Mesmo antes de organizar um golpe de Estado e se tornar a imperatriz da Rússia, Catarina já surpreendia os seus amigos e apoiadores mais próximos com a sua vontade de ferro, hipocrisia e desejo inexorável de alcançar os seus objetivos mais ambiciosos. Vejam só o que aconteceu com ela entre 1761 e 1762. No outono de 1761, Catarina engravidou de seu amante, Grigóri Orlov (1734-1783), e teve que esconder esse fato de seu marido Pedro (1728-1762), que se tornaria o próximo imperador russo Pedro 3º, após a morte de Isabel da Rússia (1709-1762).
Retrato de Grigóri Orlov, por Fiodor Rôkotov, 1762.
Fiodor RôkotovA grã-duquesa Catarina era obrigada a participar de diversas cerimônias da corte e seguir a moda contemporânea. Assim, tinha que usar espartilho apertado, com o qual deveria dançar e fazer reverências. Com uma criança no ventre, isso lhe causava dor, sofrimentos e vômitos — mas ela conseguiu esconder a gravidez com sucesso. Em dezembro de 1761, a imperatriz Isabel da Rússia faleceu, e o marido de Catarina se tornou o imperador Pedro 3º da Rússia, o que permitiu a ele iniciar um relacionamento com Elizaveta Vorontsova, “uma adolescente vulgar com rosto marcado por varíolas”, que se mudou para os aposentos do imperador.
A esposa oficial Catarina, por sua vez, foi expulsa para a ala traseira do Palácio de Inverno, residência oficial dos imperadores. Ali, ela começou a se reunir com os amigos e fazer os preparativos para o golpe de Estado.
Aleksêi Bôbrinski
Domínio públicoEntre muitas de suas excentricidades, Pedro 3º era piromaníaco. Sempre que havia um incêndio em São Petersburgo, Pedro corria para o local junto com seus cortesãos e observava as chamas consumirem os edifícios. Assim, quando chegou a hora de Catarina dar à luz, seu criado Vassíli Chkúrin incendiou a sua própria casa, e o imperador imediatamente partiu do palácio para ver o incêndio. Enquanto isso, Catarina dava à luz ao pequeno Aleksêi.
Ele nasceu uma criança fraca, aparentemente devido às tensões que sua mãe sofreu durante a gravidez. Vassíli Chkúrin, que ajudou durante o nascimento de Aleksêi, foi encarregado da educação do menino. Aleksêi foi criado e estudava em casa. Catarina, que amava seu filho bastardo, apesar dos riscos de ser descoberta, às vezes visitava a casa de Chkúrin, que tinha sido reconstruída após o incêndio.
Retrato de Aleksêi Bôbrinski (aos 7 anos, em 1769), por Carl-Ludwig Christinek.
Carl-Ludwig ChristinekAleksêi mantinha boas relações com Chkúrin. Mais tarde, em 1782, quando Chkúrin morreu, ele escreveu: “Fiquei profundamente triste com isso. Ele era muito gentil comigo, e sou grato a toda a sua família [...] À noite, não consegui dormir; fiquei pensando no falecido. Chorei por uma hora inteira”.
Os historiadores não têm certeza de que Aleksêi sabia quem era sua mãe, segundo o doutor em ciências psicológicas e especialista na dinastia de Romanov, Evguêni Ptchiolov. Em 1765, a imperatriz Catarina presenteou o menino com uma aldeia, chamada de Bôbrikovo, para lhe dar apoio financeiro. No referente despacho, a mãe escreveu que Aleksêi era filho de um capitão do Exército, “que sofreu por Nós [a Imperatriz]”. Obviamente, Catarina criou uma lenda para esconder a verdadeira origem de Aleksêi. Na mesma ordem, ela o chamou de “príncipe Sítski”, classificando-o entre os príncipes da antiga linhagem dos ruríquidos que terminara no século 17. Catarina não queria que seu filho se envolvesse nas intrigas da corte e se tornasse um dos pretendentes ao trono russo. Felizmente, isso jamais aconteceu com Aleksêi. Ele tinha outras questões a lidar.
Retrato de José de Ribas, por Johann Baptist von Lampi, 1796.
Johann Baptist von Lampi the ElderDepois de passar quatro anos em uma instituição educacional em Leipzig com outros filhos de Chkúrin, Aleksêi retornou à Rússia em 1774, onde se tornou discípulo de Ivan Betskói (1704-1795), um educador proeminente, secretário pessoal de Catarina e filho bastardo do marechal do exército Ivan Trubetskói. Aleksêi, nas palavras de Betskói, tinha “uma constituição fraca, era tímido, acanhado, insensível a tudo, porém manso e obediente”. Aos 13 anos, o menino tinha apenas conhecimentos básicos de francês e alemão, um pouco de matemática e um pouco de geografia.
Ivan Betskôi, porém, conseguiu despertar no jovem Aleksêi Bôbrinski (ele começou a usar esse sobrenome, que provém do nome da sua aldeia Bôbrikovo) o interesse pelas ciências. Aleksêi se formou pelo Primeiro Corpo de Cadetes, onde foi orientado por José de Ribas (1751-1800), um nobre espanhol a serviço da Rússia e tutor do Corpo. De Ribas era uma figura controversa: ele exigia dos cadetes um comportamento impecável, mas bebia demais e mantinha um comportamento promíscuo. Bôbrinski odiava seu tutor e preferia as aulas de Betskôi, que ajudou o jovem a se formar com uma medalha de ouro e se tornar um oficial militar.
