A vida no limiar da pátria: como vivem os russos nas fronteiras

Estilo de vida
EKATERINA SINELCHIKOVA
A poucos quilômetros de lugares tão distintos como Finlândia, China e Cazaquistão, russos das fronteiras têm cotidiano peculiar.

Viver nas cidades e aldeias nas fronteiras russas é uma experiência única. Em alguns desses lugares, por exemplo, as importações são baratérrimas, apesar de o mercado local ser protegido com cotas. Mas nem só de comércio vivem as fronteiras. O Russia Beyond mostra como é viver nestes locais.

Cidade: Svetogorsk

Fronteira: Finlândia

População: 16.000

A cidade russa de Svetogorsk, 900 quilômetros a noroeste de Moscou, fica a apenas um quilômetro da fronteira finlandesa. Até 1948, a cidade, chamada originalmente de Enso, pertencia, na realidade, aos finlandeses.

De qualquer maneira, sua produção-chave sempre esteve na indústria do papel. O entra e sai de caminhões de madeira ali é infinito.

Apesar da proximidade de Svetogorsk com a Finlândia, é surpreendente como pouco mudou desde os tempos soviéticos: blocos de apartamentos de concreto pré-fabricados, quatro supermercados e a fábrica de papel pertencente à companhia norte-americana International Paper. A vida da cidade gira em torno da fábrica.

Talvez seja por isso que os norte-americanos sejam acusados pela falta de mudanças, e não as autoridades locais: o que os moradores querem ver ali é, principalmente, o desenvolvimento urbano. A cidade abriga inúmeras estátuas descuidadas de Lênin, mas não há ali nenhum cinema ou maternidade (as grávidas precisam viajar a Viborg, a 55 quilômetros dali, para parir).

Um serviço de ônibus regular liga Svetogorsk à cidade finlandesa de Imatra, e um fluxo constante de turistas faz a rota. Tanto finlandeses como russos precisam de vistos para atravessar a fronteira.

Os finlandeses vêm à Rússia em busca de gasolina barata, remédios e bebidas alcoólicas. “Mas não para por aí! Eles cortam o cabelo aqui. Na terra deles, isso é caro. Alguns vêm até para usar nossos massagistas”, diz a ativista social local Irina Berdnikova.

Já os russos, viajam à Finlândia principalmente para compras, assim como para estocar comida visitar um parque aquático nas redondezas.

Antes da guerra de sanções entre a Rússia e a União Europeia e a queda do rublo, os russos compravam chalé em Imatra, segundo a repórter Katri Ikavalko, e mantinham a circulação dos supermercados locais.

Recentemente, porém, algumas lojas na finlandesas na fronteira com a Rússia tiveram que baixar as portas, o que ocorreu até mesmo com supermercados, como o Lapland e o Scandinavia.

Irina descreve Svetogorsk como uma “cidade de recém-chegados”. Muitas famílias se mudaram para lá para trabalhar na fábrica e receber moradia por isso.

“Eles diziam que era temporário, que receberiam os apartamentos e os venderiam em seguidas, mas acabaram ficando”, explica a repórter.

Cidade: Blagoveschensk

Fronteira: China

População: 216.500

O Altai, a Sibéria e o Extremo Oriente russo fazem fronteira com a China. Todos os dias, mais de mil turistas viajam da cidade russa de Bladoveschensk (7,9 mil quilômetros a leste de Moscou) à chinesa Heihe. Uma zona livre de visto funciona entre as duas cidades.

Elas ficam a apenas 800 metros de distância.No verão, o principal meio de transporte é pelo rio, enquanto no inverno uma ponte flutuante é levantada. Uma ponte rodoviária permanente está sendo construída para atravessar o Amur, e deve ser concluída em 2019.

Os moradores de Blagoveschensk sonham com a ponte permanente há mais de duas décadas, e a falta desta estrutura é um obstáculo para o desenvolvimento econômico da cidade.

Antes da queda do rublo, em 2014, Blagoveschensk abrigava um comércio próspero que beneficiava também Heihe. Isso permitiu que a aldeia se transformasse em cidade próspera. O interesse dos russos em Heihe está especialmente na compra de casacos de pele.

