Edvard Munch (1863-1944) é um dos mais renomados artistas da Noruega. Apesar de serem relativamente poucas as suas pinturas conhecidas na Rússia, a obra de Munch tem uma conexão maior com o país do que se possa imaginar. Isto porque Fiódor Dostoiévski foi seu ídolo e inspiração, e a pintura mais famosa do artista, “O Grito”, parece estar possuída por um dos demônios do escritor russo.
Admirador da literatura dostoievskiana
A atmosfera boêmia de Oslo na década de 1880, da qual fazia parte Munch, era composta por criativos anarquistas que devoravam as obras de Dostoiévski recém-traduzidas para o norueguês.
“Será que algum dia alguém conseguirá descrever esses tempos? Precisamos de um Dostoiévski, ou pelo menos de uma mistura de Krogh [artista e mestre de Munch], Jeager [um escandaloso escritor anarquista] e talvez de mim mesmo para descrever a desgraçada existência em Christiania [como se chamava então Oslo] de maneira tão convincente quanto a representação de Dostoiévski de alguma cidade siberiana”, escreveu Munch.
‘A dócil’ era o livro favorito de Munch
Obra pouco conhecida de Dostoiévski (ou, pelo menos, ofuscada pelos romances posteriores), “A dócil” (que em português saiu sob títulos variados e, pela editora 34, foi publicada junto com “O sonho de um homem ridículo”) teve profunda influência sobre Munch. Conta a história do suicídio de uma garota infeliz e pobre que se casa com um agiota que despreza.
Alguns especialistas acreditam que um dos mais famosos autorretratos de Munch, “Entre o Relógio e a Cama”, que mostra um nu feminino na parede, poderia ser uma ilustração para “A dócil”.
Munch e Dostoiévski compartilhavam de uma fraqueza artística por mulheres doentes e pobres. Outra pintura entre as mais famosas de Munch, “A menina doente”, que provocou uma onda de indignação dos críticos por sua "incompletude", era reflexo da dor do artista pela morte de sua irmã por tuberculose.
“Não sei bem por que me apeguei a ela, talvez porque estivesse sempre doente... Se ela fosse coxa ou corcunda também, acho que a amaria ainda mais...”, diz o personagem Raskôlnikov em “Crime e Castigo”, de Dostoiévski.
Pinturas de Munch sofreram tanto quanto personagens de Dostoiévski
O biógrafo de Munch, Rolf Stenersen, descreve como o idiossincrático artista considerava suas pinturas como seus próprios filhos e “punia” aquelas que não tinham dado certo. Ele chegava a colocar tais pinturas do lado de fora de casa na chuva, vento e neve, e as levava para dentro somente depois de algum tempo.
Sabe-se com certeza que isso aconteceu com a pintura “Separação”. Manchas e vestígios de excrementos de pássaros tornaram-se parte da pintura como consequência.
Munch chamou este estranho método de “hestekur” (algo como "tratamento dado a cavalos"). Há especialistas na obra do pintor que acreditam que isto seja uma referência ao sonho de Raskôlnikov, em que o protagonista, transportado de volta à infância, testemunha um camponês batendo em um velho cavalo simplesmente porque o animal lhe pertence. Logo, uma multidão se reúne aos gritos de “Açoite até a morte!”.
Munch associava a si próprio ao escritor
Munch criou o que pode ser descrito hoje em dia como “fan art” – obras desenvolvidas por admiradores de um determinado artista. Em um de seus diversos autorretratos, o pintor norueguês mostra a si próprio com uma mão de esqueleto. Há rumores de que este trabalho foi inspirado por um retrato de Dostoiévski pelo artista suíço Felix Vallotton feito com técnica semelhante.
Munch foi encontrado morto com um livro de Dostoiévski
Um pequeno volume intitulado “Djasvlene” (o título norueguês do romance “Os demônios”, de Dostoiévski) estava ao lado da cama de Munch quando ele foi encontrado morto em sua propriedade rural, próxima a Oslo, em 1944.
O Russia Beyond gostaria de agradecer a Anastasia Tchetverikova, especialista em cultura, jornalista, palestrante, autora e apresentadora do podcast “Arte para Rebeldes”, pela consultoria na elaboração deste artigo.
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