Como eram as discotecas na União Soviética (FOTOS)

Serguêi Subbótin
Códigos de vestuário, presença onipresente da polícia e inevitáveis ​​brigas de bêbados. Encontrados sociais eram a maneira favorita de todos de espairecer – e colocar a vida amorosa em ordem.

Para muitos cidadãos da União Soviética, as discotecas, ou simplesmente ‘danças’, eram um passatempo especial – e lembrados com carinho mesmo até os dias de hoje, em que as boates são mais liberais e acolhedoras. Naquela época, entrar nessas discotecas era tão difícil quanto se apossar do famosa salsichão soviético, que vivia em falta no mercado.

Arkádi ainda se lembra das festas na década de 1970. “Tínhamos que aprovar uma playlist com antecedência, e fornecer traduções dos nomes. Os italianos estavam em voga na época – e sabíamos o que era Felicita; a palavra “Festra”, basicamente criamos a tradução para “Fortuna”. Funcionou. “Acapulco”, no entanto, foi uma história diferente, O diretor da escola – também nosso professor de química – exigiu provas de que “Acapulco” não era um grito de guerra antissoviético ou um tipo de saudação nazista. Tivemos que correr para a sala de Geografia e pegar ao Atlas para provar isso.” 

No entanto, houve tempos em que não existiam nem mesmo as danças escolares inofensivas. Primeiro, surgiram as “pistas de dança”, com música ao vivo e atmosfera remanescente de bailes pré-revolucionários: homens e mulheres se reuniam separadamente. O tema da noite, a ordem em que as coisas aconteciam etc – tudo isso era decidido com antecedência. Isso se deu nas décadas de 1930 e 40, quando os eventos eram chamados de “noites de dança”.

Os eventos seriam realizados em clubes e centros culturais. Durante o verão, eram transferidos para parques, a céu aberto.

Todos os aspectos da vida soviética eram regulados, e as danças não eram exceção. “Dançar com roupas de trabalho ou roupas esportivas era proibido. Assim como dançar de formas que rompessem a convenção (seja lá o que isso significasse). O dançarino tinha que executar todos os seus movimentos de forma adequada, todos deveriam fazê-lo com precisão e de maneira uniforme, a perna esquerda e a direita. Fumar ou apenas socializar deveria ser feito em áreas designadas”, diz. Essas eram as regras da “pista de dança”.

Dmitry Donskoy/Sputnik

Com a política do degelo, da década de 1960,  os eventos se tornaram um pouco mais democráticos. O estilo começou a refletir a consciência pública – as pessoas estavam se rebelando, com roupas mais brilhantes ou ousadas, embora os homens ainda pudessem ser expulsos da dança se tivessem calças largas e cabelos longos. O mesmo destino teriam as mulheres que usassem roupas e maquiagem consideradas “provocativas”.

O território da dança era cercado e havia cobrança de ingresso. Aqueles que não desejavam pagar pulavam a cerca. A polícia ficava atenta aos “ilegais”, muitas vezes inventando formas de impedir que entrassem – como lambuzar as cercas com óleo. 

As primeiras bandas começaram a aparecer na URSS – sempre com prefixo obrigatório VIA (abreviação em russo para ‘conjunto instrumental vocal’). Muitos tentavam copiar a música ocidental.

Quase não havia guitarras Fender ou Gibson no país (apenas as elites musicais, pagas em moeda estrangeira com dinheiro do Estado, por meio de ordens especiais do governo). Por isso, as VIAs geralmente tocavam instrumentos soviéticos – muitas referidos como pás, remos ou lenha, devido à qualidade do som geralmente inferior.

Archive of Pavel Sukharev / russiainphoto.ru

O Partido Comunista e as autoridades administrativas vigiavam minuciosamente a cena, sempre à procura de “propaganda de promiscuidade” e outros comportamentos proibidos, ou mensagens indesejadas na música. De acordo com um usuário do LiveJournal, “para começar, não havia ‘músicas decadentes’ em nenhum coletivo underground. Não me lembro bem de todos os detalhes, mas havia algumas músicas que as garotas realmente gostavam, e que estavam na lista negra: ‘Girl in a Bar’ e ‘Remember, Girl?’.” 

Os controles de um DJ ‘avançado’ se pareciam com isso:

A democratização continuou em marcha e, na década de 1980, o cenário soviético estava vivenciando uma era de ouro da discoteca: todas as escolas, faculdades e universidades técnicas do país tinham suas próprias danças. Os toca-fitas começaram a aparecer, assim como outros equipamentos. 

Oficialmente, a censura não havia desaparecido, mas era ignorada com crescente frequência. Samovares e bules começaram a ser preenchidos com álcool. Lutar também se tornava um acontecimento comum. “Você não ia a um baile sozinho. Havia sempre uma multidão, mas, enquanto as meninas podiam se dar ao luxo de ir em pares, os meninos tinham que estar em pequenos grupos, caso rolasse briga. E acontecia bastante, especialmente partindo dos garotos locais em cujo território a dança ocorria.

A essa altura, todo mundo estava tentando encontrar uma maneira de entrar. Havia chegado a época da lista de convidados. Alguns dos eventos mais badalados ocorriam no hotel Inturist, onde ficaram os turistas estrangeiros. Um cidadão soviético comum nunca poderia entrar em um desses bares. Eles eram, porém, frequentados por agentes secretos da KGB, prostitutas de luxo e a ‘nomenklatura’  (figurões) do Partido Comunista.

O povo em si tinha pouca opção a não ser enfrentar os mesmos centros culturais e pistas de dança locais que já existiam por cerca de 40 anos. Ainda que a cultura estrangeira, com suas músicas modernas, não fosse especial nem tabu até então. As danças alavancaram as negociações do mercado negro: roupas ocidentais e outros itens difíceis de obter – como vinis, jeans e cigarros estrangeiros – eram vendidos literalmente por baixo da mesa. As discotecas se tornaram um espaço para a cultura alternativa precoce, bem como para o comércio particular.

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