Skomorokhs, os primeiros músicos a serem banidos da Rússia

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Os russos da época medieval consideravam o ‘skomorokh’ o melhor entretenimento. Mas por que então os tsares e os sacerdotes ortodoxos russos estavam contra eles?

Os “skomorokhs” foram proibidos porque suas apresentações eram vistas como “demoníacas” pela Igreja Ortodoxa Russa. Mas será que eram mesmo?

À primeira vista, um “skomorokh” russo se assemelhava a um trovador europeu. Músicos e atores viajantes, os skomorokhs se moviam de uma vila para outra, oferecendo seus serviços de entretenimento: apresentando-se em casamentos e dias de recordação, fazendo shows especiais para festas anuais, ou apresentando sua rotina habitual no palco, que incluía piadas, teatro de fantoches, truques com ursos treinados e, é claro, seus atos de música e dança. O que poderia haver de tão errado?

Para todos

Os eslavos tinham a reputação de serem especialmente talentosos em apresentações musicais. O imperador bizantino Constantino 7º Porfirogênito (905-959) escreveu que, em seu palácio, os homens eslavos eram “usados ​​para fazer música instrumental”. Na Rússia, as primeiras menções aos skomorokhs datam do século 11. Eles tocavam música e faziam apresentações nas festas dos príncipes russos e, mais tarde, dos tsares. Mas os skomorokhs também faziam shows para pessoas comuns.

Troubadours singing and reciting one of his poems, written in Occitan. 12th and 13th centuries. Colored engraving

Normalmente, algumas semanas antes da chegada dos skomorokhs à cidade, a apresentação futura era anunciada na praça do mercado local. Então, ao chegarem, o público já estava preparado e esperando. O show incluía глумление, (“gloumleniye”, “paródia”, em português), com obscenidades e conteúdo chocante, por vezes até mesmo nudez. Adam Olearius, um viajante do século 17, escreveu, por exemplo, que “os comediantes itinerantes, também conhecidos como skomorokhs, desavergonhadamente desnudam partes de seus corpos durante suas danças para entreter o público, e os violinistas de rua enaltecem abertamente atos vergonhosos”.

Фреска

Teatro de marionetes e apresentação com animais treinados também poderiam compor uma apresentação skomorokh, além dos старины (“stariny”, ou “cânticos antigos”, em português) que os russos conheciam e amavam. E sobre o que falavam?

‘Canções satânicas’

As músicas dos skomorokhs eram histórias ritmadas contadas enquanto a banda tocava ao fundo. Uma delas era sobre um comerciante rico chamado Terenti e sua jovem esposa infiel, que dizia estar “doente entre as pernas” e pedia ao marido para ir ao centro da cidade buscar remédios. No centro, Terenti conhecia um bando de skomorokhs que, ao ouvir sua história, iam até a esposa do comerciante e a encontravam em casa, saudável e com seu amante. Depois disso, Terenti batia, comicamente, no amante de sua esposa com uma barra de chumbo e roubava sua jaqueta. A música inteira era cheia de frases cômicas e palavras obscenas.

Outra história era o conto hilário sobre um camponês cuja casa foi assaltada por um bigode gigante; era muito comum criar imagens absurdas, mas algumas músicas eram apenas longas piadas. E como era a melodia?

Os skomorokhs usavam uma variedade de instrumentos que podiam ser facilmente transportados na estrada. Bateria de tímpanos, pandeiro e várias outros objetos de percussão; todos os tipos de instrumentos de sopro, incluindo gaitas, palhetas, flautas e, principalmente, zurnas, nativos da Eurásia Central.

Reconstruction of N. L. Krivonos. Gudok. Novgorod, XII century. Russian National Museum of Music.

Os domras, instrumentos populares de cordas da família do alaúde, eram os “violões” da época. Aliás, quando Adam Olearius escreveu sobre “violinistas”, ele certamente se referia a pessoas que tocavam o gudok, um instrumento de cordas tocado com um arco. A viela de roda era outro instrumento popular que os skomorokhs tocavam e que os contadores profissionais de histórias que cantavam baladas épicas também usavam nos shows.

wheel fiddle

No entanto, a função mais importante dos skomorokhs, segundo supõem os historiadores, era apresentar-se em rituais e ocasiões específicas, como casamentos; “sábados de almas”, que os eslavos celebravam cerca de 5 vezes durante um ano; e as celebrações do solstício de inverno e verão. As festanças de solstício eram muito importantes para os medievais, pois permitiam calcular o tempo necessário para as colheitas e, eventualmente, para a sobrevivência. Como os skomorokhs participavam da celebração dessas antigas festas pagãs, a Igreja Ortodoxa Russa se posicionou contra eles desde o início. Não é à toa que o clero e os escritores espirituais chamavam as canções dos skomorokhs de “diabólicas” e “satânicas” – os skomorokhs acabavam tirando as pessoas das igrejas e atraindo-os para seus shows. 

Fim da música

Em 1551, foi realizado em Moscou o Stoglavi Sobor (Conselho de Cem Capítulos, um Sínodo da Igreja Ortodoxa Russa). O objetivo era atualizar práticas rituais e condenar os pecados. Entre os decretos emitidos pelo Stoglav estavam vários sobre os skomorokhs – oficializando, assim, o início de uma batalha da Igreja contra eles.

Leather masks of skomorokhs of XII-XIII centuries preserved in Novgorod soil ---

Os textos do Stoglav diziam que, no século 16, os skomorokhs estavam sempre presentes nos “sábados da alma” e, por causa deles, os russos começaram a cantar e dançar nos cemitérios (aparentemente, como também faziam nos tempos pré-cristãos), em vez de se enlutar. Além disso, os skomorokhs estavam presentes nas cerimônias de casamento e acaba sendo constrangedor quando a procissão chegava à igreja, onde músicos pagãos se encontravam com padres ortodoxos – um verdadeiro choque.

O Stoglav proibiu todas essas práticas e ordenou aos padres ortodoxos que coibissem sua paróquia de convidar skomorokhs para suas casas.

Além disso, os skomorokhs participavam das celebrações de solstício, em que, segundo Stoglav, “homens e mulheres se reúnem para tomar banho noturno e manter conversas obscenas, com cantos e danças diabólicas, atos profanos, corrupção de rapazes e donzelas”. O Sínodo ordenava a proibição dessas celebrações fossem proibidas, mas até então, era apenas uma ordem da igreja.

Skomorokhs in the village. Chromolithograph. Russian Empire, 1857. ---

No entanto, em 1648, o tsar Aleksêi da Rússia criou um estatuto proibindo todos os skomorokhs e celebrações pagãs e introduzindo penalidade: a primeira e segunda vez que alguém fosse pego ouvindo música skomorokh ou dançando com eles, essa pessoa seria fisicamente punida; na terceira, seria exilada em cidades distantes. Desse modo, a música pagã assumiu a clandestinidade e foi lentamente desaparecendo ao longo dos séculos 17 e 18, ainda que algumas relíquias da época tenham sobrevivido.

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