Em diferentes anos, a história dos acontecimentos dos primeiros anos do governo soviético foi contada de forma diversa – dependendo do ambiente histórico então corrente:
O primeiro ator a interpretar Lênin foi Vassíli Nikandrov – um operário metalúrgico aposentado e ator amador, que surpreendeu seus contemporâneos com sua semelhança perfeita com o líder soviético. No entanto, Nikandrov era maior e, por meio dos esforços de Eisenstein, apareceu na tela como uma figura monumental, deixando os espectadores boquiabertos. Durante a sua primeira aparição, Lênin pula sobre um carro blindado com uma faixa nas mãos, inspirando a multidão com seus discursos revolucionários sob o brilho dos holofotes. Este é um filme mudo – não ouvimos vozes, mas vemos seus característicos gestos de forma energética. O vento sopra seu casaco para trás como uma capa de super-herói.
Nadejda Krúpskaia, a viúva de Lênin, gostou demais da performance de Nikandrov; mas o mesmo não pode-se dizer sobre Vladímir Maiakóvski: “É repulsivo ver como um homem faz poses semelhantes a Lênin e movimentos semelhantes — e, por trás dessa semelhança, surge um vazio completo, uma ausência completa de pensamento”. Além de ‘Outubro’, Nikandrov também estrelou como Lênin no filme ‘Moscou em Outubro’ (1927), de Boris Barnet, e na peça ‘1917’, encenada pelo Teatro Maly.
Quando Eisenstein filmou ‘Outubro’, ele já era uma lenda viva — graças ao sucesso internacional de seu ‘Encouraçado Potemkin’ (1925). O novo longa foi concebido como um filme oficial para o 10º aniversário da Revolução, por isso o diretor recebeu condições sem precedentes: tudo foi filmado não em estúdios, porém nos locais onde os eventos reais aconteceram. Eisenstein teve até autorização para trazer figurantes armados para o Palácio de Inverno, onde, em outubro de 1917, residia o Governo Provisório (derrubado pelos soldados do Exército Vermelho). Os historiadores estão convencidos de que Eisenstein nem tentou reconstruir a Revolução de Outubro — ele estava conscientemente criando um mito e é por isso que aumentou radicalmente a escala dos eventos e o número de participantes envolvidos.
Neste filme, Lênin enfim fala. O ator Boris Schukin criou uma imagem canônica do líder dos bolcheviques – um homem do povo. Um homem com olhar astuto, até mesmo sarcástico, cujo charme é impossível de resistir.
A Revolução de Outubro foi mais uma vez colocada sob os holofotes neste filme. Este é um dos momentos mais tensos na biografia de Lênin e seus parceiros; no entanto, não se vê estresse nem preocupação – neste longa, os eventos lembram mais um jogo. Dois anos depois, Schukin retornaria ao papel de Lênin na sequência ‘Lênin em 1918’ (1939).
‘Lênin em Outubro’ foi filmado para o 20º aniversário da Revolução – durante o período do culto à personalidade de Stálin e em meio às repressões, portanto, o preço de um erro criativo seria extremamente alto. No entanto, o jovem diretor Mikhail Romm, ao que parece, conseguiu agradar a todos; mais tarde, dirigiria um dos principais filmes da era do chamado degelo: ‘Nove Dias em Um Ano’ (1962), e daria origem a várias gerações de diretores (Andrei Tarkóvski, Serguêi Soloviov, entre outros). Ele também agradou Stálin, que foi retratado como um camarada próximo de Lênin e um participante ativo dos eventos em outubro. Sob Khruschov, quando o culto à personalidade foi esvaziado, Stálin foi totalmente cortado do filme.
Junto com Romm, Serguêi Iutkevitch é um dos principais criadores da ‘Leniniana’ soviética. No total, dirigiu seis filmes sobre o líder do proletariado. Aluno de Meyerhold e amigo de Eisenstein, Iutkevitch sobreviveria a quase todos os seus colegas da geração de artistas de vanguarda dos anos 1920 (ele morreu em 1985); e até o fim da vida, continuou sendo um experimentador formalista. Por exemplo, ‘Lênin na Polônia’ foi filmado sob a aparente influência da prosa de Marcel Proust e James Joyce e de filmes de arte ocidentais.
