Como Pedro, o Grande, salvou mulheres russas de cosméticos tóxicos

História
GUEÓRGUI MANÁEV
Antes do século 18, todas as russas que faziam parte da nobreza usavam maquiagem e uma quantidade enorme de cosméticos feitos de substâncias perigosas para a saúde, o que surpreendia os estrangeiros. O primeiro imperador russo, porém, protegeu milhares de mulheres russas ao proibir esse costume.

Anna Matveeva [esposa de Andrêi Matveev] “é a única mulher neste país que não usa tinta branca e rouge no rosto, e por isso ela é muito bonita”, afirmou Foix de la Neuville, diplomata francês na Rússia, em 1689.

Enquanto outras mulheres da nobreza russa abusavam da maquiagem, pintavam enormes sobrancelhas pretas e embranqueciam o rosto, Anna Matveeva brilhava com uma beleza natural.

Seu marido, Andrêi, era filho de Artamon Matveev, chefe do governo do tsar Aleksêi Mikhailovitch Romanov, também conhecido como Aleixo da Rússia.

Artamon Matveev era o dono da casa em que foi criada Natália Naríchkina, mãe do futuro imperador Pedro, o Grande, que acabaria com o excesso de maquiagem tóxica e forçaria as russas a seguir a moda europeia.

Desde a infância, o filho de Natália Naríchkina, que se tornaria o tsar Pedro, não gostava da tradicional Rússia moscovita, incluindo as damas nobres, com suas constrangedoras e desajeitadas saias compridas e enormes quantidades de maquiagem. Ele gostava muito mais de mulheres europeias em vestidos decotados e conseguiu mudar a moda russa com suas reformas.

“As mulheres são obrigadas a usar trajes alemães”

A moda europeia começou a chegar à Rússia ainda antes, durante o reinado do pai de Pedro, Aleixo da Rússia. Mas, até então, as inovações afetaram apenas a moda masculina. Os trajes femininos permaneciam estritamente tradicionais e muito parecidos com os masculinos: vestidos longos, de muitas camadas, com pele por dentro, nos punhos e na gola.

Era possível distinguir as mulheres dos homens apenas pelo excesso incrível de cosméticos: tinta branca à base de chumbo para embranquecer os rostos e rouge grosseiro. Não apenas os “europeus russos” como Hamilton ou o tsar Pedro não gostavam disso. O arcipreste Avvakum, eclesiástico e escritor russo do século 17, escreveu: “Algumas mulheres desfiguram seus rostos colocando muitas camadas de tinta: um rosto é vermelho, outro branco, outro azul e parece com o rosto de uma fera vil: um macaco".

O tsar Pedro começou suas reformas da moda russa poucos dias depois de retornar da "Grande Embaixada", uma viagem diplomática na qual percorreu a Europa entre 1697 e 1698. Em 29 de agosto de 1698, foi emitido o decreto “Sobre uso de roupas alemãs, necessidade de cortar barbas e bigodes”.

Outros decretos sobre roupas novas foram emitidos em 1700, 1701 e 1705. No centro de Moscou foram instalados manequins com trajes europeus para que todos soubessem como se vestir. O uso de roupas “erradas” nas cidades era punido com multas significativas: 40 copeques (0,4 rublo) para quem estava a pé e 2 rublos para quem estava a cavalo. Para efeito de comparação, naquela época, 10 quilos de carne bovina custavam cerca de 20 copeques. O decreto também afetou todas as mulheres russas: “as mulheres de todas as categorias são obrigadas a usar trajes alemães”.

Apesar dos protestos e até revoltas logo após a publicação das determinações, em pouco tempo as roupas alemãs se tornaram comuns. A partir de 1717, Pedro passou a realizar assembleias, nas quais ele e sua esposa Catarina mostravam como se vestir, dançar e se divertir. Mas como tudo isso afetou os cosméticos femininos?

Falta de bom gosto e de alfaiates experientes

A moda feminina alemã do início do século 18 era muito diferente da russa: braços, decote e costas expostos, além do uso de cocares e penteados. Esse estilo era incompatível com os cosméticos russos do século 17, porque seria muito caro clarear o peito, as costas e os braços. Além disso, os cosméticos impediam o novo costume de rir e dançar, algo que, até então, as mulheres russas nunca faziam em público.

