No ano passado, as temperaturas no segundo final de semana de dezembro ficaram acima de -30°C, isto é, quente para a região. Normalmente, nesta época do ano, as temperaturas caem para cerca de -50ºC. Pode-se acostumar com qualquer coisa. Além disso, roupas térmicas, chapéu, uma parca tipo sobretudo e luvas não permitirão que você pereça nas ruas congeladas. O frio queima fisicamente o rosto. Se você despreza calças de esqui, o frio se agarra às suas pernas, e os jeans congelam até os joelhos.
Mas mesmo que você use calças de esqui, elas não serão suficientes. Enquanto isso, os moradores locais estão prontos para sair e se divertir no frio por horas a fio.
Os festivais de rua são frequentes, e os iacutos adoram lazer ao ar livre – seja caçando, pescando, ou fazendo trabalhos de rua. No fim das contas, é questão de hábito.
Em dezembro, a República da Iakútia – a maior região da Rússia (mais de 3 milhões de quilômetros quadrados, o tamanho de cinco Franças ou uma Índia) e uma das menos populosas (menos de um milhão de habitantes) – realiza um festival chamado “Inverno Começa na Iakútia”. Os dois principais eventos do festival são encontros com Ded Moroz (o Papai Noel russo) e com Chys Khan (um dos heróis do folclore popular da Iakútia responsável pelo frio) e o Festival Stroganina.
Chys Khan vive em uma caverna no permafrost, onde está sempre -7 ° C, tanto no inverno quanto no verão.
No interior, há esculturas permanentes de gelo, incluindo da Vênus de Milo, “Guernica” de Picasso e obras do artista buriate Dacha Namdakov.
Há também um bar de gelo. O bar de gelo é uma atração concebida localmente, embora exista em vários outros lugares, como Londres e Moscou. Mas aqui está bem no local propício.
Vodca e champanhe são despejados em copos e frascos de vidro esculpidos em gelo. Para acompanhar as bebidas geladas, serve-sestroganina: peixe cru congelado logo após a pesca e cortado em fatias finas com uma faca afiadíssima. Estas fatias são então mergulhadas em sal e pimenta.
Os iacutos mal comem carne de porco e não gostam muito de frango, mas adoram carne de veado, vaca e cavalo.
O Festival Stroganina começa com um concurso preliminar entre as equipes que apresentam torres e outras esculturas feitas de stroganina a um painel de juízes. Neste ano, o vencedor criou um mamute – o símbolo não oficial da região.
Os escultores da Iakútia também fazem esculturas de ossos desde antes do primeiro contato com o mundo ocidental. Hoje, os iacutos continuam a esculpir peças inteiramente à mão.
Embora ferramentas elétricas sejam usadas ocasionalmente, a maioria dos artistas prefere usar um machado e lixas, para que tenham mais controle sobre os ossos.
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O estágio final da escultura é o polimento, feito com vários tipos de lixa impermeável, além de horas e horas de fricção. O material mais comum é o chifre de caribu e o marfim de mamíferos marinhos, bem como ossos de animais variados.
Todo mundo veste trajes tradicionais, e as mulheres se envolvem em prata. Nos dias de festa, enfeitam-se com vários tipos de adornos, que juntos podem pesar até 17 kg.
Na vida cotidiana, aliás, há pelo menos um elemento de vestimenta tradicional que os homens e mulheres da Iakútia sempre usam: botas altas de pele feitas de pele de veado, por vezes decoradas com miçangas. Elas são caros e muito quentes.
O desejo das autoridades locais de transformar a República da Iakútia em um destino turístico teve reações mistas: a imagem de selvagens em peles de veado, danças e stroganinas, cantos guturais e cavalos desgrenhados são atrativos, mas na Iakútia há também institutos de pesquisa, como o Instituto Permafrost, a universidade mais setentrional da Rússia, linhas de produção complexas, petróleo, gás, diamantes e ouro.
Na capital Iakutsk, edifícios altos estão sendo construídos sobre o permafrost – no lugar da fundação, são instalados alicerces. A cidade possui um dos melhores programas nacionais de apoio a deficientes: até mesmo prédios baixos têm elevadores para cadeiras de rodas, e quase todos os edifícios públicos estão equipados com rampas. Embora Iakutsk seja uma cidade civilizada, as autoridades a apresentam como se fosse uma aldeia remota habitada por caçadores e catadores nômades.
A lógica das autoridades locais é totalmente transparente. Poucas pessoas gostam de turismo industrial, e mesmo os entusiastas jamais poderiam visitar uma mina de urânio ou uma fábrica de diamantes. No entanto, muitas pessoas gostam de tradições nacionais exóticas, xamanismo e stroganina com vodca – e estes são os elementos que mais certamente atrairão turistas.