O Russia Beyond compilou uma lista dos exilados mais famosos e explica como o governo comunista usava esse método para punir aqueles que discordavam da política do Estado:
Leon Trótski
Um dos fundadores da URSS e um dos políticos mais proeminentes da época, Leon Trótski, entrou em conflito político com Stálin em meados da década de 1920 – e saiu vencido dessa luta.
Em 1927, o criador do Exército Vermelho foi expulso do Partido e, em 1928, foi exilado para Almaty (atualmente, no Cazaquistão). Trótski recebeu um ultimato de Stálin: ele devia se calar e deixar completamente a vida política. Quando ele recusou, porém, o Politburo, ou seja, o comitê executivo do Partido Comunista da URSS decidiu expulsar Trótski do país.
Em fevereiro de 1929, Trótski, sua esposa e seu filho, acompanhados por agentes da OGPU (órgão que precedeu a KGB), foram levados para Istambul. Em 20 de fevereiro de 1932, o jornal Pravda publicou uma resolução do Presidium do Comitê Executivo Central da URSS, assinada pelo presidente Mikhail Kalínin, anunciando a privação da cidadania soviética a Trótski e aos membros de sua família “devido a atividades contrarrevolucionárias”.
Leia mais sobre porque Stálin mandou assassinar Trótski aqui!
Aleksandr Soljenítsin
Originalmente comunista por suas convicções, Aleksandr Soljenítsin decidiu se tornar um escritor na juventude e, pouco antes da guerra, ingressou na Faculdade de Letras. Com o início da Segunda Guerra Mundial, Soljenítsin começou a buscar ser recrutado para a frente de batalha.
Foi no exército que começou a criticar as atividades de Stálin, e escreveu suas críticas em cartas a um amigo. Devido a essas cartas, foi detido e preso, passando 8 anos em campos de trabalho forçado e três anos no exílio. Em 1957, após a morte do bigodudo ditador, o escritor foi reabilitado.
Sua experiência na prisão serviu de base para sua "prosa da Gulag", que começou a ser publicada na URSS na época de Khruschov. No entanto, com a chegada de Brejnev ao poder, Soljenítsin se tornou um "fora da lei" novamente.
Suas obras, não aceitas pela censura soviética, circulavam em “samizdat” (cópias caseiras de livros proibidos) e, em 1970, ele ganhou o Prêmio Nobel de literatura. Apesar da constante vigilância dos oficiais da KGB e das tentativas de envenená-lo, Soljenítsin recusou a oferta do governo de deixar a URSS.
No início de 1974, os líderes políticos da URSS discutiram o destino de Soljenítsin e decidiram privá-lo de sua cidadania e expulsá-lo do país, o que aconteceu em 12 de fevereiro de 1974. Logo, as cópias impressas das obras de Soljenítsin na URSS passaram a ser destruídas. Soljenítsin teve sua cidadania soviética restabelecida apenas em 1990 e, em 1994, voltou para a Rússia. Ele morreu em 2008, em Moscou.
Leia sobre as principais obras de Soljenítsin aqui!
Víktor Korchnoi
Devido ao seu caráter independente, o destacado jogador de xadrez Víktor Korchnoi (também grafado como Kortchnói em português) vivia em conflito com o sistema soviético desde a juventude, e escreveu sobre ele detalhadamente em seu livro "Notas de um Desertor".
Korchnoi tinha sido várias vezes campeão de xadrez pela URSS e era um dos melhores enxadristas do mundo, mas, em 1966, segundo o próprio, o governo lhe sugeriu que trocasse a cidadania. Ele, porém, se recusou. “Perdi 11 anos da minha vida assim”, lamentou-se Korchnoi mais tarde.
Em 1974, Korchnoi perdeu para Anatóli Karpov em uma partida de candidatos contra o campeão mundial Bobby Fischer. Durante a partida, realizada em Moscou, Anatóli Karpov contou com o óbvio apoio do "público": pessoas recrutas especialmente para a tarefa aplaudiam Karpov, enquanto reservavam apenas silêncio a Korchnoi.
