O período soviético gerou traços culturais peculiares nos russos. Pelo menos esta é a teoria aventada pela maior parte dos russos na contemporaneidade.
“O sistema alimenta um modelo de comportamento que estimula a pressão, a astúcia, a arrogância e outras qualidades agressivas para provar que você merece alguma coisa ou qualquer bem de consumo escasso”, escreve em um fórum o internauta russo Andrêi Radostni respondendo a uma pergunta sobre o por que de os russos fugirem uns dos outros quando no exterior.
Os cidadãos russos trabalhando no setor de serviços parecem validar esta opinião.
“Os clientes russos estão sempre atacando. Antes mesmo de se registrarem no hotel, eles têm certeza de que foram enganados, colocados no pior quarto e privados de tudo o que mereciam, e agem como se fossem forçados a pagar o triplo do que as coisas realmente valiam”, afirma a russa Aleksandra Karasik, que trabalha em um hotel no exterior.
Mas as pessoas que trabalham no setor de serviços da Rússia têm sua parcela de culpa. Seja um mecanismo de defesa ou qualquer outra coisa, muitas delas dominam a arte de ser rude.
“Tem uma mulher que fica sentada atrás de um balcão em um banheiro pago na estação de metrô Bielorússkaia, em Moscou. Ela é tão rude com as pessoas, que chega até a gritar com elas. Quem ela pensa que é? ”, diz a moscovita Nina Alekseieva.
Uma pesquisa de opinião pública em 2008 procurou descobrir como os russos veem seus compatriotas e mostrou que a maioria, ou seja, 80% dos entrevistados, acredita que levar um insulto no transporte público é algo comum, assim como em filas ou fazendo compras no mercado.
Apesar de o estudo ter sido realizado há uma década, suas constatações ainda se mostram relevantes.
"Acho que os caixas de bilheteria do metrô de Moscou são os mais grossos de todos os funcionários que trabalham no setor de serviços da capital russa. Eles nunca cumprimentam, nunca sorriem, não agradecem. Além disso, na hora do rush sempre podem gritar com você, empurrá-lo e insultá-lo", diz o moscovita Mikhail Ofitserov.
Grosseria = igualdade?
Pode, porém, haver explicações acadêmicas para este tipo de comportamento. A chefe do departamento de estudos regionais da Universidade Estatal de Moscou, Anna Pavlovskaia, que estuda problemas de comunicação intercultural, acredita que se possa ligar a grosseria no setor de serviços ao passado rural do país, que ainda é recente.
“A ideia de igualdade era muito importante para o camponês russo e muito característica das aldeias. Isto ajudou a formar relações específicas dentro da comunidade. É por isso que agora temos problemas tão sérios com a grosseria no setor de serviços”, disse Pavlovskaia.
“Nó, russos, não gostamos de servir. Isto é considerado humilhante e indigno, como se alguém no setor dos serviços – levando a comida em um restaurante, servindo em um hotel, vendendo em uma loja e limpando – estivesse em um tipo de segunda classe da humanidade e o cliente estivesse na primeira. Daí o desejo dos russos de defender sua independência, mostrar não ser inferior, não ser nenhum tipo de servo”, diz a pesquisadora.
Este desejo, muitas vezes, revela-se em um articulado desprezo e, ocasionalmente, na forma de insultos abertos destinados a clientes desavisados.
Grosseria nacional
Em sua coluna para a BBC, o escocês Neil Martin, que viveu em São Petersburgo, desbancou o estereótipo sobre a grosseria russa, justificando-a por diferenças culturais.
"Responder ‘não’ ou ‘não, eu não quero’ quando alguém te oferece uma xícara de café é um insulto. Na cultura inglesa, é pior que um tapa na cara. Em russo, pelo que eu saiba, omitir o ‘obrigado’ é mais aceitável, ou, pelo menos, não é rude", escreveu Martin.
A tendência russa de ser objetivo confunde os estrangeiros, que lutam para aceitar uma cultura que tolera e até mesmo incentiva um comportamento descaradamente direto.
Os russos consideram aceitável perguntar casualmente a uma pessoa que mal conhecem quanto ela ganha e quanto paga pelo aluguel.
“É um apartamento de dois ou três quartos, a propósito?” é outra questão que surpreende muitos estrangeiros.
“O que mais me impressiona é que os russos não têm vergonha de dizer a verdade, mesmo que ela seja insultante e inútil, enquanto para nós, franceses, isto é considerado algo rude”, diz o francês Erwann Pensec.
A objetividade russa pode magoar estrangeiros, mas eles devem ter em mente que, na maioria dos casos, os russos diretos não têm esta intenção.
Assim, mesmo que lhe coloquem uma pergunta inadequada, lembre-se do que disse certa vez um irlandês vivendo em Moscou: “Os russos aceitam melhor o mau humor. Você está autorizado a ficar mal-humorado em público ali e eu aprendi a não levar para o lado pessoal se alguém for rude comigo. Eles não estão acostumados a fingir que estão de bom humor”.
E por que é que os russos bebem tanto, hein? Descubra aqui!