O julgamento de Pugatchov, por Vassíli Perov, 1879.
Museu Russo“Que Deus permita que nunca mais vejamos uma revolta tão impiedosa e sem sentido”, diz o herói do romance histórico do escritor russo Aleksandr Púchkin “A Filha do Capitão”, sobre a revolta de Emelian Pugatchov (também grafado como Iemelian Pugachev em português).
Na história da Rússia houve muitas revoltas e guerras camponesas, mas nenhuma atingiu tal escala e se mostrou tão perigosa para o governo e o monarca.
O ano de nascimento do cossaco do Don Emelian Pugatchov não foi documentado. Em 1774, Pugatchov, durante o interrogatório, afirmou ter 32 anos. Até cerca de 28 anos de idade, o cossaco serviu fielmente ao governo tsarista e participou das diversas guerras contra a Prússia e o Império Otomano. No entanto, em 1771, ele desertou e fugiu para o sul dos montes Urais, onde começou a viver com os cossacos locais.
Retrato do líder russo da revolta camponesa Emelian Pugatchov.
Legion MediaDevido a uma doença na juventude, Pugatchov ficou com cicatrizes no peito, e foram elas que desempenharam o papel fatídico. Viajando com outros cossacos, certo dia, Pugatchov conheceu um soldado aposentado, com quem eles foram à bânia (sauna russa). Vendo as cicatrizes, o soldado perguntou sobre sua origem. Pugatchov, provavelmente não sóbrio e de brincadeira, respondeu que não eram cicatrizes, mas os “sinais do tsar”, declarando que ele não era um cossaco, “mas seu soberano Piotr Fiódorovitch”. Por alguma razão, os camponeses simples acreditavam que os monarcas tinham marcas especiais em seus corpos, que provavam sua conexão com Deus.
O imperador Piotr Fiódorovitch Romanov, conhecido como Pedro 3º, morreu misteriosamente durante o golpe palaciano de 1762 orquestrado pela sua esposa, Catarina 2ª — que a alçou ao trono. As circunstâncias misteriosas da morte do imperador deram origem a especulações e teorias da conspiração na sociedade russa. Houve até mesmo boatos de que o soberano seguia vivo, o que significaria que Catarina 2ª, a Grande, havia ocupado o trono ilegalmente.
Líder cossaco da revolta camponesa, Emelian Pugatchov. Século 18. ‘Trazendo armas para Pugatchov’, 1924 — Pintura a óleo de M. Avilov, Museu de História do Estado, Moscou.
Sovfoto/Getty ImagesOs historiadores não sabem se Pugatchov se autodenominou imperador deliberadamente ou se não deu muita importância à sua “piada”, mas as notícias sobre o monarca legítimo sobrevivente imediatamente começaram a se espalhar por todas as aldeias próximas. Isso aconteceu porque a “piada” de Pugatchov nasceu no momento certo e na hora certa.
Entre os camponeses, a insatisfação com o governo e com o endurecimento da servidão crescia rapidamente, os cossacos dos Urais estavam indignados com a privação de suas antigas liberdades. Pouco antes da chegada de Pugatchov, eles já haviam entrado em um conflito armado aberto com as tropas da imperatriz.
Pugatchov era um homem forte, de pele escura — não se parecia em nada com o ex-monarca, mas as pessoas comuns queriam vê-lo assim mesmo. Os insatisfeitos precisavam de um líder legítimo para dirigi-los na luta pela justiça.
“Assim como vocês, meus amigos, serviram os ex-tsares até a última gota de seu sangue, como fizeram os seus tios e pais, também vocês servirão à sua pátria e a mim, o Grande Imperador Piotr Fiódorovitch. Quando vocês defenderem sua pátria, sua glória cossaca e glória dos seus filhos não desaparecerão de agora em diante e para sempre!”, assim, em setembro de 1773, o “tsar milagrosamente salvo” se dirigiu a seus súditos.
Pugatchov cedeu liberdades, privilégios e terras a todos, proclamou a luta contra os opressores nobres, prometeu a libertação da servidão e a diminuição dos impostos. Isso, obviamente, facilitou o processo de atração de apoiadores para as fileiras de seu exército.
