Sônia, Mão de Ouro: a história da ‘rainha dos ladrões’ da Rússia

História
GUEÓRGUI MANÁEV
Ela viveu mais de um século atrás, mas seu nome ainda é relembrado na Rússia nos dias de hoje – principalmente por ladrões. Sofia Bluvchtein – também conhecida como Sônia, Mão de Ouro – foi provavelmente a criminosa mais profissional, corajosa e resistente do país. Sua vida é uma peça dramática do começo até o final.

Em tempos de notícias on-line e transmissões ao vivo, os criminosos recebem atenção da mídia de imediato. Mas, na Rússia do século 19, apenas um criminoso muito esperto poderia se tornar famoso antes de ser preso. Sophia Bluvchtein, conhecida como Sônia, a Mão de Ouro, ganhou fama como a ‘rainha dos ladrões russos’ – por causa de sua aparência de cair o queixo, do sangue frio e de seu grande talento teatral. Cada um de seus roubos era um espetáculo meticulosamente encenado. 

Acordando cedo para labuta

A rotina de roubos de Sônia era simples e elegante. Ela dava entrada em um hotel caro, vestida com suas melhores roupas, e se comportava como uma nobre cuidando de negócios, de modo que ninguém ousava perguntar aonde estava indo enquanto passeava pelo hotel (isto é, estudando seu layout). Sônia sabia que os hóspedes desses estabelecimentos geralmente passavam as noites festejando e dormiam até o meio-dia. No início da manhã, ela colocava os chinelos macios e saía à procura de vítimas.

Ela procurava por portas abertas ou costumava usar um arrombador de fechadura, entrava nos quartos onde as pessoas dormiam e procurava por dinheiro em jaquetas. Mas e se o hóspede acordasse? Esta era o grande ato de Sônia. Em segundos, ela identificava os hóspedes que ficariam surpresos com a visão de uma bela mulher em seu quarto. Se era um cara idoso, ela apenas corava, murmurava que tinha cometido um erro e saía do quarto - às vezes, já com o dinheiro nos bolsos. Mas se o dono do quarto se interessasse por ela sexualmente, seu comportamento era diferente: ela explicava que entrou na sala por engano, mas seus olhos diziamque ela estava mais do que feliz em estar lá com um cavalheiro tão bonito... Depois de se envolver com o hóspede e deixá-lo dormindo de exaustão, Sônia completava o roubo e ia embora. Se fosse parada pelo porteiro, ela o subornava ou agia em tom de insulto – e fugia.

Aparência como arma principal

Sônia estava longe de ser uma prostituta comum e aprendeu a roubar durante a infância. Nasceu por volta de 1850 em algum lugar na região de Varsóvia, perto da fronteira, onde muitas pessoas se envolviam com contrabando e roubo. Desde a adolescência, adorava vestidos elegantes, mas suas paixões eram ouro e diamantes.

Aos 15 anos, Sônia saiu de casa para se casar com um comerciante, que logo a deixou por causa de sua promiscuidade. Seu segundo marido foi Mikhail Bluvchtein, um trapaceador profissional que sabia como ganhar dinheiro e a apresentou ao roubo e à fraude. Ela logo tornou-se mais experiente que o marido e começou a operar sozinha.

Sônia ganhou a maior parte de sua fama graças à habilidade de escapar dos crimes. Se necessário, ela era capaz de encantar qualquer homem – policiais, investigadores, diretores de penitenciária, ou até condes, príncipes e generais. Ao seduzir alguém, ela parecia genuinamente apaixonada. Muitos arriscaram tudo e perderam a família e o trabalho, apenas por algumas horas com ela – que sempre conseguia fugir da justiça.

A rainha dos ladrões

Sônia se tornou uma lenda viva entre os ladrões russos. Sua capacidade de fugir das garras da lei atraiu muitos ladrões que consideravam uma honra trabalhar ao lado da “mamãe” ou “rainha”, como a chamavam.

Alguns jovens vestidos luxuosamente entram em uma joalheria separadamente. De repente, há muitos clientes, e uma jovem ‘nobre’ pede ao proprietário que lhe mostre os diamantes. Ela os estuda de perto, segurando as pedras nas mãos com unhas compridas e pintadas. Eventualmente, a mulher compra um pingente barato e tenta sair, mas o proprietário percebe que algumas das pedras estão faltando. Ele chama a polícia e eles revistam todos os visitantes, que reagem com grande desdém. Os policiais não encontram nada, e o dono recebe uma bofetada no rosto da nobre dama, que então sai, ofendida. As pedras também saem sob as longas unhas de Sônia, ou mesmo debaixo da língua, onde ninguém ousaria checar. Na mesma noite, todos os “compradores de joias” do dia saem para beber o champanhe mais caro, liderados por Sônia. A “Mão de Ouro”, apelido que recebeu de seus admiradores criminosos, indicava suas habilidades incomparáveis de roubo.

Durante sua carreira, a ladra roubou quase todos os grandes joalheiros da Rússia. Gastou quase todo o dinheiro que roubou, mas também conseguiu enviar suas duas filhas para estudar na França, afinal, nunca quis que elas seguissem seus passos.

‘Isto é o que resta dela agora’

No cemitério de Vagankovskoe, na capital russa, há um túmulo com um grande monumento de uma mulher envolta em tecido. A lápide diz “Bluvchtein”, e a escultura está coberta de inscrições. Os ladrões costumam ir ao túmulo para prestar homenagem e deixar seus desejos e mensagens; às vezes, flores ou uma bijuteria. A lenda do crime vive, mesmo após 150 anos. Mas este não é o túmulo de Sônia.

Sofia Bluvchtein morreu em 1902 na ilha Sacalina e foi enterrada ali mesmo. Por ironia do destino, foi um homem que arruinou a carreira de Sônia. Ela se apaixonou por um batedor de carteiras, Kotchubtchik, que adorava jogar. Ele pegou dinheiro emprestado de Sônia depois de algumas grandes perdas. Logo, começou a viver às custas da ladra, que passou a correr riscos maiores para que pudesse financiar a boa vida do amante. Certa vez, entrou na casa de um homem rico e perguntou aos criados se o patrão estava em casa e, enquanto o porteiro saiu para anunciar sua presença, Sônia pegou tudo o que podia no saguão e fugiu correndo. Isso estava longe do estilo renomado e requintado da criminosa. Além disso, nos anos 1880, sua fotografia foi estampada nas ruas, e as pessoas começaram a reconhecê-la em público.

Ela conseguiu escapar da prisão em Smolensk e fugiu de uma colônia penal no Extremo Oriente. Mas, quando tinha cerca de 40 anos, foi enfim enviada para a ilha Sacalina.

Os fotógrafos clicaram Sônia enquanto ela estava sendo acorrentada, antes de vender cópias aos passageiros de navios que passavam. Por isso, ela continuou sendo uma espécie de celebridade até os últimos anos.

“Eles me torturaram com essas fotografias”, disse na época. “Eu tentei escapar, mas não sou tão forte quanto era.”

Sônia passou o fim da vida sofrendo com a perda das filhas, que a deserdaram após descobrirem seu verdadeiro ofício.

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