Quando a dança se tornou um entretenimento comum, e a habilidade de dançar se tornou um indicador de nobreza, as mulheres foram obrigadas a mudar o seu modo de vida.

Na Rússia Antiga antes do império de Pedro, o Grande, as mulheres costumavam não se mover sem necessidade e andavam "como pavoas": suas pernas ficavam escondidas sob longas saias, parecendo que estavam flutuando, enquanto o topo do corpo parecia imóvel. Em contraste, as mulheres do século 18, com braços e costas nus, estavam em constante movimento, flertando, rindo e dançando. Os cabelos, que na Rússia Antiga as mulheres costumavam esconder sob as roupas, considerando-os parte do corpo nu, na nova moda se tornaram parte integrante da aparência, com seus penteados estilosos. Perucas e chapéus extravagantes também viraram tendência após os decretos do imperador.

Para combinar tudo isso, faltava não apenas bom gosto, mas também alfaiates experientes. Nas décadas de 1710 e 1720, alfaiates e designers de moda estrangeiros estavam apenas começando a ensinar seus pares russos. Assim, até os altos funcionários do Estado na Europa pareciam deslocados. “O vestido que ela usava provavelmente foi comprado em um mercado de rua. Era de estilo antiquado e todo enfeitado com prata e lantejoulas. A julgar pela sua roupa, era possível confundi-la com uma artista itinerante alemã”, afirmou Guilhermina da Prússia, citada pela historiadora Irina Klimovítskaia no seu artigo "Reformas da moda de Pedro". Guilhermina fez o comentário sobre a esposa do monarca russo após ver o tsar e a tsarina durante sua visita a Berlim, em 1719. 

"Сomo uma verdadeira russa"

Entre 20 e 30 anos tiveram que se passar antes que as mulheres russas pudessem competir com as europeias. Em meados do século 18, a tinta branca à base de chumbo foi substituída pela moda de uma pele natural e remédios faciais à base de ervas.

Para embranquecer o rosto, a pele era lavada com leite fresco, salmoura de pepino e decocção de centáurea. Para limpar a pele, segundo a culturalista Oksana Maiakova, eram usados produtos à base de gordura de lobo, pomadas à base de clara de ovo e óleos de espigas de trigo em flor.

A imperatriz russa Catarina, a Grande (1762-1796), escreveu que na juventude sofria de acne e espinhas no rosto, mas seu médico a ajudou: “Ele tirou do bolso um pequeno frasco de óleo de talco e me disse para colocar uma gota em um copo de água e molhar o rosto de vez em quando, por exemplo, semanalmente. De fato, o óleo de talco limpou meu rosto e, depois de 10 dias, consegui sair em público”.

O método russo mais famoso para o frescor do rosto e da pele, usado por todos - desde camponesas até rainhas -, era neve e gelo. Durante os longos invernos frios, as camponesas mergulhavam em água gelada ou neve após sair da sauna. Os nobres usavam pequenos pedaços de gelo todos os dias para limpar a pele do rosto.

“Todas as manhãs eles me trazem um prato com pedaços de gelo tão grosso quanto vidro de um copo. Como uma verdadeira russa, eu esfrego nas bochechas, o que, como eles me garantem, me dará uma boa aparência", afirmou a irlandesa Martha Wilmot, que visitou a Rússia na época de Catarina.

As russas, porém, não pararam de usar rouge. Mas, ao invés da versão à base de chumbo e mercúrio, extremamente tóxicos, elas começaram a comprar cosméticos importados ou produzidos de acordo com padrões europeus, seguros para a saúde. Durante o reinado de Catarina, a Grande, foram abertas quatro fábricas de pó compacto e cinco fábricas de rouge.

Um frasco de rouge era caro: 80 copeques (0,8 rublos). Para efeito de comparação, uma boa refeição em uma taberna custava cerca de 10 copeques.

“Usar maquiagem como faziam as bisavós já era impensável e ridículo. Os cosméticos ficaram mais diversificados: os rouges variavam em tonalidades, do escarlate ao rosa suave", conta a historiadora Marina Bogdánova.

No final do século 18, surgiram muitos livros e revistas populares sobre moda com receitas de pós, rouge, cremes e loções para preparar em casa. No início do século 19, a maquiagem excessivamente brilhante já era coisa do passado quase em toda a Rússia, exceto em algumas aldeias longe das grandes cidades.

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