Luta com as tropas de Pugatchov, 1891. Encontrado na Coleção da Biblioteca do Estado Russo, Moscou. Nikolai Nikolaievitch Karazin (1842-1908)
Fine Art Images/Heritage Images/Getty ImagesNo entanto, na realidade, a “luta pela justiça” rapidamente se transformou em terror sangrento. Os rebeldes saquearam propriedades e mataram impiedosamente todos os nobres, oficiais e camponeses que desejavam permanecer leais à imperatriz Catarina 2ª.
Por exemplo, os rebeldes esfolaram vivo o comandante da fortaleza de Tatischev, o coronel Eláguin, e “cobriram suas feridas com gordura interna dele, até que ele finalmente morresse”.
Executados por Pugatchov (1878), por Vassíli Perov.
Legion MediaA rebelião de Pugatchov durou por quase dois anos, durante os quais o impostor aterrorizou os vastos territórios dos montes Urais, da região do Volga e da então Bachquíria, região habitada por povos locais que praticam o budismo e eram cada vez mais oprimidos pelo governo central russo. Pugatchov conseguiu atrair mais de 70 mil pessoas para o seu exército, que saqueou pequenas fortalezas e cidades e até conseguiu infligir diversas derrotas às tropas governamentais. O exército do impostor, obviamente, não era profissional e também sofreu derrotas das unidades militares da imperatriz, que eram menores, porém bem treinadas. No entanto, apesar das perdas graves, o impostor facilmente conseguia atrair novos apoiadores para o seu exército heterogêneo. A situação para o governo se tornou especialmente complicada porque as unidades mais prontas para o combate estavam envolvidas nas batalhas contra os turcos, longe da rebelião.
Os rebeldes até conseguiram invadir Kazan, mas outras grandes cidades como Orenburg e Tsarítsin (atual Volgogrado), conseguiram resistir, uma vez que Pugatchov não tinha armas de cerco.
Líder cossaco Emelian Pugatchov ataca Kazan em 1774.
Legion MediaO exército de Pugatchov foi enfim derrotado pelos melhores comandantes militares do exército imperial em setembro de 1774. O impostor foi capturado e entregue às tropas tsaristas pelos seus próprios camaradas.
O impostor, junto com cerca de 85 de seus cúmplices mais próximos, foi levado a Moscou para julgamento. Durante a investigação, que durou quase um mês, Pugatchov falou detalhadamente sobre toda a sua vida, o serviço militar e todos os pequenos detalhes das campanhas militares. A imperatriz conversou pessoalmente com os investigadores e tentou obter o máximo de informações sobre como tal revolta se tornou possível.
Ilustração de 1775 mostra Pugatchov acorrentado dentro de uma gaiola
Bettmann/Getty ImagesCatarina 2ª não queria parecer cruel, sobretudo aos olhos dos seus homólogos europeus, e, como resultado, apenas algumas pessoas foram condenadas à morte, além do próprio Pugatchov. Todos os outros líderes da revolta foram enviados para o exílio. Pugatchov foi condenado ao esquartejamento. Na véspera da execução, ele se comportou com dignidade, subiu ao local da execução, benzeu-se nas catedrais do Kremlin, curvou-se para os quatro lados com as palavras “Perdoe-me, povo ortodoxo”. A pedido da imperatriz, o esquartejamento também foi realizado, digamos, de forma humana. Primeiro, foi cortada a cabeça e só depois os braços e as pernas.
Execução de Pugatchov. Gravura do século 18.
Universal History Archive/Universal Images Group/Getty ImagesForam necessários mais alguns meses para suprimir todos os focos de resistência. Nas regiões, porém, os governadores não tinham vergonha da crueldade, milhares de rebeldes foram executados de maneira desumana.
Catarina 2ª ordenou que a rebelião caísse no esquecimento. O rio perto do qual começou a rebelião e a aldeia natal de Pugatchov foram renomeados. Até a família dele também mudou seu sobrenome para Sitchev.
A imperatriz e o governo tiraram lições da rebelião e, antes de mais nada, tentaram melhorar as condições de vida dos camponeses. Além disso, a política do Estado em relação aos cossacos e às outras etnias oprimidas, que se juntaram em massa ao exército ilegal, tornou-se mais cautelosa.
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