Qualquer pessoa que já tenha estado na Rússia e visitado os arredores de Moscou, São Petersburgo ou qualquer outra grande cidade do país conhece os grandes complexos de apartamentos residenciais que mais lembram formigueiros gigantes.
Ilya Varlamov (CC BY-SA)
Cada complexo pode acomodar milhares de famílias sob o mesmo teto. Mas, considerando que a Rússia é tão grande, não seria uma surpresa que as pessoas optem por viver em apartamentos localizados dentro desses gigantescos complexos? Não, na verdade, não é.
Herança soviética
Para a Rússia, os complexos residenciais de vários andares são uma espécie de herança soviética. Após a Revolução de 1917, a Rússia soviética alcançou alto crescimento industrial, o que, por sua vez, deu origem a uma rápida urbanização.
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A população rural migrou aos montes para as cidades em busca de condições melhores de vida. Muitos estavam dispostos a morar em barracas ou apartamentos comunitários, onde dividiam um único ímovel com outras famílias. Em pouco tempo, milhões de pessoas sofriam com falta de privacidade e condições de vida confortáveis.
Na década de 1950, o governo soviético, então comandado por Nikita Khruschov, enfim resolveu o problema ao lançar, com investimento estatal, o desenvolvimento em massa de edifícios residenciais de vários andares por toda a União Soviética.
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O programa foi muito eficaz, e diversas famílias soviéticas que até então viviam em condições terríveis tornaram-se donas de seus próprios apartamentos privados.
As fases fáceis de construir “khruschóvki” resolveram efetivamente o problema de habitação na URSS. No entanto, a construção universal desses blocos habitacionais gerou novos problemas de moradia. Por um lado, muitas cidades russas, especialmente seus distritos residenciais, tornaram-se demasiadamente cinzentas e monótonas.
Ilya Varlamov (CC BY-SA)
“Nossos compatriotas ficaram felizes quando se mudaram para khruschóvki. Mas então o tempo passou e os khruschóvki se tornaram um lugar comum, e todas as suas deficiências vieram à tona”, diz Marat Galiamov, dono de uma imobiliária com sede em Kazan.
Apesar da dissolução da URSS, a abordagem soviética à habitação continuou na Rússia.
Os ‘formigueiros’
Na Rússia contemporânea, enormes blocos de apartamentos residenciais continuam sendo erguidos por todo o país. Isso pode ser observado sobretudo em Moscou e São Petersburgo, onde a demanda por moradia é mais alta.
A construção em grande escala de complexos de apartamentos de vários andares dá a muitas pessoas a chance de se fixar na capital, onde imóveis independentes em casas de classe alta e localizadas no centro são um luxo inacessível para a maioria.
Ilya Varlamov (CC BY-SA)
Em alguns bairros luxuosos no centro de Moscou, cada metro quadrado em um prédio de quatro ou cinco andares pode custar mais de 200 mil reais. Para a maioria dos compradores, esse valor está fora da realidade, já que as construtoras cobram aproximadamente R$ 14 mil por metro quadrado em grandes blocos residenciais nos arredores de Moscou.
Embora algumas pessoas associem a vida nos chamados "formigueiros" (ou "amontoado de pessoas") à falta de vagas para estacionar, trânsito e acesso ruim ao centro da cidade, muitos preferem economizar dinheiro e se estabelecer nesses locais, sacrificando alguns fatores em favor de maior conforto pessoal.
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“Os prédios de vários andares que acomodam a maioria da população destinam-se apenas à habitação, nada mais. Depois de sair de casa, os moradores de uma área residencial desejam sair do bairro o mais rápido possível - seja para o centro para trabalhar ou para o centro comercial e de lazer mais próximo. Daí o notório pêndulo entre a migração e os engarrafamentos nas cidades”, explicou Vitáli Stadnikov, professor associado da Escola Superior de Estudos Urbanos do HSE, em artigo publicado em 2016.
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Como muitos russos acreditam que pagar aluguel é o mesmo que jogar dinheiro fora, as pessoas ficam felizes em comprar esses apartamentos em grandes complexos, apesar dos problemas associados a morar em tais locais.
“Basicamente, as pessoas compram moradias nos ‘formigueiros’ para se mudarem para a metrópole o mais rápido possível e não acham que ficarão nesses apartamentos por muito tempo. Na verdade, muitos acabam morando lá para sempre”, diz Galiamov.