Maslenitsa: como uma celebração pagã eslava se tornou um popular feriado russo?

Maslenitsa em Suzdal

Maslenitsa em Suzdal

Vladímir Smirnov/TASS
Nenhuma mudança de estação na Rússia é celebrada em tão grande escala como o fim do inverno: as celebrações públicas duram uma semana inteira. Em 2021, o VTsIOM (Centro de Pesquisa de Opinião Pública da Rússia) descobriu que, dentre todos os ritos e rituais, a Maslenitsa ocupa o segundo lugar entre os russos – depois da decoração da árvore de Natal.

O fato de, durante esta semana, as pessoas participarem de velórios, ritos de sacrifício e rituais pagãos de fertilidade não incomoda ninguém. Todas essas tradições são relíquias dos costumes eslavos pré-cristãos – a Maslenitsa simbolizava o despertar da natureza, sua renovação e fertilidade, o que também significava preparação para o próximo ano agrícola.

Que ideias eram fundamentais para os eslavos que celebravam a Maslenitsa?

O Sol

Celebração da Maslenitsa na Praça Admiralteyskaya, em São Petersburgo

A chegada da primavera indicava que o sol começaria a brilhar mais forte e por mais tempo. Nossos ancestrais imaginavam o Sol como uma roda de fogo rolando pelo céu – e foi assim que a roda se tornou um atributo dos ritos solares.

Queimando o Espantalho da Maslenitsa

“Os aldeões russos, cumprimentando o sol da primavera durante a Maslenitsa, puxam um trenó com um pilar erguido no meio e uma roda giratória instalada nele. Na Sibéria, um jovem vestido de mulher e kokôchnik é colocado na roda, o que está de acordo com nossas lendas folclóricas, representando o Sol em uma imagem feminina”, escreveu o folclorista e pesquisador da cultura dos povos eslavos Aleksandr Afanasiev em seu livro ‘Visões poéticas eslavas da natureza’ (1865-1869).

A chuva

Maslenitsa

Junto com o Sol, a água não era menos importante para os camponeses – por exemplo, as chuvas de primavera e tempestades que rituais especiais deveriam “convocar”. Na consciência dos povos antigos, o céu era visto como um oceano, com nuvens como barcos ou navios navegando nele.

“Não muito tempo atrás, em Arkhanguelsk, um touro circulou pela cidade em um trenó gigante puxado por vinte ou mais cavalos: esta foi a aparência primaveril de Perun [o deus eslavo do trovão e do relâmpago], correndo em uma nuvem de tempestade. Segundo diferentes visões poéticas, o deus do trovão assumiria a forma de um touro furioso; ou ele, como pastor, reunia vacas de nuvens no céu e as ordenhava com raios”, explica.

A batalha entre o bem e o mal

A mudança de estações era vista como a luta entre o inverno que ia embora (e as forças sobrenaturais ligadas a ele) e a chegada da primavera (e o florescimento da vida).

A mudança dos tempos, a batalha entre duas origens refletia-se em duelos ritualísticos, que tinham um caráter competitivo. Isso incluía um certo nível de pancadaria coletiva, o jogo de bola da Maslenitsa e a captura da fortaleza de neve, conforme observado pela folclorista-eslava e etnolinguista russa Tatiana Agapkina no livro ‘Fundamentos mitopoéticos do calendário folclórico eslavo. Ciclo Primavera-Verão’ (2002).

Sacrifício

Maslenitsa em Suzdal

A transição do inverno para a primavera era acompanhada pela “morte” ritualística de uma efígie (boneco ou espantalho) de feno, queimada no quarto dia da semana da Maslenitsa. O folclorista, etnógrafo, linguista e arqueólogo Vsevolod Miller (1848-1913) acreditava que a efígie representava o ano antigo morto antes que o novo pudesse chegar. O também folclorista Evguêni Anitchkov (1866-1937) supôs que a efígie simbolizava a morte e, portanto, sua queima representaria o triunfo da vida.

Já o linguista soviético Vladimir Propp (1895-1970), destacou – a efígie não era apenas queimada. As cinzas eram posteriormente enterradas no solo para reforçar as forças produtivas e promover a fertilidade. Era importante que os camponeses realizassem o ritual em um campo semeado.

Um ritual semelhante acontecia nas casas: pequenos fantoches eram queimados; as cinzas eram então jogadas no quintal para o gado para promover sua fertilidade, como escreve o etnógrafo soviético A. B. Zernova. A efígie, ou Maslenitsa, precisava ser queimada antes da Grande Quaresma – o que serve para destacar a natureza pagã desta celebração.

Para facilitar a vida

O principal significado da semana da Maslenitsa era criar as condições para facilitar a vida.

Em particular, o khorovod deveria cumprir esse propósito: uma dança circular que representava o processo de enroscar e girar como uma metáfora para o surgimento da vida, visando a obter uma boa colheita de grãos, observa Agapkina. Uma tarefa semelhante era atribuída ao trenó na Maslenitsa: quanto mais longa a viagem, mais o linho cresceria.

A ideia de fertilidade não se estendia apenas aos campos e ao gado, mas também às pessoas. Os jovens deveriam se envolver em jogos pré-matrimoniais, especialmente andar de trenó juntos; beijos públicos também eram permitidos. Indivíduos solteiros não eram somente incentivados a se casar logo, mas também ridicularizados ao amarrar um pedacinho de madeira nas pernas (ou no pescoço) como “castigo”.

Durante as festividades, os palavrões, gritos e dísticos com conteúdo erótico se espalhavam e ecoavam em meio ao fogaréu da Maslenitsa.

Relembrando os mortos

De acordo com as crenças do campesinato, os ancestrais mortos estavam presentes tanto no outro mundo quanto no solo – o que significava que podiam influenciar sua fertilidade. Então, era importante apaziguá-los – lembrar deles. Os bliní (tradicionais panquecas) eram o prato principal dessa festa da recordação na antiga Rus.

Em alguns lugares, a primeira panqueca era deixada no peitoril da janela – para os ancestrais; em outros, era levada para a sepultura ou consumida para a paz de uma alma – era uma espécie de homenagem aos antepassados, proporcionando ligação com o além.

Com o passar do tempo, os bliní passaram a fazer parte das festividades da Maslenitsa.

Tanto é que, em 2022, o VTsIOM realizou uma pesquisa e descobriu que, durante a semana da Maslenitsa, 87% dos russos planejavam comer bliní.

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