A kacha é há muito tempo considerada um prato elementar da culinária russa. “Schi e kacha são a nossa comida”, “Kasha é a nossa mãe”, “A kacha de trigo sarraceno é a nossa mãe e o pão de centeio é o nosso pai” — dizem os provérbios russos.
No “Conto dos Anos Passados” (também conhecido como “Crônica Primária Russa”) do século 12, o autor descreve como os grandes príncipes russos fizeram a paz com os Polovtsi e a celebraram comendo mingau juntos. Naquela época, a kacha era um prato cerimonial e solene, preparado para casamentos, batizados, Natal e outras datas relevantes.
Por exemplo, o “kutia” — um mingau feito de milho, arroz ou trigo integral aromatizado com passas e mel — era preparado para os velórios. Os grãos do “kutia” são um símbolo da ressurreição e o mel e as passas representam a doçura e a vida alegre desfrutada pelos justos no Reino dos Céus. Por ser mais requintado em termos de ingredientes, o “kutia” (com leite e manteiga) costumava ser feito para casamentos e feriados.
Na culinária russa, três tipos de mingaus são tradicionalmente distinguidos por sua consistência: mingau fino (ou mingau líquido), mingau (ou mingau viscoso) e mingau farinhento. Cada tipo de kacha difere pela quantidade de líquido (água, leite ou caldo) utilizado para cozinhá-la.
Os mingaus russos mais populares
Os mingaus russos mais comuns que se destacam são o de trigo-sarraceno, arroz, milhete (milho-miúdo), aveia e sêmola.
De acordo com uma versão de suas origens, há mil anos, os príncipes russos trouxeram sêmolas de trigo-sarraceno de suas campanhas para Bizâncio. Mas foi apenas no final do século 16 que o mingau de trigo-sarraceno se tornou um prato nacional. Desde então, continua sendo um dos mingaus mais populares.
Já o mingau de milho, que hoje é considerado uma das opções de acompanhamento mais econômicas, costumava ser servido como prato festivo. Era o mingau de milho assado no forno (“pschennik”) preparado pelos monges do mosteiro Solovetski para o jantar de Páscoa. E, durante a Grande Guerra Patriótica, o ‘kulech’ (mingau de milhete com peito bovino e batatas) tornou-se o prato principal da culinária rural.
Outrora populares, os mingaus feitos de espelta (trigo selvagem), amaranto e cevada já estão praticamente fora da dieta diária da maioria dos russos ou entraram no cardápio dos adeptos de uma alimentação saudável. O desatualizado mingau de pérola, feito de grãos de cevada moídos, já foi o favorito do imperador Pedro, o Grande. Agora, só pode ser encontrado no ‘rassólnik’ (tradicional sopa russa com picles).
Alguns tipos de “mingau de farinha” também podem ser degustados hoje em dia, porém, apenas em restaurantes de culinária tradicional russa ou em determinadas regiões do país. Estamos falando, por exemplo, de “katanka' (grumos de milho envoltos primeiro em ovo e leite, depois em farinha), “salamata” (mingau de farinha frito com creme de leite, leite ou kefir) e “kulaga” (mingau feito de farinha de centeio e malte).
Dependendo da consistência desejada do prato e do tipo de cereal usado, o mingau é preparado com diferentes quantidades de líquido. Por exemplo, o mingau de arroz e milhete é cozido em uma grande quantidade de água fervente com sal; depois, o excesso de água é drenado e o prato é finalizado com leite. Para o mingau de trigo-sarraceno, a quantidade de água deve ser duas vezes o volume dos grãos e basta deixar evaporando sem mexer. A proporção de água para o mingau de aveia, por sua vez, deve ser de 2 xícaras de cereal para 3 de água. Ferva, mexa e então acrescente o leite até evaporar.
Como o mingau russo difere dos outros?
Por tradição, o mingau na Rússia era consumido não somente no café da manhã, mas a qualquer hora do dia. Nos tempos da Antiga Rússia, era considerado um prato cerimonial e festivo. Como era preparado no forno e aromatizado com leite fresco, tratava-se de um prato nutritivo e saboroso.
Na época tsarista, as receitas de mingau tornaram-se mais complexas – passou-se a adicionar ingredientes salgados e doces — desde vegetais e cogumelos, carne e peixe, até nozes e compotas (por exemplo, o mingau salgado ‘Dragomirov’, com cogumelos em forma de torta; e o ‘Guriev’, que era um mingau para sobremesa). Nos tempos soviéticos, esse alimento se tornou um acompanhamento útil e barato.
Hoje em dia, o mingau ainda desempenha um papel importante na dieta russa, tanto no café da manhã quanto como acompanhamento no almoço ou jantar.
A atitude em relação aos diferentes tipos de mingaus na Rússia e em outros países também pode ser influenciada pela qualidade dos ingredientes. Por exemplo, o trigo-sarraceno vendido em países europeus é mais cozido do que o produzido na Rússia, de modo que o sabor do mingau pode ser diferente.
O que os russos acrescentam ao mingau?
O sabor do mingau também depende muito do tempero. Segundo um provérbio popular, “não dá para estragar mingau com manteiga!” A manteiga, aliás, é o complemento mais tradicional. O mingau também pode ser aromatizado com manteiga derretida ou óleo vegetal – de girassol ou linhaça.
Os produtos lácteos são outra opção para incrementar o mingau: seja leite, creme de leite, creme de leite azedo, queijo cottage ou de qualquer outro tipo.
Frutas secas – passas, ameixas e damascos – também costumam ser adicionadas ao mingau, enquanto pinhões ou nozes podem ser polvilhados por cima. E, claro, mel e frutas vermelhas sempre darão um toque especial.
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