7 de julho, enquanto o 2º Corpo da “Grande Armée” (o exército de Napoleão), sob o comando marechal Nicolas Oudinot, já se deslocava através do território da Bielorússia moderna, em direção a São Petersburgo.

O que Napoleão fazia enquanto isso? Seguindo sua tática habitual de ofensivas-relâmpago, ele procurava uma batalha geral com o exército russo. Ao contrário do mito que se estabeleceu na história, Napoleão nunca disse: “Se eu tomar Kiev, vou agarrar a Rússia pelos pés; se eu tomar São Petersburgo, vou agarrá-la pela cabeça. Se eu capturar Moscou, eu a atingirei através do coração.”

O experiente líder militar entendia que, quanto mais ele adentrasse nas entranhas da Rússia, menores seriam suas chances de vitória.

Entretanto, Barclay, compreendendo o desejo de Napoleão de derrotar os russos o quanto antes, arrastou deliberadamente o francês às profundezas da Rússia. Em 1810, Barclay apresentou uma nota a Alexandre "Sobre a proteção das fronteiras ocidentais da Rússia", na qual ele propunha fugir de uma batalha decisiva, recuar e enfraquecer o inimigo por meio das ações das tropas leves.

Alexandre 1°.

O plano foi adotado quando Napoleão invadiu o país. O movimento pelas terras russas foi muito diferente de outras campanhas europeias. Ali, houve uma feroz guerrilha: os camponeses destruíam impiedosamente qualquer unidade militar francesa e atacavam comboios de produtos alimentícios.

Mas Bonaparte ainda esperava ganhar a batalha geral no cerco de Smolensk — naquela época, a fortaleza mais inexpugnável da Europa.

Herói esquecido

Enquanto o grosso da “Grande Armée” procurava uma batalha geral, somente o 1º Corpo de Infantaria, sob o comando do General Peter Wittgenstein, defendia a aproximação de São Petersburgo. Ele tinha apenas 18.000 soldados e 84 armas.

São Petersburgo estava sob ameaça do 2º Corpo de Oudinot (cerca de 30 mil homens), mas também do 10º Corpo do Marechal MacDonald (também com cerca de 30 mil homens), que avançava em direção a Riga (hoje, capital da Letônia).

Nicolas Charles Oudinot em retrato feito por Robert Lefèvre.

O general Wittgenstein, que na época tinha 43 anos, já tinha lutado muitas vezes contra as forças de Napoleão. Ele entendia que seus soldados não poderiam resistir se Oudinot e MacDonald unissem forças e decidiu atacar primeiro as tropas do marechal Oudinot, que ocupavam a vila de Kliastitsi, ao norte da cidade de Polotsk.

Wittgenstein tinha não apenas forças de infantaria, mas também regimentos hussardos e cossacos, que assustavam os franceses com seu destemor e ataques frenéticos. Quando ocorreram os primeiros e furiosos ataques dos russos aos soldados de Oudinot em Kliastitsi, os franceses recuaram para trás do rio Nischa e atearam fogo à única ponte que atravessaram.

Retrato de Peter Wittgenstein.

Entretanto, o Regimento Granadeiro de Pavlovsk não hesitou em atravessar o rio usando a ponte em chamas e lançou um ataque de baioneta, sendo depois seguido por outras unidades de infantaria, enquanto a cavalaria russa atravessava o rio.

O general Wittgenstein foi ferido no rosto na batalha de Kliastitsi, mas os franceses foram varridos pelo ataque e acabaram se retirando para o sul, para além do rio Duína Ocidental.

A batalha perto da aldeia de Kliastitsi foi a primeira grande e heróica vitória do exército russo na Guerra de 1812. O exército russo perdeu mais de 4 mil homens, mas desmoralizou totalmente o inimigo, que o superava em quantidade. O imperador Alexandre chamou o general Wittgenstein de “salvador de São Petersburgo” e lhe concedeu a Ordem de São Jorge de 2ª classe.

Após a batalha de Kliastitsi, os homens do general Wittgenstein venceram mais duas batalhas contra as forças francesas. A tropa do Marechal Saint-Cyr foi enviada para auxiliar os homens do Marechal Oudinot, mas Wittgenstein e os 12 mil homens do general Steinheil que foram em seu auxílio derrotaram as forças unidas dos franceses em duas batalhas perto de Polotsk.

Ataque a Kliastits em 20 de julho de 1812. Pintura de Nikolai Samokich.

Isso ocorreu entre 18 e 19 de outubro de 1812, ou seja, nos mesmos dias em que os remanescentes da “Grande Armée” comandada por Napoleão começavam sua inglória retirada de Moscou.

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