A ação se passa em 1914, quando o líder dos bolcheviques estava em exílio nas terras polonesas da Áustria-Hungria. Lá, é detido pela polícia local sob suspeita de espionagem para o Império Russo (!). Trancado em uma cela, sem jornais, livros ou mesmo conversas, Lênin mergulha em seus pensamentos – o diretor tentou capturar esse “fluxo de consciência”. Durante todo o filme, ouvimos apenas a narração do protagonista, expressando os pensamentos que vagueiam livremente e comentando os eventos de sua biografia.
Maksim Chtraukh, que estrelou como Lênin, é mais um representante da intelligentsia do que o “homem do povo” de Schukin; ele está constantemente em dúvida, é autorreflexivo e cheio de compaixão. Não é coincidência que outro papel famoso na filmografia deste ator seja ‘Dr. Aibolit’ (a versão soviética de ‘Doutor Dolittle’). Chtraukh interpretaria Lênin em seis filmes e mais três peças. Serguêi Iutkevitch recebeu o prêmio de Melhor Diretor no Festival de Cinema de Cannes por seu ‘'Lênin na Polônia’.
Este filme é dedicado a um pequeno episódio da Guerra Civil – a revolta do Partido Socialista Revolucionário de Esquerda em julho de 1918. Após a Revolução de Outubro, os chamados SRs de Esquerda – representando os interesses dos camponeses – e o Partido Bolchevique – representando os trabalhadores – criaram uma coalizão governamental, que ruiu por falta de consenso sobre a permanência ou não do país na Primeira Guerra Mundial.
Os bolcheviques chegaram ao poder impulsionados por sentimentos antiguerra; por isso, em março de 1918, assinaram às pressas o tão desfavorável Tratado de Brest-Litovsk com os alemães. Os SRs de Esquerda se opõem aos termos predatórios do tratado e lideram uma revolta.
Neste filme da era do degelo, vemos um Lênin completamente diferente – o ator Iúri Kaiurov (que interpretou o líder soviético em 18 filmes) não se preocupa com sua dislalia (um distúrbio da fala) nem copia a gesticulação articulada que se tornou uma marca pessoal. Pela primeira vez, vemos o político Lênin, que não se precipita para a linha da frente e, em vez disso, lidera uma aguda intriga política contra os seus adversários. O longa é feito no estilo semidocumentário, e os personagens são muito mais verossímeis do que nos filmes histórico-revolucionários dos anos anteriores.
Aleksandr Sokurov, um dos mais brilhantes diretores de cinema de arte da Rússia moderna, dirigiu um filme sobre o período biográfico de Lênin que não poderia ter sido exibido na tela durante os anos soviéticos – sobre o lento definhamento físico do líder.
Todos os acontecimentos do filme se passam no intervalo de um dia de verão. Lênin, interpretado por Leonid Mozgovoi, vive seus últimos meses em sua residência em Górki. Sua memória o trai, seu corpo se recusa a obedecê-lo. Enfim, a tortura mais dolorosa para o político – é cortado do mundo exterior e não decide mais nada, embora, formalmente, ainda esteja listado como o líder do Partido. Incapaz de lidar com esse tormento, Lênin pede a Stálin que lhe dê veneno. Este último promete discutir a questão no politburo.
‘Taurus’ é o segundo filme da série de Sokurov sobre o poder, que também inclui longas como ‘Moloch - Eva Braun e Adolf Hitler na Intimidade’, ‘O Sol’ (sobre o Imperador Hirohito), uma adaptação de ‘Fausto’ de Goethe (que venceu o Leão de Ouro no Festival Internacional de Veneza) e ‘Conto de Fadas’ (uma parábola sobre a vida após a morte de líderes políticos).
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