O ator e diretor inglês Ralph Fiennes foi a Moscou para a estreia de seu filme “O Corvo Branco” (2018), sobre Nureyev (cujo nome se consagrou mundo afora, e se pronuncia “Nurêiev”). Em 2017, estreou nos palcos do teatro Bolshoi o polêmico balé “Nureyev”, dirigido por Kiríll Serebrênnikov. Diversos documentários sobre o dançarino são lançados quase todos os anos. Afinal, por que Nureyev atrai tanta atenção?
Infância difícil
Rudolf Nureyev, uma criança soviética comum com uma volátil mistura de sangue tártaro e da Bachquíria, nasceu em um trem, bem no meio da Transiberiana, em 17 de março de 1938.
Seus biógrafos romancearam o nascimento de Nureyev como uma previsão do que o esperava na vida – mas a verdade é que ele realmente flanou entre cidades e não criou raízes.
Na Segunda Guerra Mundial, a família Nureyev foi evacuada de Moscou para Ufá. Ali, a extrema pobreza, o sofrimento pela fome, frio e bullying na escola – já que ele usava as roupas herdadas da irmã mais velha – forjaram, já então, sua personalidade de aço.
Quando Rudolf tinha seis anos de idade, sua mãe conseguiu, por um milagre, ingressos para o balé. O menino ficou tão encantado com o espetáculo que resolveu ser dançarino.
Seu pai, muçulmano, foi contra e queria que o filho dedicasse mais tempo aos estudos na escola. Mas o rebelde Rudolf era determinado e ia às aulas de dança escondido do pai.
Os professores de dança de Ufá eram talentosos e dedicados, eles viram seu potencial e apreciavam seu afinco, ensinando-lhe não apenas as técnicas do balé, mas também atuação, e lhe contaram sobre os balés de Diaghilev e sobre as grandes bailarinas.
Seus professores eram formados na Escola de Coreografia Vagânova, em Leningrado (hoje, São Petersburgo), e a consideravam a melhor do país. Eles deram a entender que se Rudolf quisesse continuar uma carreira de verdade no balé, então só havia um caminho a seguir: Leningrado.
Juventude tão difícil quanto
Aos 17 anos, Nureyev resolveu se atrever: saiu de casa e deixou os pais e entrou na prestigiada academia Vagânova. Ali, ele foi novamente vítima de bullying - os colegas de curso o provocavam devido a seus modos interioranos.
Mas, mais uma vez, ele teve sorte com seus mestres e ficou sob proteção do renomado bailarino e professor, Aleksandr Ivánovitch Púchkin. Nureyev chegou a morar na casa do professor por determinado período para tentar evitar as repetidas caçoadas no alojamento estudantil.
Nureyev se dedicou totalmente à arte. "Cada passo deve ser marcado com seu próprio sangue", disse o jovem dançarino.
Na formatura da academia Vagânova, ele seu talento foi identificado e ali mesmo ele foi contratado como solista da companhia de balé do Teatro Marínski (então, conhecido como Teatro de Ópera e Balé Kírov).
Sua primeira apresentação em “O lago dos cisnes” no famoso palco lhe rendeu uma amor dos espectadores sem precedentes. Isto aconteceu em 1958.
Primeiro ‘desertor’ soviético
Três anos depois, em 1961, o elenco do Marínski foi fazer uma turnê em Paris. O público ali aplaudia tanto quanto o soviético.
Apesar de todas as diretrizes da KGB sobre como os artistas deveriam se comportar no exterior, Nureyev se comunicava muito com dançarinos franceses, passeou pela cidade e chegava atrasado no hotel.
A companhia devia viajar para Londres, mas Nureyev recebeu uma passagem para Moscou. Alegaram que ele estava sendo convocado para uma apresentação importante, mas ele sentiu que estava sendo punido e escolheu a liberdade.
As autoridades francesas permitiram que ele ficasse e, já no final da temporada, o Grand Ballet du Marquis de Cuevas ofereceu a Nureyev um contrato. Mais tarde, ele foi convidado por uma infinidade de teatros, e se apresentou em Londres, Paris, Cannes, Chicago e Nova York.
Encontros decisivos
A bailarina inglesa Margot Fonteyn (1919 - 1991) e Nureyev (1938 - 1993) ensaiam 'Giselle' em 1962.
Getty ImagesAo ver a bailarina Margot Fonteyn, de 42 anos, dançando em Londres pela primeira vez, Nureyev, aos 23 anos de idade, apaixonou-se por seu estilo de dançar e sonhava em se apresentar em dupla com ela.
Foi então que o destino lhe abriu as portas e o Royal Ballet o convidou para dançar com Fonteyn em “Giselle”. O dueto impressionou o público. Os dançarinos formaram uma amizade criativa que duraria muitos anos: eles recarregavam as energias um do outro e fizeram muitos projetos conjuntos.
Nureyev ficou no Royal Ballet por muitos anos, até 1977. Além disso, foi convidado para muitos outros projetos, inclusive como coreógrafo. Em Copenhague, Nureyev conheceu Erik Bruhn e ficou muito impressionado com suas habilidades na dança. Os dois se apaixonaram e mantiveram um relacionamento aberto e estreito até a morte de Bruhn, em 1986.
Rudolf Nureyev e Erik Bruhn.
Getty ImagesA ópera de Paris e a Aids
Em 1983, Nureyev foi convidado para o cargo de diretor da Ópera de Paris. Ele levou um novo modo de ver o balé para a casa, encenando produções clássicas e experimentais e criando diversas jovens estrelas que alcançaram fama internacional. Com ele, a trupe se tornou requisitada em todo o mundo e fazia turnê com frequência.
Mas logo após entrar no cargo Nureyev fez um exame de HIV, cujo resultado foi positivo. Ele tentou diversos tratamentos, mas enfraquecia dia após dia. Ele praticamente não conseguia dançar mais e, nos últimos anos de vida, dedicou suas energias à direção.
Em 1989, 30 anos após deixar a URSS, Nureyev visitou Leningrado e se apresentou no Kírov, onde foi muito aplaudido.
Yury Belinsky/TASSNureyev morreu em 1993, e, seguindo seus últimos desejos, foi enterrado no cemitério “russo” em Sainte-Geneviève-des-Bois, em Paris. O local também foi o último destino de Ivan Búnin, Nadêjda Téffi, Zinaída Guíppius e Dmítri Merejkóvski e muitas outras figuras conhecidas da cultura russa.
O túmulo de Nureyev é fácil de ser encontrado, coberto com um tapete oriental de pastilhas – assim como a dança, ele amava tapetes.
Túmulo de Nureyev, cujo design foi assinado pelo arquiteto italiano Ezio Frigerio.
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