“Você realmente acredita que esse pedaço de pano na sua cara irá deter o vírus? Para sua informação, nem mesmo uma camisinha pode prevenir alguns vírus, e esta é apenas uma máscara facial. Bananas!”
“Vou dar uma boa surra nos inspetores se eles tentarem me prender. Sob nenhuma circunstância você deve dar ou mostrar sua identidade. Apenas em uma delegacia de polícia. Tente fugir. Cuspa neles primeiro!”
“Deus me livre você ficar doente. Mas, se acontecer, você verá que pesadelo horrível que é. Peguei e quase bati as botas. Não seja um negacionista – coloque luvas!”
Estes foram alguns dos diferentes comentários de moscovitas na sala de bate-papo do canal de notícias Baza no aplicativo de mensagens Telegram em 16 de outubro. A discussão gerou em torno da nova proibição de usar transporte público em Moscou sem máscaras e luvas. Mais de 10 restrições foram introduzidas no total.
Burocracia para balada
Uma das principais restrições afeta bares, boates e outras casas noturnas. Desde a última segunda (19), funcionários e frequentadores só podem entrar nos estabelecimentos entre meia-noite e 6 da manhã após registrar seus números de telefone. No restante da região de Moscou, os locais de entretenimento noturno estão totalmente proibidos de funcionar entre meia-noite e 8 da manhã.
“Ao entrar nos estabelecimentos, os visitantes terão que escanear um código QR ou enviar um SMS para um número especial”, escreveu o prefeito Serguêi Sobiânin, em sua página na rede social VKontakte.
Se algum cliente descobrir mais tarde que foi infectado pelo novo coronavírus, todos os demais presentes na data serão notificados de que precisam fazer teste de covid-19.
No entanto, a maioria dos moradores de Moscou e da região metropolitana reagiu negativamente: “O que vem a seguir? Vigilância por vídeo obrigatória no banheiro?”,
“Em breve teremos nossas impressões digitais coletadas e uma análise de sêmen feita – ‘por precaução’ – para determinar a paternidade mais tarde” e “Por que as casas noturnas ainda estão abertas?” são alguns dos comentários feitos no post do prefeito.
Ano letivo (quase) perdido
A adolescente moscovita Alevtina, 16 anos, está no 11º ano – o último – da escola. Em menos de um ano, ela fará o EGE (exame estatal necessário para se inscrever na universidade). Desde abril passado, segue as aulas pela internet.
Segundo Alevtina, “estudar agora ficou muito mais fácil”. Além disso, o governo de Moscou estendeu as férias escolares entre estações de uma para duas semanas, terminando em 18 de outubro – então, ela teve tempo livre para o trabalho de meio período no McDonald’s. No entanto, ao saber que as turmas do Ensino Médio (do 6º a 11º ano na Rússia) tiveram o ensino à distância estendido até 1º de novembro de 2020, a mãe de Alevtina, Irina, “sentiu vontade de uivar de horror de sua varanda”.
“Minha filha não estuda nada e perambula pelas ruas, e a maioria das crianças está fazendo o mesmo. Muitos alunos de sua classe não aceitam esse formato de ensino. É uma verdadeira violência infantil”, reclama Irina.
Para obrigar as crianças a ficarem em casa, a Prefeitura de Moscou bloqueou os cartões de viagem subsidiados para alunos em idade escolar e universitários até 18 de outubro. Os aposentados com mais de 65 anos utilizam cartões subsidiados semelhantes que lhes dão direito a viagens gratuitas pela cidade, e seus cartões também foram temporariamente suspensos. Na segunda passada (19), os cartões dos alunos do Ensino Fundamental (até o 6º ano) foram enfim desbloqueados, mas os aposentados continuam privados de suas viagens subsidiadas ou gratuitas.
“Minha filha vai para a faculdade na região de Moscou. A faculdade não migrou seus alunos para o ensino a distância, então, ela tem que pagar a tarifa integral, apesar de ter direito a viagens subsidiadas por lei. Quem vai me reembolsar esses custos?”, contesta Galina Itskova, mãe de três filhos que receba cerca de US$ 136 por mês.
