Os tsares russos eram cristãos ortodoxos devotos; para eles, qualquer remédio oferecido por um protestante ou católico era visto com cautela. Mesmo em caso de perigo real, os tsares recorriam primeiro aos habitantes locais. Não é à toa que frequentemente recorriam a remédios e procedimentos estranhos, por conta própria.
Sangria – usando aves de rapina
A sangria terapêutica foi uma das práticas médicas mais comuns realizadas por cirurgiões da antiguidade até o final do século 19 – isto é, mais de 2.000 anos. Na ausência de outros tratamentos para hipertensão, a sangria era um método popular para acalmar temporariamente os pacientes e fazia com que se sentissem melhor.
A primeira sangria registrada em um tsar foi realizada em Mikhaíl Fiodorovitch (1596-1645), o primeiro Romanov. Seu filho, Aleksêi da Rússia (1629-1676) era um ávido caçador de falcões, tanto é que a ave foi usada para realizar a sangria: um falcão foi colocado no braço do tsar e “abriu a corrente sanguínea” com uma bicada.
Aleksêi exigia que seus boiardos passassem por sangria junto com ele. O viajante alemão Augustin Meyerberg descreveu quando, certa vez, o nobre Rodion Strechnev (já velho e fraco) tentou recusar o procedimento. Aleksêi deu então um tapa na cara dele e chutou seu traseiro, gritando: “Escravo sem valor, está tomando seu soberano por nada? Será que seu sangue é mais digno do que o meu?”.
Depois dessa, Strechnev estendeu o braço.
Pedras preciosas – a paixão de Ivan, o Terrível
O imperador Ivan, o Terrível (1530-1584), acreditava no poder de cura das pedras preciosas. O panaguia de Ivan, o Terrível (medalhão com um ícone, usado em volta do pescoço) continha pedaços de pérolas e safiras ‘curativas’.
Jerome Horsey, diplomata inglês em missão em Moscou, descreveu Ivan, o Terrível, mostrando-lhe suas joias e falando sobre seus poderes:
“Ele colocou um coral vermelho e uma pedra turquesa no braço; e o infeliz apontou para a mudança de cor delas como o efeito da doença que envenenou seu sangue e, consequentemente, provaria ser fatal. ‘O diamante reduz a fúria”, teria dito Ivan, segundo Horsey. “O rubi é mais adequado para o coração, cérebro, vigor e memória de um homem. A esmeralda tem a natureza do arco-íris; esta pedra preciosa é inimiga da imundície. A safira, em que encontro um grande prazer, preserva e aumenta a coragem, enche o coração de alegria. Todos são presentes maravilhosos de Deus, os segredos da natureza e, no entanto, [Deus] os revela para uso e contemplação do homem, como amigos da graça e da virtude e inimigos do vício.”
Goró – a primeira vodca na Rússia foi vendida em uma farmácia
A princípio, as bebidas com alto teor alcoólico apareceram na Rússia como um tipo de medicamento. Por volta dos séculos 14 a 15, comerciantes europeus apresentaram uma espécie de vodca a um dos príncipes de Moscou.
Mas a palavra vodca surgiu no idioma russo pela primeira vez apenas no início do século 16 e significava tintura de herbal com alto teor de álcool. Possivelmente na mesma época, os servos do tsar começaram a produzir pequenas quantidades de bebidas destiladas a partir de vinhos europeus. Essas ‘vodcas’ eram vendidos em uma farmácia na Praça Vermelha de Moscou e só podiam ser comprados pelos moscovitas mais endinheirados, porque custavam uma fortuna.
Os vinhos também eram usados como remédio: para aquecer o corpo e provocar sudorese. Quando Mikhaíl Fiodorovitch estava prestes a morrer, seu médico tentou “limpar o fígado” usando rheinwein (vinho branco do Reno) quente.
No entanto, o herdeiro do torno não resistiu mais.
Chifre de unicórnio – testado e aprovado por pombos
Na Idade Média, acreditava-se que unicórnios pastavam em terras jamais visitadas pelo homem. Para os primeiros tsares russos, o unicórnio era símbolo do poder sacral e espiritual. O animal imaginário foi inclusive usado no selo real de Ivan, o Terrível. Textos sobre o poder milagroso dos unicórnios e seus chifres haviam circulado na Rússia ainda antes do século 16, e Ivan, o Terrível, tinha uma vara feita de ‘chifre de unicórnio’ que, provavelmente, era apenas um canino de baleia narval.
Acreditava-se que o ‘chifre do unicórnio’ (em pó, após triturá-lo) era um antídoto universal. Em 1654, Aleksêi da Rússia encomendou um chifre de Lübeck, na Alemanha. No ano seguinte, o tsar recebeu três chifres por 11.000 rublos. O artefato era quase 50 vezes mais caro do que o ouro na época.
E como era realizada a experiência? Segundo Clare Griffin, pesquisadora da Universidade de Cambridge, pombos eram usados para testes de veneno nas câmaras do tsar. Um pombo era alimentado com arsênico; o segundo, com pó de arsênico e chifre; e o terceiro, com pó de chifre e arsênico depois. Na primeira vez, todos os três pombos sobreviveram; ao repetir, apenas o terceiro sobreviveu – isso provou a ‘autenticidade’ do chifre. No entanto, em 1669, os médicos do tsar se recusaram a usar um chifre depois de conduziram uma pesquisa própria – eles realmente descobriram que pertencia a uma baleia narval, o “unicórnio do mar”. No século 18, crenças medicinais obsoletas começaram a sumir lentamente.
Arsênico – o pão nosso de cada dia
Ivan, o Terrível, travou uma guerra contra a antiga aristocracia russa – boiardos e príncipes ruríquidas que estavam planejavam destroná-lo. Ivan usava constantemente venenos. Em 1570, chamou o médico alemão Eliseus Bomelius para preparar venenos para matar seus inimigos. Mas, com medo de ser envenenado, Ivan consumia todos os dias pequenas quantidades de arsênico, o veneno mais comum e facilmente obtido na época, para desenvolver resistência a ele e se safar em um possível envenenamento.
Os tsares de Moscou dos séculos 16 e 17 tinham por regra que todo e qualquer prato fosse antes testado por seus servos; e se um médico preparava remédios para o tsar, o médico deveria beber várias vezes a quantidade de remédio ingerida pelo tsar – assim, seria mais difícil envenenar o soberano. Mesmo, uma investigação realizada no corpo de Ivan em 1965 mostrou que o tsar havia morrido de envenenamento por mercúrio.
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