As várias Sibérias, segundo (melhor que ninguém) os próprios siberianos

Russia Beyond (Getty Images; Aleksandr Kriazhev, Grigóri Sissoiev/Sputnik)
Pessoas que nasceram na Sibéria ou que viveram ali por muito tempo compartilham suas memórias de infância, falam sobre traços do caráter siberiano e como é viver nessa enorme e fria região russa.

A Sibéria é um conceito tão vasto quanto o território que ocupa. Dizem que é como outro planeta e cada pessoa tem sua própria ideia da Sibéria. “Tem sua própria gravidade, suas próprias leis e seu próprio presidente chamado Natureza. O povo da Sibéria é um povo teimoso. Expansivo – em palavras, ações, sentimentos...”, diz o escritor Serguêi Chargunov, um dos compiladores da coleção de histórias ‘Siberia: Happiness Beyond the Mountains’.

Abaixo estão algumas citações, incluídas nessa coleção, de famosos atores, diretores, apresentadores de TV e escritores russos.

Atriz Aliona Babenko (nascida em Kemerovo)

Até hoje, nunca tive o mesmo prazer com comida de quando era criança na Sibéria no inverno! Um beliach quente (costeleta envolta em massa) comprado em uma barraquinha e chá quente com açúcar – delicioso!!!

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No inverno, eu levantava todos os domingos às oito da manhã e ia esquiar com meu pai. Iríamos de ônibus até o ponto Sosnovi Bor (Floresta de Pinheiros). Era preciso encerar os esquis, dependendo do clima e da densidade da neve. Então esquiava por quilômetros a fio. O mais legal era quando meu pai, que estava na minha frente, parava, ficava esperando por mim, e, quando me aproximava, ele batia no tronco de um pinheiro próximo com seu esqui para que eu ficasse coberta de neve caindo dos galhos e cheia de alegria. Descíamos uma grande montanha de esqui e depois subimos de novo. Cerca de cem vezes, sem parar. Tínhamos conosco uma garrafa térmica e sanduíches e fazíamos um piquenique em alguns tocos de árvores. Chegando em casa, eu colocava minhas leggings de lã cobertas de gelo sobre um aquecedor para secar. E a borsch da mamãe!!! E, à noite, todos víamos patinação artística na TV. O que mais você precisa para ser feliz!?

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Sempre que encontro um estranho, e ele me diz: “Sou da Sibéria”, pronto! Sinto uma afinidade instantânea com aquela pessoa e a distância entre nós desaparece.

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Apresentadora de TV Tatiana Lazareva (nascida em Novosibirsk)

Inverno. Um trenó. Você está deitada de costas. Está escuro – é de manhã ou à noite? Há estrelas sobre sua cabeça, elas não estão se movendo, mas você está. Você está sendo conduzida. Por alguém em quem você confia completamente e que tem total controle sobre você, que a envolveu em muitas camadas quentes: calças de lã grossas por cima das meias, meias de lã, depois as botas de feltro, sempre uma camiseta sob um cardigã quente e um lenço de cabeça de algodão fino sob um chapéu de pele quente. Sobre a gola, você tem um cachecol puxado até o nariz, às vezes cobrindo-o (...) e sempre fica molhado com seu hálito quente. E, claro, você tem um casaco de cordeiro grosso e desajeitado, o rei dos casacos.

Dramaturgo e diretor Ivan Viripaiev (nascido em Irkutsk)

Meus pais tinham uma datcha na taiga, embora perto de uma rodovia. Mas, ainda assim, estava cercada pela taiga. Um dia, um urso veio à nossa cerca. Meu pai pegou um rifle e começou a atirar para o ar. Eu vi o urso fugir. Desapareceu na floresta. E certa vez, quando minha mãe e eu estávamos andando pela floresta com cestos cheios de frutas, dois lobos apareceram no caminho diante de nós. Nós olhávamos para eles e eles olhavam para nós. Mamãe sussurrou: “Não se mexa, filho”, e ficamos imóveis. Os lobos ficaram olhando para nós, depois se viraram e foram embora.

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Eu estava sentado na beira de um penhasco no meio da taiga. Há rochas independentes como essas no meio da taiga. A taiga se estendendo por milhares de quilômetros a meu redor. Eu estava sentado na beira de um penhasco. Olhando para o longe. Descansando porque meus amigos e eu havíamos caminhado muito naquele dia. Eu tinha cerca de 26 anos. Sibéria. Eu amo esta Sibéria. É como uma mãe para mim. Como se uma grande mulher se deitasse com todo o corpo no chão – esta é a Sibéria. A Sibéria é um corpo. É um espaço (...) Eu estava sentado ali naquele penhasco e percebi que onde quer que eu estivesse, onde quer que eu fosse... a Sibéria sempre estaria em mim, porque eu faço parte dela. A Sibéria é um universo.

