O governo da URSS considerava que a ideologia soviética tinha que ter influência sobre todas as áreas da vida, e a ciência da biologia não foi uma exceção. Os ensinamentos de Darwin foram considerados alienígenas e hostis. Os cientistas soviéticos foram obrigados a explicar todos os conceitos biológicos com base no marxismo, negando todas as conquistas científicas dos anos anteriores.
As ideias ocidentais foram reconhecidas como burguesas e, assim, prejudiciais. Segundo a ideologia soviética, a luta intraespecífica foi inventada pelos capitalistas para justificar a pobreza das pessoas. O ideólogo da “nova biologia" foi o camponês Trofim Lisenko (também grafado como Lysenko em português), que congelou o desenvolvimento da genética na URSS por várias décadas. Os cientistas que criticaram sua pseudociência foram perseguidos.
Trofim Lisenko discursando no Kremlin em 1935. Ao fundo (da esquerda para a direita) estão Stanislav Kosior, Anastas Mikoian, Andrei Andreev e Ióssif Stálin.
Domínio públicoEm 1928, Trofim Lisenko, futuro autor da nova teoria da evolução soviética, desenvolveu uma nova tecnologia agrícola, a vernalização: antes da semeadura, foi proposto pré-resfriar as sementes dos cereais para que produzissem mais frutos. A ideia foi apoiada por muitos cientistas, e a imprensa soviética começou a elogiar Lisenko, destacando com entusiasmo suas origens camponesas em oposição aos cientistas altamente qualificados que estudaram e trabalharam na Rússia tsarista e viajaram para o exterior, absorvendo ideias burguesas.
Lisenko se tornou um agrônomo influente e ocupou muitos cargos importantes. Em 1938 ele se tornou presidente da Academia de Ciências Agrícolas e continuou a desenvolver novas ideias agrotécnicas, às vezes as mais incríveis.
A partir de 1936, Lisenko dirigiu o Instituto de Reprodução e Genética em Odessa. Na foto de 1938, com a equipe do Instituto.
Domínio públicoLisenko considerava o aumento da produtividade o principal objetivo da agrobiologia e prometeu garanti-lo sem depender de “ensinamentos capitalistas hostis”.
O principal alvo de ataque de Lisenko foi o darwinismo, ou seja, o conjunto de conceitos relacionados às ideias de transmutação de espécies, seleção natural ou da evolução desenvolvidos por Charles Darwin. Ele chamou o conceito evolutivo de Darwin com sua teoria da desigualdade dos organismos de pseudocientífico e o considerou racista. A genética clássica, por sua vez, começou a ser chamada de ciência fascista.
Iluminação dos campos experimentais do Instituto Trofim Lisenko, perto de Kiev.
Arkádi Chaikhet/MAMM/MDF/russiainphoto.ruSegundo Lisenko, o desenvolvimento de um organismo vivo depende não da hereditariedade e dos genes, mas do ambiente externo. Ele acreditava na herança de habilidades adquiridas.
O mais importante, porém, foi que Lisenko negava a existência da competição intraespecífica. O princípio da luta intraespecífica, segundo ele, foi inventado pela ciência burguesa: "Só existe competição entre diferentes espécies: o lobo come a lebre, mas a lebre não come a lebre, ela come erva. Um trigo também não interfere na vida de outro trigo".
Lisenko também argumentou que as espécies podem se transformar umas nas outras sob a influência do ambiente externo. “Negar que o trigo, em condições apropriadas, dá origem a grãos individuais de centeio, que depois crescem e substituem o trigo, significa afastar-se da vida, da prática”. A maioria dos cientistas acreditava que as ideias de Lisenko não eram críveis, porque não explicavam verdadeiramente os mecanismos de herança.
Lisenko discursa contra a genética na sessão da Academia de Ciências Agrícolas, 1948.
Dmítri Baltermatns/MAMM/MDF/russiainphoto.ruPara Lisenko, as teorias científicas estavam inseparavelmente ligadas à ideologia e ao sistema social. Ele afirmou que a ciência biológica burguesa valoriza tanto a teoria da competição intraespecífica porque precisa justificar o grande número de pessoas pobres na sociedade capitalista.
Ele propôs lutar contra ensinamentos “ideologicamente estranhos” trazidos de países estrangeiros hostis, ideia apoiada por Ióssif Stálin.
Trofim Lisenko
Domínio públicoNikolai Vavilov, o mais bem-sucedido geneticista soviético, foi preso em 1940, acusado formalmente por “sabotagem”. Condenado a 20 anos de prisão, morreu sob custódia. Após a morte de Stálin, ele foi reabilitado e reconhecido como um grande cientista.
Em 1948, foi realizada uma sessão da Academia de Ciências Agrárias sob a presidência de Lisenko, na qual, com a aprovação do partido, a genética clássica foi declarada uma pseudociência. Assim, começou o processo que hoje se chama “Lisenkoismo”, ou seja, a luta contra cientistas ideologicamente indesejáveis.
Todos que trabalhavam com genética foram demitidos de seus cargos. Os cientistas que criticaram as ideias de Lisenko também foram perseguidos ou presos. Mais tarde, o mesmo destino aguardava outros ramos da biologia: a virologia e a citologia.
O cientista Nikolai Vavilov, que foi presidente da Academia de Ciências Agrícolas antes de Lisenko.
Boris Lossin/SputnikEm 1955, já após a morte de Stálin, quase 300 cientistas assinaram uma carta criticando Lisenko, chamando sua teoria de “ciência medieval e vergonhosa”. Lisenko foi afastado da presidência da Academia por algum tempo, mas, em breve, o novo líder do país, Nikita Khruschov, o reconduziu ao cargo. O novo secretário-geral apoiou Lisenko porque gostou da origem camponesa do pseudocientista e das boas colheitas de trigo.
Após a época de Khruschov, em 1965, os cientistas conseguiram provar que o trabalho de Lisenko continha erros, irregularidades científicas e argumentos pouco fiáveis. Ele foi finalmente afastado do cargo, mas permaneceu fiel às suas ideias e continuou a trabalhar nos seus estudos durante mais dez anos.
Colheita de trigo
G.Bikov/SputnikLEIA TAMBÉM: A lista completa dos vencedores russos do Prêmio Nobel
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