"Troika no inverno", Nikolai Svertchkov, 1883.
Galeria Tretiakov“Se um russo tiver bebido um copo a mais, não há como fazê-lo dirigir à maneira alemã, ou seja, a passo ou trote. Ele vai gritar, cantar e galopar até que o sono o domine e as rédeas caiam de suas mãos”, escreveu o historiador Mikhail Zagôskin no livro “Russos no início do século 18”. Cavaleiros bêbados eram um fenômeno comum nas vias e, antes da revolução, não eram menos perigosos do que os motoristas de hoje. Mesmo que a velocidade fosse menor, as chances de morrer na estrada eram relativamente maiores.
Puxando as rédeas, 1884, Pável Kovalevski.
Domínio públicoVladímir Korchunkov, pesquisador da história das estradas russas, cita uma publicação do jornal “Viatskaia Retch” de 1914:
“As professoras de uma escola feminina, Kôltchina e Bagáieva, estavam voltando para cidade de Sarapul na véspera de Natal. Elas viajavam com um único cavalo. Kôltchina estava carregando sua filha de três anos. Perto da aldeia de Purgi, as viajantes sofreram um acidente com uma carroça com vinho. Após o impacto, o ‘kochovka’ [trenó de inverno de dois lugares] com as professoras capotou e caiu em uma vala, esmagando as senhoras e o cocheiro. As pessoas na carroça com vinho, que haviam empurrado as professoras para a vala, seguiram seu caminho como se nada tivesse acontecido. No fim, Kôltchina morreu asfixiada e Bagáieva sobreviveu.”
Uma troika atolada na lama, 1889, Pável Kovalevski.
Domínio públicoO número de mortes nas estradas da Rússia pré-revolucionária era muito alto. Era sobretudo perigoso capotar em uma carruagem carregada de malas: baús e cestas podiam esmagar os passageiros e sufocá-los. Os cavaleiros também não estavam seguros — o cavalo poderia lançá-los para fora da sela. Cair do cavalo com o pé preso no estribo significava morte rápida.
Os nobres também corriam o risco de serem aleijados ou mortos no caminho. Em 1853, Aleksandra Tiútcheva estava com tanta pressa para chegar de Oriol a São Petersburgo para receber o título de dama de honra da corte imperial que a sua carruagem acabou capotando. “Eu me vi junto com minha carruagem capotada em uma vala profunda, com uma concussão na cabeça”, escreveu Tiútcheva. Os problemas na estrada também atingiram os imperadores. Em 1836, a carruagem do imperador Nicolau 1º capotou perto da cidade de Tchembar, na região de Penza. O imperador quebrou a clavícula e teve que caminhar mais de 18 quilômetros até a cidade mais próxima.
Uma ‘lineika’ (carruagem de transporte público) de Moscou a Kuzminki, 1892, Valentin Serov.
Museu RussoCair da carruagem era algo muito comum, especialmente em descidas e curvas. Não havia freios em carruagens e carroças, apenas calços de madeira colocados sob as rodas para desacelerar o deslizamento na descida. O pintor russo Iliá Rêpin escreveu sobre a sua viagem de Kharkov para Moscou em 1863: “É assustador descer grandes colinas [...] Na estação fria, ficamos esperando por um bom tempo embaixo da montanha enquanto o cocheiro trazia ajuda das estações locais [...] Houve muitos acidentes em nosso caminho, há valas profundas cavadas ao longo das estradas, e mais de uma vez, depois de acelerar, a carruagem sem freio capotou nessas valas”.
Ponte perto do moinho, 1908, Konstantin Koróvin.
Galeria Regional de Arte de TverNa Rússia do século 16 ao 19, a palavra “ponte” era usada para chamar não apenas uma construção de pedra sobre um rio, mas também tábuas, troncos ou até galhos jogados na lama ou no pântano. Não era possível cair de uma ponte dessas, mas perder os cavalos e a carruagem na lama era comum.
As pontes altas sobre rios também eram perigosas. Em 1723, o primeiro imperador russo, Pedro, o Grande, escreveu para a sua esposa Ekaterina: “As pontes sobre muitos rios são altas e não são fortes. É melhor atravessar a pé ou em uma carruagem de um cavalo”. Assim, todas as caravanas de muitas carruagens e muitos cavalos eram obrigadas a escolher rotas com as melhores e mais fortes pontes, o que aumentava significativamente o tempo da viagem.
O Marquês de Custine escreveu, em seu livro “Rússia em 1839”, ter encontrado “muitas pontes de tábuas ruins, entre as quais uma me pareceu simplesmente perigosa”, “pontes tortas e perigosas, que muitas vezes não têm pilares mais importantes”.
Pessoas suspeitas, 1882, Konstantin Savitski.
Museu RussoAs pontes eram os lugares mais perigosos na Rússia também porque eram um ponto de encontro para mendigos e ladrões. Era um lugar por onde muitas pessoas passavam, mesmo em áreas pouco povoadas. Além disso, como Vladímir Korchunkov escreve em seu artigo “Pontes, ladrões, mendigos", “as pontes rodoviárias estavam localizadas em uma planície ou ravina, onde o caminho se estreitava. Ali começava uma ponte frágil, especialmente perigosa ao anoitecer, e as pessoas que viajavam sempre diminuíam a velocidade ou até saíam da carruagem. Ótima oportunidade para assaltar”.
