Como a URSS lutou contra o darwinismo e a genética

Ciência e Tecnologia
ALEKSANDRA GÚZEVA
A ideologia soviética afetou todas as esferas da vida dos cidadãos da URSS, incluindo o desenvolvimento da ciência. Todas as teorias que já haviam sido comprovadas há muito tempo, mas que não correspondiam à visão soviética da vida eram reconhecidas como errôneas. Quem continuasse a aceitá-las corria o risco de perder o emprego e até a liberdade.

O governo da URSS considerava que a ideologia soviética tinha que ter influência sobre todas as áreas da vida, e a ciência da biologia não foi uma exceção. Os ensinamentos de Darwin foram considerados alienígenas e hostis. Os cientistas soviéticos foram obrigados a explicar todos os conceitos biológicos com base no marxismo, negando todas as conquistas científicas dos anos anteriores.

As ideias ocidentais foram reconhecidas como burguesas e, assim, prejudiciais. Segundo a ideologia soviética, a luta intraespecífica foi inventada pelos capitalistas para justificar a pobreza das pessoas. O ideólogo da “nova biologia" foi o camponês Trofim Lisenko (também grafado como Lysenko em português), que congelou o desenvolvimento da genética na URSS por várias décadas. Os cientistas que criticaram sua pseudociência foram perseguidos.

Cientista camponês

Em 1928, Trofim Lisenko, futuro autor da nova teoria da evolução soviética, desenvolveu uma nova tecnologia agrícola, a vernalização: antes da semeadura, foi proposto pré-resfriar as sementes dos cereais para que produzissem mais frutos. A ideia foi apoiada por muitos cientistas, e a imprensa soviética começou a elogiar Lisenko, destacando com entusiasmo suas origens camponesas em oposição aos cientistas altamente qualificados que estudaram e trabalharam na Rússia tsarista e viajaram para o exterior, absorvendo ideias burguesas.

Lisenko se tornou um agrônomo influente e ocupou muitos cargos importantes. Em 1938 ele se tornou presidente da Academia de Ciências Agrícolas e continuou a desenvolver novas ideias agrotécnicas, às vezes as mais incríveis.

Combater o Darwinismo

Lisenko considerava o aumento da produtividade o principal objetivo da agrobiologia e prometeu garanti-lo sem depender de “ensinamentos capitalistas hostis”.

O principal alvo de ataque de Lisenko foi o darwinismo, ou seja, o conjunto de conceitos relacionados às ideias de transmutação de espécies, seleção natural ou da evolução desenvolvidos por Charles Darwin. Ele chamou o conceito evolutivo de Darwin com sua teoria da desigualdade dos organismos de pseudocientífico e o considerou racista. A genética clássica, por sua vez, começou a ser chamada de ciência fascista.

Segundo Lisenko, o desenvolvimento de um organismo vivo depende não da hereditariedade e dos genes, mas do ambiente externo. Ele acreditava na herança de habilidades adquiridas.

O mais importante, porém, foi que Lisenko negava a existência da competição intraespecífica. O princípio da luta intraespecífica, segundo ele, foi inventado pela ciência burguesa: "Só existe competição entre diferentes espécies: o lobo come a lebre, mas a lebre não come a lebre, ela come erva. Um trigo também não interfere na vida de outro trigo".

Lisenko também argumentou que as espécies podem se transformar umas nas outras sob a influência do ambiente externo. “Negar que o trigo, em condições apropriadas, dá origem a grãos individuais de centeio, que depois crescem e substituem o trigo, significa afastar-se da vida, da prática”. A maioria dos cientistas acreditava que as ideias de Lisenko não eram críveis, porque não explicavam verdadeiramente os mecanismos de herança.

Luta contra cientistas e ensinamentos burgueses

Para Lisenko, as teorias científicas estavam inseparavelmente ligadas à ideologia e ao sistema social. Ele afirmou que a ciência biológica burguesa valoriza tanto a teoria da competição intraespecífica porque precisa justificar o grande número de pessoas pobres na sociedade capitalista.

Ele propôs lutar contra ensinamentos “ideologicamente estranhos” trazidos de países estrangeiros hostis, ideia apoiada por Ióssif Stálin.

Nikolai Vavilov, o mais bem-sucedido geneticista soviético, foi preso em 1940, acusado formalmente por “sabotagem”. Condenado a 20 anos de prisão, morreu sob custódia. Após a morte de Stálin, ele foi reabilitado e reconhecido como um grande cientista.

Em 1948, foi realizada uma sessão da Academia de Ciências Agrárias sob a presidência de Lisenko, na qual, com a aprovação do partido, a genética clássica foi declarada uma pseudociência. Assim, começou o processo que hoje se chama “Lisenkoismo”, ou seja, a luta contra cientistas ideologicamente indesejáveis.

Todos que trabalhavam com genética foram demitidos de seus cargos. Os cientistas que criticaram as ideias de Lisenko também foram perseguidos ou presos. Mais tarde, o mesmo destino aguardava outros ramos da biologia: a virologia e a citologia.

Em 1955, já após a morte de Stálin, quase 300 cientistas assinaram uma carta criticando Lisenko, chamando sua teoria de “ciência medieval e vergonhosa”. Lisenko foi afastado da presidência da Academia por algum tempo, mas, em breve, o novo líder do país, Nikita Khruschov, o reconduziu ao cargo. O novo secretário-geral apoiou Lisenko porque gostou da origem camponesa do pseudocientista e das boas colheitas de trigo.

Após a época de Khruschov, em 1965, os cientistas conseguiram provar que o trabalho de Lisenko continha erros, irregularidades científicas e argumentos pouco fiáveis. Ele foi finalmente afastado do cargo, mas permaneceu fiel às suas ideias e continuou a trabalhar nos seus estudos durante mais dez anos.

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