Após a partida, Korchnoi criticou Karpov e o Comitê Esportivo da URSS na imprensa iugoslava. Depois disso, ele passou a ser ainda mais perseguido e perdeu a permissão de viajar ao exterior por um ano.
Quando a proibição foi levantada, Korchnoi partiu imediatamente para um torneio na Holanda, onde pediu asilo político. Ele recebeu asilo na Suíça, onde acabou ficando pelo resto de sua vida.
Em 1978, ele foi privado da cidadania soviética. "Korchnoi comete sistematicamente ações incompatíveis com o pertencimento à cidadania da URSS e prejudica o prestígio da URSS", lê-se na decisão do comitê político.
Em 1990, Korchnoi, junto com muitos outros "desertores" e dissidentes, teve sua cidadania restaurada, mas se recusou a retornar à Rússia — embora tinha visitado o país várias vezes para participar de torneios de xadrez.
Joseph Brodsky
Este é outro vencedor do Prêmio Nobel de Literatura e um poeta que ainda goza de incrível popularidade na Rússia. Sua personalidade “não batia” com o regime soviético e a estrutura social local: ele chegou até a passar um tempo na prisão por “parasitismo social”, já que era poeta e não tinha oficialmente um emprego — afinal, tampouco era aceito pela governista União dos Escritores Soviéticos.
Posteriormente, o governo o forçou a deixar o país, embora ele próprio estivesse buscando meios de emigrar e até considerando um casamento falso para esse fim. Assim, Brodsky se mudou para os Estados Unidos e passou a lecionar literatura russa ali.
Mas ele tinha especial carinho por Veneza, que visitava todos os invernos, vagando pelos canais que lhe remetiam à terra natal, Leningrado — o resultado desse amor é o livro “Marca d’água”. Em 1996, Brodsky morreu nos EUA, mas foi enterrado em Veneza, no cemitério de San Michele.
Como as pessoas eram expulsas da URSS?
Em 1921, o Conselho de Comissários do Povo adotou um decreto intitulado "Sobre a privação dos direitos de cidadania de certas categorias de pessoas que se encontram no exterior". Por decreto, eram privados da cidadania da Rússia Soviética todos os que tinham cidadania do Império Russo, que tinham permanecido no exterior por mais de 5 anos e que não tinham solicitado novos documentos às missões soviéticas e que tinham servido em exércitos ou corpos policiais estrangeiros.
Em 1928, por sugestão das embaixadas soviéticas no exterior, 16 pessoas, em países diversos, foram privadas de sua cidadania "por atividades antissoviéticas".
A partir de 1938, de acordo com a "Lei de Cidadania da URSS", a privação da cidadania tornou-se possível por sentença judicial ou, excepcionalmente, por decisão do Presidium do Soviete Supremo da URSS. A partir de 1958, esta questão foi retirada do judiciário e, assim, se tornou uma punição puramente política.
Em 1978, o Artigo 18 da nova Lei de Cidadania da URSS passou a estabelecer que qualquer pessoa podia ser privada de cidadania por “ações que desacreditassem a alta posição de um cidadão da URSS e prejudicassem o prestígio ou a segurança do país".
Segundo a pesquisadora Elena Ponizova, “essa formulação abriu espaço para a arbitrariedade de órgãos e funcionários estatais na avaliação do comportamento dos cidadãos”.
Durante todos os anos de poder soviético, não apenas dezenas de dissidentes e aqueles que discordavam da política do Estado foram privados da cidadania soviética, mas também escritores, filósofos, diretores de cinema e outras pessoas de profissões criativas, pela inconsistência de seu trabalho com a linha ideológica geral do Partido Comunista da URSS. Na maioria das vezes, o governo privava de cidadania pessoas que já haviam deixado a URSS, bloqueando, assim, a possibilidade de retorno e separando-as de suas famílias para sempre.
Em 15 de agosto de 1990, o presidente da URSS, Mikhail Gorbatchov, assinou um decreto intitulado “Sobre a abolição dos decretos do Presidium do Soviete Supremo da URSS quanto à privação de cidadania da URSS a determinadas pessoas que vivem fora da URSS”.
Esse decreto devolveu a cidadania a quase todas as pessoas que foram dela privadas entre 1966 e 1988 por razões políticas.
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