“Ladrão adora hóspedes viajantes e os cumprimenta embaixo da ponte”, costumavam dizer os russos sobre os ladrões. O entendimento da ponte na cultura tradicional como um lugar onde vive o mal também desempenhou um papel na percepção nacional. Os camponeses supersticiosos tinham medo de pontes, e o medo é a melhor condição para um assalto. Debaixo da ponte, era possível não apenas se esconder, mas também armazenar o saque e jogar no rio os corpos de pessoas que resistiam e acabavam mortas.
Havia ladrões sob pontes até mesmo em Moscou; no século 18, haviam muitas gangues sob os arcos da ponte Vsekhsviátski.
Os bandidos eram principalmente camponeses que fugiam dos maus proprietários, do exército ou de impostos. Os soldados, que frequentemente eram armados com fuzis, também passaram a roubar. No entanto, às vezes, as gangues de ladrões estavam armadas não apenas com fuzis, mas também com canhões, com os quais podiam parar e roubar as carroças dos comerciantes.
O governo criou equipes militares especiais para combater ladrões, mandou cortar florestas ao longo das estradas, perto das cidades e das pontes, porém não conseguiu resolver esse tipo de crime até a queda do Império Russo.
Desvio da Diocese, 1885, Pável Kovalevski.
Galeria TretiakovDuas carruagens não conseguem dividir uma rua estreita — essa era a razão mais frequente para conflitos na estrada na Rússia tsarista. Muitas carruagens eram compostas por vários cavalos, tinham grandes rodas e eixos e, em uma rua estreita de uma aldeia ou cidade, não havia como passar sem definir quem deve ceder a passagem. E se um chicote acertasse o cavalo de outra pessoa, isso definitivamente levaria a uma briga violenta.
Korchunkov cita materiais da agência etnográfica sobre conflitos nas estradas do norte da Rússia: “Quando um homem em uma carroça, especialmente no inverno, se encontra com um outro homem na rua estreita, ninguém se afasta. Frequentemente um deles cai do trenó ou quebra alguma coisa. Ele persegue o culpado e bate com um chicote, o outro pega o que puder: um machado, e também sai para bater no inimigo”.
O cocheiro. Da série “Tipos russos”, década de 1920, Boris Kustodiev.
Museu Nacional "Galeria de Arte de Kiev"Estava claro quem deve ceder o caminho no caso de encontro de um barão e um camponês, um nobre e um pequeno nobre, um mensageiro e uma carruagem postal. Em todos esses casos, os menos nobres e os mais novos tinham que dar passagem. Mas até nesses episódios houve conflitos, sobretudo no inverno, durante as tempestades de neve, quando a estrada estava cercada por montes de neve. Os menos nobres ou camponeses tinham que descer e cavar neve para limpar um lugar para seus cavalos e a carroça na beira da estrada, o que levava muito tempo.
No caso de encontro das pessoas mais ou menos iguais, por exemplo, militares e nobres, eles começavam a se “classificar”, ou seja, descobrir quem era mais alto na hierarquia, quem tinha servido por mais tempo e quem era mais velho. Os camponeses tinham suas regras não escritas: uma carruagem vazia deve ceder o caminho a uma carregada, uma carruagem com um número menor de cavalos, a uma com mais cavalos. E quando uma pessoa importante estava viajando, por exemplo, um governador, seus cocheiros gritavam de longe para todas as carruagens deixarem o caminho.
Ataque de lobos, 1860, Nikolai Svertchkov.
Domínio públicoOutro perigo mortal eram lobos famintos que ameaçavam os viajantes em todo o território da Rússia tsarista. Muitos lobos tinham raiva, por isso, uma uma mordida apenas poderia representar uma ameaça à vida.
Como escreveu o cirurgião Pierre da Lamartignen, que visitou o norte da Rússia em 1653, havia “tantos ursos e lobos que ficávamos constantemente com medo [...] esperando um ataque a cada minuto”.
Nas florestas do norte, onde havia veados selvagens e outros animais silvestres, os lobos não eram tão ferozes quanto na Rússia central, onde havia muitos caçadores e menos animais caçados por lobos.
Korchunkov cita um relato de 1869 da província de Viatka: um lobo atacou dois camponeses, Matvei Chikhov e Kozmá Múkhin, “o primeiro tem a pele da cabeça arranhada até o osso, o lobo mordeu o nariz, a perna e o braço esquerdos. O segundo tem a bochecha esquerda, a têmpora e o braço direito mordidos. Ambos os camponeses sobreviveram ao ataque do animal, mas, alguns meses depois, Kozmá Múkhin morreu de raiva.
Os lobos entravam nas aldeias e atacavam os viajantes. Para assustá-los, os cocheiros acendiam feixes de palha, colocavam tochas acesas em suas carruagens e carroças, e os viajantes levavam consigo pistolas e fuzis.
Korchunkov descreve o ocorrido com o bispo da cidade de Dmitrov, Serafim, quando viajava com um cocheiro em meados da década de 1920 perto da estação de Kubinka, a 50 km de Moscou. “O cavalo, humilde e obediente, de repente correu, de modo que as rédeas estouraram; ele sentiu o cheiro dos lobos, cujos olhos já brilhavam na escuridão. Os lobos correram para a frente e voltaram em minha direção. Queria assustá-los, acender o papel, eles têm medo de fogo, mas os fósforos ficaram úmidos. No final, um lobo perseguiu a carroça, mas conseguimos assustá-lo com gritos. Aparentemente, os lobos não estavam com muita fome e eram poucos”. O bispo Serafim teve sorte, mas, nas áreas mais remotas da Rússia, os lobos caçam em bandos e representam um perigo para viajantes e moradores locais ainda hoje.
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