Como um empresário alemão do século 19 criou o chocolate mais famoso da Rússia?

Arquivo, Krasny Oktyabr
Usando um lenço tradicional, os penetrantes olhos azuis de Alionka encantam as pessoas há décadas. Não se trata de uma estrela do cinema, mas o rosto da menina que enfeita a embalagem do chocolate mais famoso da Rússia, e um dos suvenires mais populares que os turistas estrangeiros levam para casa. Mais de meio século atrás, esses doce foi criado pela na fábrica de chocolate “Krasny Oktyabr” (Outubro Vermelho), fundada em 1849 pelo alemão Ferdinand Theodor von Einem.

Por incrível que pareça, o chocolate que se tornou uma das marcas mais reconhecidas da Rússia era originalmente produzido em uma fábrica aberta pelo imigrante alemão Ferdinand Theodor von Einem, que chegou à Rússia aos 25 anos, cheio de esperanças e sonhos. Em 1849, o empreendedor já havia se tornado o fornecedor de chocolate para a família Imperial e recebeu a mais alta aprovação por seu trabalho duro.

Nessa época, Ferdinand começou sua própria empresa de produção em massa: abriu sua primeira fábrica de chocolate na rua Myasnitskaya, no centro da cidade, fabricando delícias da mais alta qualidade que antes eram importadas da Europa. Em 1851, o jovem alemão abriu sua primeira loja, embora pequena, na Rua Arbat. E assim os chocolates de Einem começaram a ganhar popularidade em Moscou.

Vista da confeitaria Krasny Oktyabr

Mais tarde, Einem fundou uma empresa com seu compatriota, Julius Geis, e juntos abriram sua primeira fábrica de produção de chocolate no aterro Sofiyskaya. Em 1876, Einem faleceu na Alemanha, mas, conforme sua vontade e testamento finais, foi enterrado na Rússia. Geis assumiu, portanto, o controle da fábrica, mas decidiu não mudar seu nome, que já havia se tornado conhecido e consagrado.

Loja de Einem na rua Pokrovka

Em 1889, Geis adquiriu terrenos no aterro Bersenevskaya para abrir uma enorme fábrica de 23 edifícios. A empresa permaneceu nesse monumental complexo de tijolos vermelhos até 2007, quando a fábrica foi realocada – talvez fosse a empresa mais reconhecível no centro de Moscou, perto do Kremlin.

Ferdinand Theodor von Einem e Julius Geis

A Fábrica de Chocolate Einem se tornou fornecedora da corte imperial em 1913, estabelecendo filiais e lojas em Simferopol, Riga e Níjni Novgorod, além de receber prêmios nacionais e internacionais por sua qualidade e variedade.

Um dos motivos do sucesso da empresa era sua estratégia de marketing inovadora.

Marketing futurista

Acredite ou não, mas em uma época em que o marketing nem existia, a empresa de Einem levava a sério não apenas a qualidade do chocolate (o nível era tão alto que podia competir com chocolates da Bélgica, Holanda ou França), mas também a marca, que exigia uma estratégia de marketing complexa para criar uma atmosfera específica nas lojas, bem como lendas intrigantes.

Músicas foram especialmente compostas por Karl Feldman para as lojas da empresa e incluíam dedicações criativas a produtos de chocolate: os consumidores tinham a oportunidade de comprar notas musicais para a Valsa-Montpensier, o cupcake Gallop ou Cocoa Dance, tocadas na loja por profissionais treinados.

Também foi dada atenção especial às embalagens dos produtos, que eram bonitas e brilhantes, e geralmente feitas com materiais incomuns: as caixas eram revestidas de veludo, seda ou couro. Os artistas mais elegantes da época, como Vrúbel, Bakst ou Benoit, recebiam convites para criar ilustrações para os itens à venda.

A criatividade vinha à tona assim que se abria a caixa: uma série de cartões colecionáveis apresentava Moscou futurista, pinturas, trajes nacionais e pássaros. Ao juntar certo número de cartões, os clientes tinham direito a uma caixa gratuita.

Museu Histórico do Estado. A exposição “Krasny Oktyabr”, dedicada ao 150º aniversário da mais antiga fábrica de doces, chamada “Einem” antes da Revolução de 1917. Caixa na qual doces e biscoitos feitos pela “Einem” eram vendidos

Uma maravilha tecnológica da época – dirigíveis voadores – sobrevoavam os céus das cidades russas com o convite para comprar chocolate Einem.

Para atrair os consumidores preocupados com status, diferentes tipos de doces receberam nomes estimulantes, como “Boiarski”, “Império” e “Mignon”.