Os chineses médios vão a Blagoveschensk para trabalhar no ramo da construção e estudar. E para negociar, claro.

Quase todo novo microdistrito de Blagoveschensk é construído com mão de obra chinesa, mesmo que os investidores sejam russos, de acordo com o chefe do serviço legal da companhia de construção chinesa “Great Wall”, Konstantín Titóv. Foram introduzidas cotas ali para proteger o mercado local.

A cidade russa também come comida chinesa e veste roupas chinesas desde tempo imemoriais. E, enquanto a Rússia central discute sanções e proibições, ali esta conversa não existe.

“É um paradoxo para a geração nascida entre 1985 e 1995. Minha filha, por exemplo, foi a lugares como as Filipinas, a China e a Tailândia, mas nunca foi a Moscou ou São Petersburgo. E tudo isso porque os voos para a Rússia europeia são o triplo do preço”, diz Titóv.

Muitos tentam encontrar trabalho na China, mesmo sem saber a língua. Eles funcionam como intermediários nas maiores plataformas on-line chinesas, como a Taobao e a Alibaba.

“Alguém na Rússia precisa de determinado produto, o intermediário encontra on-line, compra, transporta através da fronteira e entrega ao comprador”, lê-se em reportagem no site Amur.info.

Cidade: Oremburgo

Fronteira: Cazaquistão

População: 555.400

A apenas uma hora de carro de Oremburgo (cidade localizada 1.450 quilômetros a sul de Moscou) está a fronteira russo-cazaque. Este é um dos principais “corredores” entre os dois países, além de porta de entrada entre a Europa e a Ásia, por onde passam pesados caminhões em ambas as direções.

No coração da cidade, modernos arranha-céus se apertam contra casas traducionais de madeira, razão pela qual a cidade é apelidada de “aldeia em expansão”. Não há ali a agitação diária, monstruosos engarrafamentos ou salários inacreditáveis.

O principal arranha-céu da cidade pertence à maior companhia energética da Rússia, a Gazprom, que produz gás ali desde a virada do milênio.

A maior reclamação dos habitantes, porém, é o clima. “Venta o ano todo. Oremburgo fica a um raio de cem quilômetros de estepes por todos os lados”, diz o morador Leoníd.

Enquanto isso, as criações de animais têm pouca cautela quanto ao conceito de propriedade: os animais vagam através das fronteiras à própria sorte, e a tarefa de pegar os “imigrantes” recai sobre a polícia local, que percorre a estepe buscando o gado teimoso. Seus colegas cazaques realizam um trabalho similar.

A fronteira russo-cazaque, de quase 6.000 quilômetros, é a segunda maior do mundo, atrás apenas da EUA-Canadá.

Não há arame farpado ou faixa de demarcação, porém. apenas alguns postes de fronteira foram instalados aqui e ali e, com menor frequência ainda, torres de radar. No início da década de 2000, podia-se pegar qualquer estrada de estepe para o Cazaquistão ou para fora dele sem qualquer alfândega, diz a moradora local Tatiana. Após a queda da URSS, a região virou canal de suprimento de heroína, ópio e haxixe para a Rússia central.

Atualmente, a fronteira é bem menos transparente: os funcionários ficam de olho em islamistas radicais provenientes da Ásia Central e traficantes de drogas. Um procedimento simplificado existe para residentes de cidades de fronteira que queiram atravessar para o outro lado.

Para todos os outros residentes dos dois países, o cruzamento da fronteira é feito ou por meio de automóveis que passam pela alfândega ou por trem, sob um acordo de isenção de vistos (que, aliás, também existe para muitos países europeus, Estados Unidos, Austrália, Canadá, Japão etc.).

Há quem diga que a cidade é deprimente. Outros discordam, dizendo que estar na fronteira significa oportunidades reais de se fazer dinheiro.

Mais que isso, desde o início da Perestroika, o ensino superior tem sido uma tendência em desenvolvimento. A Universidade Estatal de Oremburgo, por exemplo, é uma das maiores da Rússia.

Quer saber mais sobre como os russos se comunicam nas fronteiras? Então leia "Os filhos do russo".