Os filhos do russo

Entre línguas ainda faladas ou extintas, foram muitas as misturas de russo com idiomas de países vizinhos

Entre línguas ainda faladas ou extintas, foram muitas as misturas de russo com idiomas de países vizinhos

Varvara Grankova
A maior interação entre pessoas de diferentes idiomas e culturas tende a gerar línguas híbridas. São muitos os latino-americanos, por exemplo, que falam Spanglish (inglês misturado ao espanhol), ou brasileiros que se arriscam no portunhol. Conheça agora algumas das vertentes surgidas a partir da mistura do russo com outros idiomas.

Muitos jovens de hoje sabem da existência de linguagens híbridas, como, por exemplo, o inglês afro-americano, graças à cultura popular.

“Pensemos nos negros da África, que foram traficados para os EUA [ou América em geral]. Eles foram gradualmente aprendendo um idioma misturado ao seu nativo. É assim que nasce uma língua pidgin – precisamente, língua de contato, ou dos mercantes”, explica o professor Aleksandr Volkov, da Universidade Estatal de Moscou Lomonossov.

Via de regra, essa mistura pode parecer engraçada para um falante nativo de determinado idioma padrão. O russo também tem suas versões inusitados, como, por exemplo, idiomas híbridos com chineses, ucranianos, bielorrussos e até noruegueses.

Kiakhta: russo + chinês

Kiakhta é uma língua de contato baseada em russos e chineses que viviam nas regiões de Amur, Manchúria e Transbaikal, na fronteira com a China, na virada do século 19 para o 20. O nome deriva da cidade russa de Kiakhta, na República da Buriátia.

Atualmente, os linguistas classificam kiakhta como um idioma “possivelmente extinto”, já que deixou de ser amplamente usado na primeira metade do século 20. Mas, mesmo na década de 1990, era possível encontrar comerciantes chineses idosos em mercados perto de Ulan Bator que se comunicavam nessa língua. Na China, o kiakhta foi ensinado a oficiais que negociavam com a Rússia.

Surjik: russo + ucraniano

O nome surjik provém do pão feito com farinha obtida a partir de cereais mistos. O status desse idioma é de difícil definição: uma mistura de russo e ucraniano que é diferente tanto do ucraniano puro como do russo ucraniano coloquial.

Mas o surjik não pode ser descrito como uma língua pidgin, pois se trata do contato harmonioso entre idiomas intimamente relacionados. A maioria dos vocábulos surjik vêm do russo, e grande parte da gramática e da pronunciação advém do ucraniano.

O idioma apareceu entre moradores rurais, e sua forma escrita foi registrada pelo primeiro autor que escreveu em ucraniano coloquial, Ivan Kotliarevski, em sua obra clássica da literatura ucraniana “Natalka Poltavka” (1819).

Hoje em dia, o surjik é comum na Ucrânia, especialmente em áreas adjacentes à Rússia e à Moldávia. De acordo com o Instituto Internacional de Sociologia de Kiev, em 2003, entre 11% e 18% da população do país se comunicavam em tal idioma.

Trasianka: russo + bielorrusso

Assim como surjik, o nome trasianka reflete a essência dessa língua híbrida – neste caso, uma mistura de russo e bielorrusso. 

Traduzida do bielorrusso, a palavra trasianka significa, literalmente, “feno de baixa qualidade” – que se obtém quando camponeses misturam a palha com o feno. E também como o surjik, a trasianka não pode ser descrita como uma língua pidgin.

Hoje em dia, os linguistas classificam-na como uma forma caótica e espontânea de misturar idiomas. Porém, no vocabulário e na morfossintaxe da trasianka, os elementos e características russas predominam.

A trasianka tem origem nas transformações ocorridas na Bielorrússia soviética após a Segunda Guerra Mundial (em algumas áreas, antes mesmo da Guerra). A industrialização da República Socialista Soviética da Bielorrússia (RSSB) levou a uma migração maciça de trabalhadores das aldeias para os centros urbanos.

Paralelamente, os russos étnicos de outras partes da URSS migraram para o a RSSB, onde ocupavam altos cargos no Partido Comunista e em empresas industriais. Os antigos aldeões, falantes nativos da língua bielorrussa, foram forçados a se adaptar ao ambiente de língua russa – algo em que eles nem sempre tiveram sucesso.

De acordo com dados de 2009, 16,1% da população bielorrussa fala trasianka, sendo comum entre os bielorrussos de diferentes idades e níveis educacionais.

Russenorsk: russo + norueguês

O russenorsk, que existiu com vigor do século 18 ao 20, era uma língua pidgin – e até hoje é falado na ilha de Spitsbergen (no arquipélago de Svalbard).

Esse idioma surgiu para ajudar comerciantes russos e noruegueses a se comunicar quando trocavam grãos e peixes na costa norte da Noruega.

O russenorsk possuía cerca de 400 termos, e demonstrava a igualdade de russos e noruegueses como parceiros comerciais. Isso porque, na maioria dos idiomas híbridos, uma das línguas tem papel dominante, mas, no caso do russenorsk, o número de vocábulos russos e noruegueses era quase  o mesmo.

Foi necessário muito tempo para que o idioma se desenvolvesse na forma que sobrevive hoje, e exemplos de algumas palavras remontam ao final do século 18.

No entanto, à medida que o comércio crescia, os mercantes começaram a aprender russo. Em meados do século 19, o russenorsk era considerado um “russo ruim”, em vez de uma língua nova ou independente. Após a Revolução de 1917, o idioma praticamente sumiu com o fim da livre circulação entre os dois países.

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