Foram inúmeros os lançamentos editoriais russos em novembro (aqui e aqui), mas dezembro ainda reserva mais alegria aos amantes lusófonos da literatura do país.
‘Nós’
Depois de duas edições em português, em 2004 pela Alfa Omega e em 1983 pela Anima, o romance “Nós” já havia saído neste ano pela editora Aleph.
Mesmo assim, o lançamento “repetido” de dezembro pela 34 é aguardado e reverenciado, já que tem tradução direta do russo por Francisco de Araújo – que também verteu “Ensaios sobre o mundo do crime”, da série “Contos de Kolimá”, de Varlam Chalámov, publicado pela 34, e, ainda sem editora, “Vontade de Ferro”, de Nikolai Leskóv e “Inundação”, de Zamiátin.
“Nós” é considerado a primeira “distopia” ou “antiutopia” literária, e retrata um futuro distante em que a população mundial, reduzida a 10 milhões de habitantes, vive em um “Estado Único” que suprimiu a liberdade em nome da felicidade.
Nele não há espaço para o indivíduo, apenas para o coletivo, as pessoas não têm nomes, apenas números, e qualquer desvio é punido com a morte. Certos de terem encontrado a fórmula da felicidade, os líderes do Estado Único constroem uma nave para levar seu modo de vida a outras galáxias. Um dos construtores da nave é o narrador do livro, D-503, que escreve um diário a fim de mostrar aos futuros leitores as benesses desse mundo “perfeito”.
Em 1921, o manuscrito de “Nós” foi rejeitado pela censura. No mesmo ano, talvez como reação ao banimento do romance, Zamiátin publica o ensaio “Iá boiús” (em tradução livre, “Eu temo”), que colocou o ponto final em qualquer carreira de escritor oficial que ele pudesse ter na Rússia.
Considerando-se que a revolução tinha apenas quatro anos naquele ponto, Zamiátin esteve certamente entre os primeiríssimos dissidentes.
O livro acaba sendo publicado numa tradução para o inglês, nos EUA, em 1924. Em 1931 Zamiátin escreve a Stálin pedindo permissão para deixar a União Soviética e muda-se para Paris. Mantém, porém, sua cidadania soviética, e em seus últimos anos continua escrevendo ficção e ensaios sobre a vanguarda e a literatura russa. Morreu na capital francesa, em 1937, de causas naturais.
‘O ano nu’
Borís Pilniak, cujo “O Volga Desemboca no Mar Cáspio” foi publicado em 1943 pela editora Bertrand Brasil, volta à vida editorial brasileira com “O ano nu”, traduzido diretamente do russo por Lucas Simone também para a 34.
Publicado em 1922, este livro transcorre num vilarejo à beira das estepes orientais, onde acompanha o declínio da nobreza rural e a ascensão dos camponeses.
Com seus ciclos e repetições, a natureza tem aqui papel de destaque, conferindo à obra um andamento que escapa aos limites do romance tradicional. O resultado é uma forma literária nova, que — como nota Georges Nivat no posfácio — está próxima das experiências do cinema de vanguarda de Dziga Vertov e Serguêi Eisenstein.
Segundo o crítico Gleb Struev, Pilniák “encabeçou toda uma escola ou tendência na literatura soviética”, a chamada “prosa ornamental”.
“O ano nu” é a obra-prima do autor, uma inventiva crônica do impacto da Revolução em um povoado rural no ano de 1919, que ganha elogios inclusive de Trótski.
‘O Poeta e o Tempo’
Vertido do russo por uma das pioneiras da tradução direta no Brasil, Aurora Bernardini, o volume de Marina Tsvetáeva traz três ensaios e se constrói sobre a tensão do tempo.
“Dou ouvidos a algo que soa dentro de mim de maneira constante, mas não regular, dando-me ora indicações, ora ordens. Quando indica – discuto; quando ordena – obedeço”.
Esse “algo que soa” era a palavra de poesia. O tempo aterroriza porque “ele só corre porque corre, corre para correr”, mas “não corre para lugar nenhum”.
A palavra poética, que se pretende absoluta desde os grandes românticos, é o paradoxo de um imponderável que permanece intacto, presa de nós todos, que “somos lobos do bosque impenetrável do Eterno”.
Russos previstos para 2018 e 2019
A editora Kalinka, que trouxe versões importantes de autores soviéticos para o português neste ano também já tem lançamentos previstos para 2018.
“O ofício”, de Serguêi Dovlátov, deve sair no início do ano com tradução de Daniela Mountian e Yulia Mikaelyan, seguido de “A Cidade N”, de Leonid Dobýtchin, com tradução de Moissei Mountian, “Aulas de literatura russa (textos reunidos)”, de Aurora Fornoni Bernardini, “A troca”, de Serguêi Dovlátov, com tradução de Daniela Mountian e Yulia Mikaelyan e “O elefante”, de Aleksándr Kuprin, com tradução de Tatiana Larkina.
Outras novidades que virão entre 2018 e 2019 também já foram anunciados pelo tradutor do holandês Daniel Dago, 30, uma espécie de guru on-line dos lançamentos de tradução literária e fundador da página “Literatura Holandesa” que, entre um clássico e outro, se diverte descobrindo os furos editoriais.
Entre esses, estão, pela editora Âyiné, um livro de entrevistas de Joseph Brodsky com tradução de Diogo Rosas, (o não russo, mas relacionado ao país) “O esplendor de São Petersburgo”, de Jan Brokken, a coleção de ensaios “From the other shore”, de Aleksandr Herzen, e “O campo dos cisnes”, de Marina Tsvetáeva, com tradução de Flavio Quintale; pela Companhia das Letras, um novo volume de Svetlana Aleksiêvitch, cujo título ainda não divulgado; pela editora 34, o sexto volume dos “Contos de Kolimá”, de Varlám Chalámov, com tradução de Nivaldo dos Santos, “A escavação”, de Andrêi Platónov, com tradução de Mário Ramos e Yulia Mikaelyan, “Os sete enforcados”, de Leonid Andrêiev, com tradução de Nivaldo dos Santos; “Viagem sentimental”, de Víktor Chklóvski, com tradução de Cecília Rosas, “Humilhados e ofendidos”, de Fiódor Dostoiévski, com tradução de Fátima Bianchi, “Sobre isto”, de Vladímir Maiakóvski, com tradução de Letícia Mei, “Teoria do romance vol. II: As formas do tempo e do cronotopo”, de Mikhail Bakhtin, com tradução de Paulo Bezerra, e “Almas mortas”, de Nikolái Gógol, com tradução de Rubens Figueiredo; pela editora Nova Aguilar, a obra completa de Fiódor Dostoiévski; pela editora Perspectiva, “Os banhos”, de Maiakóvski, com tradução de Luís Sampaio; pela Editora Rádio Londres “Hard to be God”, dos irmãos Arkádi e Borís Strugátski.
À exceção dos títulos da Âyiné e do volume de Chkolóvski da 34, porém, o Russia Beyond não confirmou as informações com as editoras.