Além disso, clubes e grupos esportivos em Moscou também foram ordenados a fechar as portas e passaram a dar aulas on-line. O apartamento de dois quartos de Natalia Chipova, mãe solteira de quatro filhos, tornou-se, assim, um ginásio de artes marciais.
“Dois dos meus filhos estão no Ensino Médio, nos 6º e 7º anos, e ambos praticam caratê. Todos os dias, eles assistem via webcam a quais exercícios devem fazer. Juntamos os sofás e movemos as mesas para o lado. Enquanto trabalho numa mesa próxima, vejo brigas constantes acontecendo na minha frente”, lamenta Chipova.
Segundo ela, os professores também não conseguem explicar o novo material para cada aluno remotamente, e as notas acabam sendo infladas, porque é impossível fazer uma avaliação adequada pelo computador do que os alunos sabem.
“Este é um ano perdido de aprendizado. É difícil não ficar comovida – a situação é simultaneamente causa de desespero e consternação”, acrescenta Chipova.
Multa por descumprimento
Além dos alunos mais velhos, aposentados e pessoas com problemas crônicos de saúde, o governo de Moscou ordenou que 30% de todos os funcionários das empresas da cidade fossem transferidos para home office a partir de 5 de outubro. Um deles é o pesquisador Igor, que trabalha em um centro científico da capital russa.
Cada vez que Igor tenta se sentar para terminar um trabalho, ele se vê distraído pelo barulho da fora e pelo cheiro de gasolina de um soprador de folhas que os zeladores de Moscou usam para dispersar as pilhas de folhas caídas na calçada.
“Se você exige que as pessoas trabalhem em casa, pelo menos dê-lhes condições decentes para estarem em casa”, reclama o pesquisador.
As empresas enfrentam uma multa de até 300 mil rublos (cerca de US$ 3.850) caso não cumpram as regras de trabalho remoto, chegando a um milhão de rublos (quase US$ 12.820) se um membro da equipe ficar doente.
Larissa Martinenko, dona de uma pequena empresa de varejo, não sabe quem enviar para casa – ela tem poucos funcionários, e um deles trabalha como caixa, carregadora e assistente de vendas ao mesmo tempo.
“Como você pode empilhar prateleiras, atender clientes e trabalhar no caixa de casa? Alguém do gabinete do prefeito poderia explicar exatamente como isso pode ser feito? O que as pequenas empresas de comércio varejista devem fazer nessa situação? Vamos ser multados?”, pergunta Larissa na página de Sobiânin do VKontakte.
Desde 12 de outubro, a Prefeitura exige que as empresas declarem os números de telefone, o registro do veículo e o cartão de viagem dos funcionários que trabalham em casa. O não cumprimento desta exigência também acarreta multa – de 30.000 a 50.000 rublos para empreendedores privados (de 385 a 642 dólares americanos) e de 100.000 a 300.000 rublos (aproximadamente 1.283-3.850) para empresas.
O vice-chefe do Departamento de Tecnologia da Informação de Moscou, Dmítri Ivanov, esclareceu que os dados solicitados não são personalizados.
“As informações não estão sendo coletadas para monitorar a movimentação ou localização específica de um funcionário. Os dados são necessários para permitir uma avaliação das mudanças no fluxo geral de passageiros e da eficácia das medidas adotadas pelos empregadores para migrar o pessoal para home office”, disse Ivanov.
No entanto, nem todos os moscovitas confiam na declaração.
“Todos os nossos funcionários são pedreiros, faxineiros e trabalhadores de escritório que não podem trabalhar em casa”, reclama Elena (seu nome foi alterado a pedido), contadora de uma pequena empresa que constrói garagens. “Além disso, o site Mos.ru, por meio do qual devemos fornecer essas listas, não está funcionando, os servidores estão inativos (a interrupção ocorreu em 12 de outubro). Nós estamos pensando em não declarar as listas reais de veículos de funcionários para evitar que sejam rastreados e depois veremos o que acontece”, continua.
Até o momento da publicação desta reportagem, o gabinete do prefeito de Moscou ainda não respondeu ao pedido do Russia Beyond para comentar a reação negativa dos moscovitas às medidas recentemente adotadas.
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