Escritor Andrei Filimonov (nascido em Barnaul, mas cresceu em Tomsk)

Desde tempos imemoriais, a luta de braço é um passatempo favorito dos habitantes de Tomsk. No século 19, os jornais locais estavam cheios de relatos vívidos de jornalistas exilados (quase não havia outros jornalistas lá até a abertura da universidade em 1888) de como, aos domingos, depois de voltar da igreja, os moradores de ruas vizinhas se enfrentavam. Eles passavam uma ou duas horas batendo uns nos outros e depois se dispersavam, cansados, porém satisfeitos.

As coisas eram praticamente iguais em 1981, quando nos mudamos para um novo apartamento com vista para a cidade velha. A única diferença era que as pessoas não frequentavam mais a igreja antes de começar a lutar.

Escritor Iliá Kotcherguin (nascido em Moscou e trabalhou como guarda florestal em Altai)

É somente no norte dos Urais que você provavelmente pode ficar em uma passagem íngreme e observar a Europa de um lado e a Sibéria do outro. Em outros lugares, não fica claro onde termina a Sibéria e começa o Extremo Oriente. Por que Gorni Altai fica na Sibéria, e Altai da Mongólia não está? O termo Sibiriak (“um siberiano”) pode se aplicar apenas à população não indígena da Sibéria; buriates, tuvanos ou iacutos não podem ser chamados assim e eles mesmos também não se referem a si mesmos como siberianos.

Quando mais novo, passei três ou quatro meses da minha vida em trens entre Moscou e a Sibéria e sempre podia sentir quando entrava ou saía da Sibéria. Quanto tempo passei olhando pela janela do trem? Para mim, um moscovita, a vastidão do lado de fora da janela era fascinante, enorme e escassamente povoada.

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Escritor Roman Sentchin (nascido em Kizil, na República de Tuvá)

A maioria das pessoas nunca ouviu falar de Tuvá ou a única coisa que sabem é que é o local de nascimento do ministro da Defesa russo Serguêi Choigu e que o presidente Putin, certa vez, pegou um peixe grande lá. No entanto, Tuvá é uma região bonita com história complexa.

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Desde que me lembro, Kizil sempre foi um lugar bastante difícil. E não tanto por causa das tensões interétnicas, que sempre estiveram presentes, às vezes escalando, às vezes quase (mas nunca completamente) desaparecendo. Em vez disso, tem a ver com a população russa da cidade, que, até o final da década de 1980, era majoritária em Kizil. As pessoas eram ativas e cheias de energia. Eram filhos e netos dos primeiros colonos, exilados e condenados, ou voluntários que vieram desenvolver a “jovem Tuvá” depois de 1944, bem como criminosos, que cumpriram pena (existiam várias colônias penais de alta segurança em torno de Kizil). Mas não havia um escape real para toda essa energia; em seu lugar, havia uma sensação de estar trancado nesse “buraco negro” e a raiva de decepção entre aqueles que vieram para Tuvá na esperança de construir um mundo especial (mais tarde, me deparei com a mesma decepção entre os moradores de cidades esquecidas ao longo da ferrovia  Baikal-Amur. Essa energia e raiva não gastas eram sobretudo evidentes entre os jovens.

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Geólogo e escritor Evguêni Popov (nascido em Krasnoiarsk)

Os siberianos são uma raça especial de russos e a frase: “A riqueza da Rússia crescerá pela Sibéria” não é de forma alguma um slogan vazio. E não se trata apenas das ricas reservas de gás, petróleo, madeira, todos os elementos da tabela periódica e diamantes ali presentes, mas da misteriosa capacidade do povo local de transformar desvantagens em vantagens.

Certa vez, em meados da década de 1960, fui parar em uma remota vila de Velhos Crentes, perto do rio siberiano Podkamennaia Tunguska, e fiquei bastante surpreso que as casas abastadas de seus cidadãos, supostamente atrasados [tecnologicamente], ​​tivessem eletricidade, que na época nem sempre estava disponível em lugares mais iluminados, por exemplo, muitas aldeias nos arredores de Moscou, onde as pessoas continuavam usando lamparinas de querosene. Eu não podia acreditar no que estava vendo – os eremitas usavam máquinas de lavar e água bombeada do poço por uma bomba elétrica. O mistério tinha uma explicação simples: as autoridades os haviam deixado por conta própria, e eles prosperaram, vendendo peixe, caviar, cogumelos para turistas que cruzavam o Ienissei, e gastaram o lucro não em vodca, mas em negócios.

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Acredito que foi por alguma razão que o meteorito Tunguska, que – de acordo com algumas hipóteses – era na verdade uma nave alienígena em busca de outras criaturas sencientes, pousou na Sibéria.

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