Outra inovação eram as máquinas de venda automática de chocolate da marca, que atraíam sobretudo crianças. Barrinhas de chocolate podiam ser compradas ao inserir uma moeda de 10 copeques e mover a alavanca de uma dessas máquinas.

Salários altos e benefício dos trabalhadores

A estratégia de negócios mais bem-sucedida da fábrica era a atitude para com seus funcionários: tinham boas condições de trabalho e vida, além de equilíbrio entre vida pessoal e profissional (se é que é possível falar sobre isso no final do século 19).

As fábricas da época imperial obtinham enormes lucros explorando seus operários: com turnos, em média, de 15 horas, das 4h00 e às 21h00; intervalos curtos; e em um ambiente pouco saudável e sem condições de trabalho civilizadas.

Paralelamente, a fábrica de Einem tinha dia útil de 10 horas, fornecia aos funcionários dormitórios com salas limpas e iluminadas, além de refeitórios. E foram abertas escolas para crianças que trabalhavam nas instalações (prática comum nessa época).

Os salários eram os mais altos do setor, começando, no mínimo, com 20 rublos e crescendo dois rublos ao ano. Os trabalhadores que permaneciam na empresa por 25 anos recebiam uma medalha de prata e uma pensão equivalente ao seu salário.

Não havia precedentes na época – razão pela qual muitos trabalhadores da fábrica se recusaram a participar do movimento revolucionário.

Caridade e apoio aos esforços de guerra

Hospital da Einem, 1914

A caridade era comum na fábrica: a cada quilo de biscoito vendido, eram doados cinco copeques de prata a instituições de caridade em Moscou, bem como a escolas alemãs para pessoas mais pobres e órfãos.

Durante a Primeira Guerra Mundial, a Einem fez doações significativas em benefício dos combatentes e montou um hospital para soldados feridos, além de enviar chocolate para as linhas de frente. A fábrica fez todo o possível para ajudar a enfrentar as crises em que o país se encontrava após o início da guerra.

Vida nova após a Revolução de 1917

A Fábrica de Einem foi nacionalizada após a Revolução de 1917, recebendo o nome de Krasny Oktyabr (Outubro Vermelho, para glorificar o mês da revolução). Mas, como era muito famosa por seu nome anterior, a fábrica teve que acrescentar “Einem” aos seus anúncios durante vários anos.

Ao contrário das diversas empresas que foram arruinadas pelas revoltas da revolução, a Einem, então Krasny Oktyabr, era como uma fênix renascendo das cinzas e perpetuou sua produção, batendo recordes estabelecidos ainda durante a era imperial.

“Eu como biscoitos da fábrica Outubro Vermelho, antiga Einem”
Texto de Vladímir Maiakóvski

Ao longo da Segunda Guerra, a fábrica concentrou energia na produção de mercadorias para a frente de batalha. Por isso, começou a produzir doces para pilotos e soldados com ingredientes e vitaminas especiais, com intuito de manter esses militares fortes, dispostos e acordados por períodos muito mais longos.

Após o colapso da União Soviética, a fábrica foi privatizada e fundida em uma holding que inclui concorrentes de longo data, como as fábricas de chocolate e confeitaria Babaevsky e Rot Front. Atualmente, a fábrica continua produzindo o famoso chocolate, que está intrinsicamente ligado à história da Rússia.

Marca eterna

A fábrica conseguiu manter a qualidade de seus produtos antes e depois da revolução e criou chocolates conectados à cultura e à mentalidade russas.

Por exemplo, o “Alionka” – aquele chocolate ilustrado com uma garotinha usando um tradicional lenço russo – é um ótimo suvenir para comprar na Rússia. Como foi criado? Um dos artistas que trabalhava na fábrica decidiu retratar sua filhinha em 1965, e sua imagem ainda permanece como marca reconhecida da fábrica e da indústria russa de chocolate como um todo.

O “Michka Kosolapi” (Urso filhote) é o doce mais antigo da fábrica e continua sendo produzido ainda hoje. É decorado com a famosa pintura de Ivan Chichkin “Manhã em uma floresta de pinheiros”, após a arte icônica ter sido comprada por Pável Tretyakov para sua coleção. Este chocolatinho é uma das principais lembranças da infância de todos os russos, já que geralmente os ganham junto com os presentes de Ano Novo.

Outras dezenas de doces sobreviveram ao longo desses anos: Chapeuzinho Vermelho, Chave Dourada, Kara-Kum, Kis-Kis e assim por diante.

Uma história e tradição tão ricas não teriam sido possíveis sem a abordagem inovadora de marketing e a criatividade que a fábrica aplicou em seu início, 170 anos atrás.

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