Retrato de Ivan Ivanovitch Betskôi, por Alexander Roslin, 1777.
Alexander RoslinEm 1781, Bôbrinski recebeu uma carta da imperatriz: “Fui informada que sua mãe, inibida por diversos inimigos poderosos, devido às terríveis circunstâncias daquela época, e salvando a si mesma e ao filho mais velho, teve que esconder o fato de seu nascimento”. Podemos supor que, a julgar por essas palavras e pelo tratamento excepcional que recebeu dos mais altos cortesãos do Império, Bôbrinski podia supor de quem era sua mãe.
Pouco depois de se formar, ele partiu para uma grande viagem pela Rússia e depois pela Europa. Durante esta jornada, ele deixou seus tutores e supervisores preocupados com seu comportamento. Bôbrinski não se cansava de beber e das mulheres. Acabou contraindo dívidas enormes que foram pagas pela imperatriz. Ele não conseguia parar de jogar cartas e até escreveu um pequeno panfleto: “Notas sobre Jogos de Cartas”.
“Esse jovem é imprudente, mas não acho que ele seja mau ou desonroso, ele é jovem e adora se envolver com companhias obscenas. Ele enlouqueceu os tutores que estavam com ele. Queria viver livremente e essa liberdade foi-lhe concedida”, escreveu a imperatriz com pesar sobre o seu filho bastardo.
Anna Bôbrinskaia (1769–1846), esposa de Bôbrinski.
Domínio públicoBôbrinski morou com diferentes mulheres em Paris e Londres, mas, em breve, sua mãe ordenou que ele fosse levado de volta à Rússia. Em 1788, Aleksêi retornou e foi enviado para morar na remota cidade de Revel (atual Tallin, capital da Estônia). Lá, em 1796, casou-se com Anna von Ungern-Sternberg (1769-1846), uma baronesa de uma antiga família báltico-alemã, mas também uma mulher bem-humorada e gentil. Após o casamento, Bôbrinski e sua esposa foram autorizados a ir para São Petersburgo. Catarina recebeu o casal, dizendo a Anna: “Como você teve a coragem de se casar com esse cavalheiro indecente!”. Obviamente, a imperatriz ainda estava brava com Aleksêi por seu comportamento e dívidas.
Paulo 1º da Rússia.
Domínio públicoO exílio de Bôbrinski na Estônia terminou logo após a morte de Catarina. O seu meio-irmão, o então novo imperador Paulo 1º, o convidou a regressar a São Petersburgo.
Paulo cumprimentou o seu único irmão de todo o coração e enfim deixou oficialmente clara a origem de Bôbrinski. “Fui apresentado à imperatriz [Maria Fiódorovna] e aos grão-príncipes Alexandre, Constantino e Nicolau [...] Fui até o corpo da falecida imperatriz e beijei sua mão… Todos olharam surpresos e confusos sem saber como interpretar a minha aparição”, escreveu Bôbrinski mais tarde. “Durante o jantar, o imperador e a imperatriz conversaram várias vezes comigo e, de repente, os olhos de todos os presentes estavam voltados para mim.” As amizades feitas durante o reinado de Paulo duraram muito tempo. Mais tarde, após a morte de Bôbrinski, sua viúva Anna ainda era calorosamente recebida na corte imperial, o imperador Nicolau 1º chamava-lhe de “ma tante” (“a minha tia”).
Palácio de Bôbrinski, em Bogoroditsk, na região de Tula.
Aleksandr Riúmin/TASSPaulo concedeu a Aleksêi o posto de conde, nomeou-o general do Exército e comandante de um batalhão de guarda de cavalaria — apenas para demiti-lo um ano e meio depois, a pedido do próprio Bôbrinski.
Nos últimos anos da sua vida, ele se mudou para a pequena cidade de Bogoroditsk, na região de Tula, onde iniciou estudos agrícolas, geográficos e astronômicos. A herança científica da educação de Ivan Betskói finalmente rendeu frutos: Bôbrinski se tornou o pai da produção de açúcar no Império Russo. Embora o próprio Aleksêi estudasse sobretudo agricultura, o seu filho, também Aleksêi, se tornou o fundador de uma fábrica de açúcar, produzido a partir de beterraba. Engenheiro e economista, Bôbrinski júnior também foi membro do Conselho do Ministério das Finanças do Império.
Palácio de Bôbrinski, São Petersburgo.
Legion MediaAleksêi Bôbrinski morreu em 1813, aos 51 anos de idade; aparentemente, o estilo de vida conturbado de sua juventude teve um preço alto. Mas seus descendentes continuaram a ocupar os mais altos cargos no Império ao longo de todo o século 19. Os inúmeros descendentes de Bôbrinski vivem na Europa e nos Estados Unidos até hoje. A maioria deles são cientistas, assim como o seu progenitor nos últimos anos de vida.
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