Ilustração: Niiaz Karim
Ainda em meados do século passado, o escritor russo Vladímir Nabokov sugeriu deixar a palavra "pochlost" sem tradução nos textos originais russos vertidos para qualquer outro idioma, substituindo, porém, as letras cirílicas pelas latinas. Cinco décadas depois, seguindo o conselho do escritor, os colaboradores da enciclopédia grátis eletrônica Wikipedia disponibilizaram um artigo detalhado em inglês sob o título de “Poshlost”, cujo conteúdo atribui ao mesmo o significado de algo trivial, banal, sem espiritualidade e até vulgar.
Não é fácil formular a definição exata deste termo. Segundo o dicionário de significados elaborado pelo famoso linguista russo Serguêi Ojegov, o adjetivo do gênero masculino "póchlii" refere-se a uma pessoa ou a um objeto de sexo masculino "vulgar ou de baixa moral", enquanto o dicionário clássico de Vladímir Dal publicado no século 19 oferece duas opções. Uma delas é original e neutra, usada para descrever algo "antigo, uma tradição de longa data; original", porém o outro significado, mais moderno, já possui traços negativos e refere-se a um objeto "trivial, amplamente conhecido e sem graça; caído em desuso; obsceno, primitivo, baixo, vulgar".
Nabokov oferece o seu próprio conceito:
"O principal significado de ‘pochlost’ não consiste apenas numa falta de talento, mas numa importância falsa e exagerada de alguma qualidade, tal como beleza, inteligência ou poder de atração. Além de julgar algo do ponto de vista estético, o adjetivo da palavra nos permite fazer uma justiça moral, devido à impossibilidade de atribuí-lo a um objeto ou pessoa honesta, bela e verdadeira."
As definições apresentadas acima podem ser divididas em duas principais correntes lógicas, uma das quais refere-se à deficiência moral e outra, à deficiência estética. Hoje em dia, os russos costumam usar o termo para descrever algo primitivo, imperfeito e sem harmonia, um objeto de mau gosto. Apesar de o conceito de "gosto" ter sido puramente subjetivo e individual, o que confirma um famoso provérbio russo, a existência de bom e de mau gosto, porém, não deixa nenhuma dúvida.
Enquanto a maioria da população do país considera uma "pochlost" enfeitar os capôs de carros das comitivas nupciais com bonecas vestidas de noiva, a reflexão de Nabokov sobre "autenticidade" e "honestidade" ganha um novo rumo. "Pochlost" é uma pretensão ao bom gosto no contexto da incapacidade própria de criar o belo, resultando numa imitação deficiente das formas estéticas daqueles que esse bom gosto possuem.
Portanto, eis a diferença entre os conceitos de "pochlost" e vulgaridade definida como um "verdadeiro mau gosto" próprio das pessoas sem uma formação estética, mas que possuem um senso natural de beleza que possa não coincidir com os padrões adotados pela sociedade. Por exemplo, os quadros dos artistas primitivistas não podem ser considerados uma "pochlost".
Armadilha
No entanto, um alto nível de educação em si, inclusive no ramo artístico, não é uma salvação contra a "pochlost" no caso de indivíduo que, em vez de elaborar a própria opinião, usa os padrões pré-estabelecidos, tentando passar por uma pessoa que enão é com o único objetivo de ser aceito por certos grupos a quais não pertence. Essa espécie de "pochlost" chama-se esnobismo e anteriormente considerava-se uma característica negativa que ao decorrer do tempo se transformou em sinônimo de "chic" e foi usada como base para o título por uma das mais famosas revistas russas, "Snob", esnobe em português.
Apesar do significado negativo da palavra-protagonista deste artigo, os gênios culturais modernos estão prestes a fazer uma conclusão polêmica, afirmando que a luta contra a "pochlost" cria outra "pochlost" com as mesmas dimensões.
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