Uma refeição gourmet de 3 ou 4 pratos por apenas 1.500 rublos (US$ 23)? Não, não se trata de erro de digitação. Esta é São Petersburgo durante o Festival Gourmet Days. Em um local da moda como Kuznya House, por exemplo, onde o prato principal geralmente custa cerca de 750 rublos, durante as duas semanas do festival, por apenas duas vezes isso, é possível saborear uma deliciosa refeição de 4 pratos de sashimi de atum com tomates defumados e avocado; brócolis grelhados no carvão com molho de figo e stracciatella; linguado grelhado, e cheesecake de pêssego com iogurte grego e nêspera, uma fruta parecida com ameixa – doce, porém levemente ácida.
Equipe do talentoso peterburguense Evguêni Vikentev (restaurante Hamlet + Jacks) recebeu o chéf parisiense Atsushi Tanaka (A.T.Paris)
Divulgação/Hamlet+Jacks|A.T.Paris.Embora Moscou seja a maior e mais populosa cidade da Rússia, com mais de 6.000 restaurantes, é São Petersburgo que tem o maior número de estabelecimentos de comida per capita na Rússia. Como já virou tradição, na primeira quinzena de junho, durante o Gourmet Days Festival de São Petersburgo, os restaurantes mais badalados e inovadores da cidade oferecem um menu especial a preços baixos. Isso permite a todos experimentar esses lugares sem gastar uma enorme quantia de dinheiro.
“São Petersburgo está vivenciando um fenômeno único – o neobistrô (pratos assinados e criativos para o dia a dia). Nossa cidade é o único lugar no mundo onde se pode ter esse tipo de comida por apenas US$ 23. Em Paris, esse tipo de comida começa a partir de 35 euros. Então, queremos focar nossa atenção nesse fenômeno. Temos restaurantes realmente incríveis a par de outras capitais culinárias”, disse Aliona Melnikova, organizadora do festival, em seu discurso de abertura.
Dmítri Blinov do grupo Duo Band, restaurante Harvest
DivulgaçãoAlém disso, ao contrário de Moscou, há um número cada vez maior de pequenos restaurantes com foco em menus exclusivos, o que significa que os talentosos chefs da cidade têm muito espaço para criatividade. Alguns dos chefs que lideram o movimento são Dmítri Blinov do grupo Duo Band (seu restaurante Harvest acaba de entrar para o ranking mundial dos 100 melhores restaurantes, tornando-se o primeiro restaurante de São Petersburgo a conquistar isso, e o quarto na Rússia), e a equipe do Birch, que logo após a abertura, já tinha lista de espera de algumas semanas.
Novas tendências
Colaboração do restaurante Hide, de Londres, com o The Repa, de São Petersburgo
DivulgaçãoNos últimos anos, os peterburguenses se tornaram mais curiosos e abertos a provar coisas novas, o que tem estimulado os principais chefs da cidade a serem mais criativos, inovadores e dispostos a experimentar. Anna Kukulina, uma eminente jornalista russa de comida e pesquisadora da cultura gastronômica, acredita que São Petersburgo entrou na “era das narrativas”. Para ela, os chefs não podem mais simplesmente apresentar um prato – é preciso haver uma história por trás do que eles estão tentando fazer na cozinha.
“Nossos cardápios estão sempre mudando e não é apenas um prato que evoca emoções. Cada cardápio conta a história dos ingredientes e transmite as estações de São Petersburgo e as emoções de cada estação”, diz Olesia Drobot, chef do EM.
As redes sociais, segundo ela, estão trazendo uma nova era de transparência “e, em cinco a dez anos, os clientes russos se tornarão tão conscientes quanto os da Europa e dos Estados Unidos. Felizmente, há vários chefs que perceberam isso e estão trabalhando duro para criar essas novas tendências em São Petersburgo”, acrescenta.
