O direito à vida nem sempre foi um direito humano básico. Nos tempos medievais, quando as pessoas estavam divididas em estratos – considerando seus antepassados e riqueza –, algumas vidas humanas eram imprescindíveis, e outras, “mais baratas” e dispensáveis. Assim também era a realidade na Rússia.
Antiga Rus
Justiça sob a Lei da Rus, de Ivan Bilibin
Coleção privadaO Russkaya Pravda (Lei da Rus), o mais antigo código de leis conhecidas da Rus Kievana, definia certasmultas por matar certostipos de pessoas. O código se aplicava à classe dominante, camponeses e moradores de cidades da Rússia até o século 15.
As multas eram contadas em grivnas. Um grivna (que equivalia a cerca de 150 a 200 gramas de prata) era unidade de peso e moeda usada na Rússia Kievana – e considerada bastante valiosa. Era possível comprar, por exemplo, uma aldeia inteira com 5 a 6 casas, ou um cavalo de batalha treinado e saudável.
Na corte de um príncipe russo, de Appolinário Vasnetsov
Museu Estatal de HistóriaA multa por matar um homem livre era de 40 grivnas; uma mulher livre, metade disso. Se o homem morto servisse aos cnezos/príncipes (como um oficial, soldado ou empregado da casa), a multa dobrava para 80, ou 40 grivnas, respectivamente. O dinheiro era pago para o governo local – ou seja, aos cnezos, em sua grande parte.
Grivnas
DivulgaçãoPara o assassinato de pessoas de outros estratos – como kholops (espécie de servo), a multa era menor. “Para um supervisor da aldeia, ou um supervisor de trabalho de campo, pagava-se 12 grivnas. Para um servo, 5 grivnas; para uma serva, 6 grivna. Para um professor, 12 grivnas, o mesmo para uma babá”, dizia a lei.
Como os membros do povo não podiam pagar a multa, a comunidade geralmente se unia para contribuir nesses casos.
Moscóvia
Retrato de Ivan, o Grande (1440-1505)
DivulgaçãoEm 1497, Ivan, o Grande introduziu um novo Código de Direito, segundo o qual assassinatos deveriam ser punido com pena de morte – isto é, se o assassino fosse um criminoso conhecido (se estivesse cometendo o crime pela segunda vez), ou se fosse um servo que matasse seu senhor.
De acordo com o Código de Direito de 1497, um assassinato considerado “simples” custaria 4 rublos. Esta era, porém, uma quantia enorme. Sabe-se que no ano de 1534, 0,03 de um rublo comprava um casebre de madeira (izbá, na Rússia).
Zemsky Sobor, de Serguêi Ivanov
Editora KnebelEm 1550, foi a vez de Ivan, o Terrível, introduzir um novo Código de Direito. A partir de então, o assassinato era submetido a um julgamento formal, e não eram mais aceitas multas. Os assassinatos intencionais passaram a ser punidos com morte; e os não intencionais, com chicotadas públicas ou pena de prisão (havia noção de autodefesa). A multa só permaneceu em caso de ‘desonra’ com palavras ou ações.
O corpo jurídico Sobornoye Ulozhenie legalizou a servidão na Rússia em 1649 – os camponeses servos foram definidos como propriedade dos latifundiários, que podiam comprar e vendê-los, colocando novamente um preço na vida humana.
Império Russo
Leilão de servos no século 18, de K. Lebedev
Global Look PressNo século 18, o comércio de servos se desenvolveu na Rússia. As compras de camponeses eram registradas em livros especiais, pois todas as transações precisavam ser tributadas. Os preços para os servos variavam conforme sua idade, sexo e habilidades, entre outros fatores.
Durante o reinado de Catarina, a Grande, o preço de um servo adulto na ativa subiu de 30 para 100 rublos (com um rublo dava para comprar um balde de vodca, 16 quilos de pão, ou uma viagem de Moscou a São Petersburgo). Em 1782, um senhorio costumava vender seus servos do seguinte modo: um homem de 28 anos por 40 rublos, uma mulher de 25 anos por 10 rublos, um garoto de 11 anos por 11 rublos. Os preços eram mais baixos se os servos fossem vendidos no atacado – toda a aldeia.
No século 19, os preços dos servos profissionais dispararam. Um sapateiro custava 500 rublos (igual ao salário de um funcionário de alto escalão), um cozinheiro experiente ou um barbeiro valia até 1.000 rublos. Os preços mais altos eram para músicos e atores, que podiam custar uma fortuna – até 5.000 rublos ou mais.
URSS e Rússia contemporânea
Na União Soviética, não havia comércio de escravos ou multas por homicídio.
Já na Rússia contemporânea, é possível avaliar o “preço” da vida humana pelas indenizações que o Estado paga para as famílias de cidadãos mortos em catástrofes, desastres naturais e ataques terroristas.
Hoje em dia, a indenização por morte trágica ou ferimentos de civis com culpa parcial do Estado é geralmente coberta pelo orçamento regional, e o valor varia muito de lugar para lugar. Em um acidente de trem em 2013, cinco crianças ficaram feridas, e a operadora de seguros russa prometeu pagar 300 mil rublos cada (U $ 4.800); paralelamente, três crianças feridas no zoológico de Moscou receberam 500 mil dólares (US$ 8.000). Famílias daqueles que morreram nas enchentes de Krimsk (região de Krasnodar) em 2012 receberam cerca de 2 milhões de rublos (US$ 32.000).
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Desde 2013, o valor do seguro por morte em um acidente de avião, ônibus ou trem foi fixado em 2,25 milhões de rublos (US$ 36.000). Catástrofes em massa, por sua vez, têm grande impacto negativo na sociedade, motivo pelo qual o governo federal tende a aumentar as compensações regionais e de seguro. Mas que nem todas as seguradoras se mostram confiáveis. Há muitas pessoas que não conseguiram receber as indenizações após a morte prematura de parentes e/ou entes queridos.
Em 2018, um incêndio no shopping Zimnyaya Vishnya, em Kemerovo, deixou 64 mortos, incluindo 37 crianças. No total, 450 pessoas, incluindo 84 parentes dos falecidos, foram reconhecidas como vítimas e feridos; para cada um dos falecidos, suas famílias receberam mais de 5 milhões de rublos (US$ 80.000); os feridos e angustiados receberam de 200 mil (US$ 3.200) a 400 mil rublos (US$ 6.400).
Após a catástrofe com o avião SSJ100 no aeroporto de Sheremetiev, no último dia 5 de maio, na qual 41 pessoas morreram em um incêndio, seus parentes receberam 2 milhões (US $ 32.000) da região de Moscou, além de quantias de outras regiões, companhias de seguro e outras partes. Recentemente, as “vaquinhas virtuais” e doações públicas a vítimas de catástrofes também levantaram fundos consideráveis.
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