Cena do filme “Batalhões pedem fogo”, baseado na obra de Iúri Bôndarev
Vladímir Tchebotariov, Aleksandr Bogoliúbov/Mosfilm, 1985A literatura russa tem uma rica tradição de prosa militar, mesmo porque muitos escritores cumpriram o serviço militar desde o início do século 19. Além disso, uma das obras mais antigas da literatura russa, “O Conto da Campanha de Ígor”, fala sobre a campanha malsucedida do Exército russo contra os polovtsianos, povo nômade turcomano, no final do século 12.
A obra “Contos de Sebastopol”, de Lev Tolstói, é considerada uma das mais importantes na evolução da literatura militar russa. O famoso escritor, que serviu no exército, descreveu os acontecimentos da defesa da cidade de Sevastopol (também grafada como Sebastopol em português), na Crimeia, em 1855, testemunhados por ele. Tolstói é considerado o primeiro correspondente de guerra russo e o fundador da “prosa de tenente”, ou seja, obras literárias escritas por militares que testemunharam acontecimentos sangrentos. Na época, Tolstói descreveu sem embelezamento as operações militares, os acontecimentos na frente, a cidade após a guerra e os sofrimentos dos feridos. A principal mensagem do livro é a falta de sentido da guerra.
Tolstói em uniforme usado na Guerra da Crimeia, 1856.
Domínio públicoOs críticos literários acreditam que, sem essa experiência pessoal, Tolstói não teria sido capaz de descrever com tanta maestria as cenas militares na sua obra mais famosa, “Guerra e Paz”.
Outro escritor considerado um dos melhores autores militares russos é Leonid Andreev, que escreveu a história modernista “Riso Vermelho" sobre os horrores da Guerra Russo-Japonesa.
O conceito da “prosa de tenente” surgiu após a Segunda Guerra Mundial. A guerra afetou todas as famílias soviéticas, e a maioria dos soldados e oficiais que participaram dela eram alfabetizados. Quase todos escreviam cartas aos seus familiares e deixaram muitas fontes escritas sobre a guerra verdadeira.
Após a vitória, muitos escreveram suas memórias, desde o marechal Jukov e escritores famosos como Konstantin Símonov até oficiais e soldados simples. Às vezes, essas obras mais simples e sem recursos estilísticos traziam aos leitores emoções ainda mais fortes do que relatos de escritores profissionais.
Em contraste com a descrição colorida e censurada da guerra pela propaganda, que retratava apenas o triunfo da nação vitoriosa, tenentes e soldados escreveram sobre os momentos difíceis nas trincheiras e alegrias encontradas durante o conflito sangrento.
“Escrevemos sobre os homens que acabaram nas condições mais desumanas. Procuramos nessas condições as forças para se superar e, nos dias mais difíceis, para ver o bem e o futuro”, escreveu Iúri Bôndarev, um dos mais famosos escritores da “prosa de tenente”.
Iúri Bôndarev
Lev Ivanov/Sputnik“Nas Trincheiras de Stalingrado”, de Víktor Nekrasov, foi o primeiro livro do gênero publicado imediatamente após a guerra. A obra logo se tornou muito popular entre os soviéticos. Foi depois desse trabalho que as pessoas começaram a falar sobre “prosa de tenente”, que apresenta a “verdade das trincheiras”. Os críticos elogiaram a obra pela descrição realista dos acontecimentos. Primeiro, o livro foi publicado na revista “Známia” e depois lido pessoalmente por Stálin; na sequência, recebeu o Prêmio Stálin.
Víktor Nekrasov em 1945.
Domínio públicoNo entanto, muito em breve, o governo começou a temer que o número crescente de obras literárias sobre a “verdade das trincheiras” pudesse ter um efeito prejudicial na glorificação dos soldados da linha da frente e afetar a percepção do papel do governo da URSS e de Stálin na guerra e na vitória. Assim, o governo proibiu a “prosa de tenente”: obras já publicadas foram colocadas em um armazém estatal, novos livros não foram mais publicados.
Cena de “Soldados”, adaptação cinematográfica de “Nas Trincheiras de Stalingrado”, de Víktor Nekrasov.
Aleksandr Ivanov/Lenfilm, 1956Depois da morte de Stálin, durante o governo de Khruschov, tornou-se novamente possível publicar novas obras sobre a verdade da Segunda Guerra Mundial — embora ainda com exceções, como, por exemplo, a novela “Vida e Destino”, de Vassíli Grossman, que foi proibida.
Nesse período, apareceram na URSS outros astros da “prosa de tenente”. Vassil Bikov escreveu mais de uma dúzia de histórias, incluindo “O Terceiro Foguete”, “Até o Amanhecer” e “Obelisco”, muitas das quais se tornaram filmes exibidos nos cinemas soviéticos. Konstantin Vorobiov, por vezes chamado de “Hemingway russo”, participou da batalha perto da capital soviética e descreveu sua história no livro “Mortos perto de Moscou”. Além disso, Vorobiov foi capturado pelos alemães e escreveu a história “Somos nós, Senhor!” sobre o cativeiro nazista.
Vassil Bikov em sua casa em Minsk.
Evguêni Koktich/SputnikIúri Bôndarev, famoso pelos livros e filmes “Batalhões pedem fogo”, “Últimas Salvas” e “Neve Quente”, passou por toda a guerra. Após a vitória se formou pelo Instituto Literário e escreveu roteiros para filmes sobre a guerra.
Cena da adaptação cinematográfica do romance “Na Guerra como na Guerra”, de Víktor Kúrotchkin.
Viktor Tregubovitch/Lenfilm, 1968Víktor Kúrotchkin sobreviveu ao Cerco a Leningrado e, mais tarde, serviu no exército como tanquista. Ele descreveu o seu serviço militar no livro “Na Guerra como na Guerra”. O filme de mesmo nome tornou Kúrotchkin um astro em toda a União Soviética.
*A maioria dos livros listados acima não foram publicados em português, portanto, os títulos aqui apresentados são traduções literais dos originais em russo.
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