Viktória Mosina, chef de cozinha do charmoso café Grün
DivulgaçãoO conceito de “baixo desperdício/ desperdício zero”, sustentabilidade e consumo responsável já está bem disseminado no Ocidente, mas ainda é uma ideia incipiente na sociedade russa. Ainda assim, Dmítri Blinov, do grupo Duoband, e Viktória Mosina, chef do café moderninho Grün, não só abraçaram essa concepção em seus respectivos estabelecimentos, mas também estão trabalhando incansavelmente para espalhar o conceito entre seus colegas do setor.
“Compartilhar é cuidar”
Ser a capital gastronômica não é apenas ter os melhores chefs e os pratos mais intrigantes, mas também retribuir. Alguns dos principais chefs e restaurantes da cidade fizeram uma parceria com a Nochlezhka, a mais antiga instituição de caridade russa que presta assistência aos moradores de rua. Com isso, os chefs ficam após o trabalho para preparar refeições para os desabrigados – uma ajuda especialmente importante nos meses rigorosos de inverno.
“Usarei a frase em inglês ‘share is care’(compartilhar é cuidar). Temos algo, então vamos compartilhar. Essa organização ajuda os sem-teto e pediu aos restaurantes que compartilhem as sobras de alimentos em vez de jogá-los fora. É tão fácil e compreensível e oferece uma grande ajuda aos necessitados sem que os restaurantes tenham quaisquer custos adicionais”, disse Aleksêi Burov, proprietário do grupo Dreamteam, durante discurso em um workshop do Gourmet Days de São Petersburgo.
De acordo com Maria Dementieva, chef do restaurante japonês Ezo Izakaya, é também importante notar que, nos últimos anos, cada vez mais mulheres estão começando a liderar a cozinha. “O que antes era considerado uma profissão estritamente masculina está se tornando mais inclusivo em São Petersburgo, e o gênero não é mais um fator que determina quem pode ou não entrar nesse campo.”
Economia em ebulição
De acordo com uma pesquisa realizada pelo Dreamteam em 2018, o mercado de restaurantes em São Petersburgo é estimado em 76,5 bilhões de rublos (1,2 bilhão de dólares). O dinheiro permanece no país, e cerca de 75% do lucro é reinvestido na economia da cidade, que é composta por diversas pequenas empresas, empreendedores e serviços. Os restaurantes são uma grande fonte de renda para pequenas empresas independentes, porque estabelecimentos pequenos e não tradicionais geralmente terceirizam o trabalho para pequenas empresas e artesãos.
Além disso, mais de 70 produtores de alimentos locais e regionais surgiram nos últimos três anos graças à crescente demanda por produtos frescos e orgânicos que não precisam – e, em alguns casos, não podem ser – mais ser importados.
“Vinho da Crimeia, torrefação de café em São Petersburgo, queijos de Voronej – pode escolher. Costumávamos comprar apenas produtos importados, mas agora, comprando mais produtos locais, nos tornamos mais interessantes para os turistas da Europa Ocidental, da Ásia e dos EUA. Eles estão interessados em experimentar sabores autênticos da região de Leningrado, por exemplo. Fortalecendo os elementos locais, nos tornamos mais interessantes”, explica Aleksêi Burov. Ele acredita que a cidade poderá atrair até três milhões de turistas gastronômicos até 2023.
“Vai dar muito trabalho, mas é realista. Nós já sentimos esse impacto – mais e mais turistas estão chegando. Em média, eles gastam 200 a 250 euros por dia em hospedagem e alimentação/bebidas. Assim, estão melhorando nossa vida e oferecendo mais oportunidades para os cidadãos de São Petersburgo”, acrescenta Burov.
Mas, afinal, depois de toda essa conversa, São Petersburgo é capital gastronômica da Rússia ou não? Ao que tudo indica, no ano de 2019, a resposta é sim.
Autorizamos a reprodução de todos os nossos textos sob a condição de que se publique juntamente o link ativo para o original do Russia Beyond.
Assine
a nossa newsletter!
Receba em seu e-mail as principais notícias da Rússia na newsletter: