Retrato de Fiódor Dostoiévski, por Vassíli Perov, 1872.
Domínio públicoAntes de tudo, eles pareciam preocupados com o clima. Fiódor Dostoiévski, autor de “Crime e Castigo”, escreveu ao irmão enquanto estava na Fortaleza de São Pedro e São Paulo (ele passou oito meses lá como membro do círculo dos petrachevistas): “Agora os difíceis meses de outono estão se aproximando e com eles minha hipocondria. Agora, o céu já está franzindo a testa e o pedaço brilhante de céu visível é uma garantia da minha saúde e bom humor. Mas, ainda assim, por enquanto, ainda estou vivo e bem. E isso é um fato para mim. Então, por favor, não pense nada particularmente ruim em relação a mim. Por enquanto, está tudo bem de saúde. Esperava muito pior e agora vejo que tenho tanta vitalidade armazenada em mim que não se pode esgotá-la.”
Anton Tchékhov resolvia o problema do clima de forma simples — ele viajava para o exterior, por exemplo, para Nice. “Está quente aqui; mesmo à noite, nem parece outono. O mar estava suave, comovente. O Promenade des Anglais está todo coberto de vegetação e brilha ao sol; de manhã, sento-me na sombra e leio o jornal. Ando muito”, escreveu ele ao editor Aleksêi Suvorin.
Aleksandr Púchkin em um parque
Valentin Serov“Que tipo de clima temos! Estou caminhando e cavalgando há três dias. Vou desperdiçar o meu outono assim e, se Deus não nos enviar uma geada decente, voltarei para ti sem ter feito nada”, escreveu Aleksandr Púchkin para sua esposa a partir da propriedade Mikhailovskoe.
Já Ivan Búnin, fez observações enquanto o verde brilhante do verão se transformava nas cores douradas do outono: “Um vento bastante forte e frio. O jardim sibila e ferve. Quase todo o céu está envolto em uma névoa de ardósia, uma nebulosidade. Fica mais claro onde o sol está. Picos ainda mais amarelos, avermelhados e vermelho-alaranjados. Havia nuvens e vento. A noite estava incrivelmente clara, a lua estava excepcionalmente clara, nenhuma nuvem no céu, tanto que o vento forte saindo rasgando tudo”.
Bulgákov
Domínio públicoEnquanto isso, Mikhail Bulgákov reclamava dos vizinhos: “Hoje, eles encheram [os radiadores com água quente] pela primeira vez. Passei a noite toda selando as janelas [para evitar que o calor escapasse]. O primeiro aquecimento foi marcado pelo fato de que a famigerada Annchka deixou a janela da cozinha aberta durante a noite! Eu positivamente não sei o que fazer com a idiota que habita este apartamento."
Tchékhov em Melikhovo com sua dachshund Khina (1897)
Domínio públicoQuando as contas estavam apertadas, Tchékhov ia para a Crimeia em vez da França. Verdade seja dita, o outono era mais fresco em Nice. “O outono está começando em Ialta. Choveu de manhã e, agora, à noite, sopra um vento forte, do qual não se pode esconder. Por favor, compre para mim (de Miur, talvez) um casaco mais macio e mais caro e envie-o. Além disso, leve meu colete quente de plush e entregue ao alfaiate para que ele possa escová-lo e consertá-lo em geral, e depois envie-o para mim em um pacote. Aqui, com esses fogões ruins, não se pode viver sem um colete; a gente treme como um filho da p***”, reclamou o escritor para sua irmã Maria Pavlovna.
Dostoiévski também não ficava feliz com o outono úmido de Petersburgo: “Os invernos em Petersburgo são frios e os outonos são muito úmidos e prejudiciais à saúde. Daí é óbvio que não se pode ficar sem um casaco, caso contrário, você poderá esticar as pernas. Claro, há um provérbio basatante nobre para isso — ‘a estrada leva para lá’! Mas esse provérbio é usado apenas em casos extremos e eu não cheguei ao extremo”.
Búnin, no entanto, não se intimidava pelo frio do outono. “São seis horas da tarde. Eu estou saindo agora mesmo. Que maravilha. Meu casaco de outono veste perfeitamente. Um friozinho agradável corre pelos meus braços. Que felicidade respirar esse vento doce e fresco que sopra constantemente do sul há dias, caminhar sobre o solo seco, olhar para o jardim, para a árvore que ainda tem uma folhagem amarronzada, corando ou pelo amanhecer (embora o amanhecer seja praticamente incolor), ou por sua própria cor.”
“Meu Deus, como o outono é lindo... Não quando está sujo e molhado, mas quando o céu está totalmente transparente e calmo... Há algo sobre um belo dia de outono que me lembra Luís XIV na velhice... Vocês vão rir da minha comparação. Bem, melhor assim!”, exclamou Ivan Turguêniev, autor de ‘Ninho de fidalgos’ (também traduzido como ‘Ninho de nobres’).
Apesar das queixas sobre a umidade, Tchékhov chegou a confessar seu amor por esta época do ano: “Tem cheiro de outono. E eu amo o outono russo. Algo incomumente triste, acolhedor e bonito. Eu simplesmente voaria para algum lugar com as cegonhas. Quando criança, pegava pássaros canoros no outono e os vendia no mercado. Que prazer era! É melhor do que vender livros.”
Tolstói
Domínio públicoTolstói encontrou motivos para reflexão filosófica até mesmo nas mudanças de estação. “Fui dar uma volta. Uma maravilhosa manhã de outono, tranquila, quente, verde, o cheiro das folhas. E as pessoas, em vez dessa natureza maravilhosa, com campos, florestas, água, pássaros, animais, arranjam para si mesmas nas cidades outra natureza artificial, com chaminés de fábricas, palácios, máquinas a vapor, fonógrafos… Terrível e não há como consertar…”
Escritor soviético Konstantin Paustovski
Soloviov/SputnikKonstantin Paustovski também admirava a beleza da natureza no outono. “Tudo fica amarelo — o jardim Pojalostipski, os salgueiros, a grama, as algas e até os olhos dos gatos larápios exalam um amarelo especial de outono. O outono entrou em Solotcha e, ao que parece, firmemente. Tudo está coberto por teias de aranha e sol. Há uma calmaria, como não havia nem no verão (…). Decidi ir para o lago Negro assim que minha perna sarar. Escrevo, leio e me entrego a pensamentos por vezes tristes, por vezes felizes, dependendo dos ventos. As noites já são longas e densamente salpicadas de estrelas — é uma pena que você não veja o outono aqui, talvez seja a melhor época. ‘E a cada outono, floresço novamente’.”
Búnin
Domínio públicoPara alguns, a época mais romântica do ano era a primavera, mas também havia quem acreditasse que o outono desperta a verdadeira paixão no coração. “Mesmo no outono, eu parecia estar esperando por algo, o sangue vagava em mim e meu coração doía tão docemente e até, às vezes, eu chorava, sem saber por quê; mas mesmo em meio às lágrimas e à tristeza, inspirado pela beleza da natureza ou da poesia, um sentimento alegre e brilhante de juventude fervia em mim, como grama que nasce na primavera. Certamente irei me apaixonar, pensei”, escreveu Búnin.
Retrato de Ivan Turguêniev, por Iliá Repin
Iliá Rêpin/Galeria TretiakovTurguêniev também saudava o outono em antecipação a sentimentos românticos. “Escrevi a Skatchkov que havia um cheiro de pólvora no ar. Isso é um absurdo, é um gracejo político infeliz; para mim, há um cheiro de amor no ar. É um momento muito, muito fatídico para mim; sou tão excêntrico: para outros, é primavera, mas, para mim, é a tristeza silenciosa da natureza, este céu azul-claro, uma camada de folhas amarelas pelos becos longos, galhos nus e marrom-escuros, todo o encanto do outono cai irresistivelmente sobre minha alma e eu amoleço, pronto para me apaixonar.”
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