Por que Stálin mandou assassinar Leon Trótski?

Russia Beyond (Foto: Legion Media; Global Look Press)
Um dos parceiros mais próximos de Lênin e líder da Revolução de Outubro, Trótski foi assassinado no México por ordem pessoal de Stálin. Mas por que o bigodudo ditador tinha tanto medo de seu ex-companheiro de armas?

Stálin, que não tolerava competição, tinha diversos motivos para ter antipatia por Leon Trótski (também grafado como Lev Trotsky em português), um dos principais revolucionários bolcheviques, figura central da vitória do Exército Vermelho na Guerra Civil Russa e o parceiro mais próximo do líder comunista Vladímir Lênin. A influência e a autoridade de Trótski eram tão grandes que, após a Revolução de Outubro, ele poderia ter assumido o cargo de chefe do novo governo —— mas o entregou voluntariamente a Lênin.

Trótski discursa para soldados.

Ióssif Stálin e Leon Trótski sempre tiveram divergências sobre muitos assuntos, mas a hostilidade se transformou em ódio real após o “conflito de Tsarítsin”. Durante a Guerra Civil, o Exército Vermelho, criado do zero por Trótski, precisava de soldados e comandantes experientes. Trótski defendia a admissão de ex-oficiais do Exército Imperial em suas fileiras. Já Stálin, o então comissário do Povo (ministro) para as Nacionalidades, era categoricamente contra essa estratégia na região do Cáucaso, onde era responsável pela frente local.

Stálin escolhia comandantes pouco experientes, mas ideologicamente leais. Mais tarde, alguns deles viriam a se tornar marechais da URSS, como foi o caso, por exemplo, de Voroshilov e Budionny.

Apesar de Trótski ser o presidente do Conselho Militar Revolucionário, Stálin não obedecia suas ordens e escrevia cartas diretamente a Lênin, exigindo mais poder militar: “Se Trótski distribuir mandatos a todos sem hesitação, em um mês tudo vai desmoronar no norte do Cáucaso. Faça-o entender! Para o bem da causa, preciso de poder militar! A ausência de um pedaço de papel assinado por Trótski não vai me impedir."

Trótski, por sua vez, exigia a renúncia de Stálin. Lênin resolveu o conflito em favor de Trótski. Stálin teve que deixar a frente de batalha e retornar a Moscou, mas logo foi nomeado membro do Conselho Militar Revolucionário liderado por Trótski. Assim, o confronto continuou.

Testamento de Lênin e luta pelo poder

Lênin e Stálin.

A luta entre os dois líderes do Partido passou a ser completamente aberta após o início da doença de Lênin — quando ele, como líder do partido, se distanciou das atividades políticas e se aposentou.

Na nota ao Congresso de 1922, conhecida popularmente como o “Testamento de Lênin”, o líder bolchevique já escrevia sobre uma possível cisão no partido devido ao conflito entre Stálin e Trótski: “Stálin é muito rude, e essa desvantagem é tolerável no ambiente e nas comunicações entre nós, mas é inaceitável para a pessoa no cargo de secretário-geral. Portanto, sugiro que os camaradas considerem uma maneira de fazer Stálin ocupar um outro cargo e nomear outra pessoa, uma pessoa que difira em todos os aspectos do camarada Stálin, e com uma vantagem mais importante: mais tolerante, mais leal, mais educado e mais atento aos camaradas, com menos caprichos e assim por diante."

Lênin não apenas criticava Stálin, como também mostrava maior confiança em Trótski, chamando-o de "o membro mais capaz do Comitê Central [do Partido Comunista]". Mesmo assim, Stálin permaneceu no cargo de secretário-geral e, em 1922, ganhou grande autoridade e popularidade por ter distribuído a maior parte dos cargos no Partido.

Caricatura de Trótski como cruel assassino das massas.

Stálin reuniu apoiadores leais ao seu redor e começou a fazer de tudo para expulsar Trótski do partido. Ele obteve sucesso na empreitada e logo Trótski foi destituído do cargo, expulso do Partido e, em 1929, exilado da URSS.

A linha política de Trótski também era questionável, pois ele era ainda mais duro e radical do que Stálin em seus planos políticos, defendendo o terror e a ditadura no país, bem como a propagação contínua do “fogo da revolução” no resto do mundo. Inacreditavelmente, em comparação com Trótski, Stálin era um político mais contido e equilibrado.

Operação "Mãe"

No exílio, Trótski não abandonou a atividade política e fundou a Quarta Internacional (QI), uma organização comunista oposta a Stálin. Assim, no exílio, Trótski se tornou ainda mais perigoso para o bigodudo ditador, do que na URSS, já que estava fora da zona de influência da URSS.

O organizador do assassinato, general Pável Sudoplatov.

Em livros e artigos escritos no exílio, Trótski chamava seu opositor de "intendente de Hitler" e condenava o culto à personalidade, o totalitarismo e, principalmente, a burocracia soviética.

Segundo historiadores, o pretexto para o assassinato de Trótski foi justamente a comparação feita entre a URSS a Alemanha nazista. O principal organizador do assassinato de Trótski, Pável Sudoplatov, escreveria mais tarde que Stálin tinha explicado a necessidade de matar o ex-aliado assim: “Trótski deve ser eliminado dentro de um ano, antes de uma inevitável guerra. Sem a eliminação de Trótski, como mostra a experiência espanhola, não podemos ter certeza de que, no caso de um ataque dos imperialistas à União Soviética, teremos apoio dos nossos camaradas de armas no movimento comunista internacional."

O plano da primeira tentativa de assassinato foi chamado de "Cavalo". Um grupo de assassinos metralhou a casa de Trótski. Apesar das dezenas de tiros, o revolucionário, sua esposa Natália e seu neto Seva saíram ilesos.

Policial mexicano segurando a picareta usada por Mercader.

Após o fracasso deste, Stálin mandou realizar o segundo plano, chamado de "Mãe". Segundo ele, o comunista espanhol Ramón Mercader devia se infiltrar no círculo íntimo de Trótski e matá-lo. Foi assim que ele começou um relacionamento com uma das secretárias de Trótski e recebeu um passaporte canadense falso, sob o nome de Frank Jackson.

Mercader mostrava interesse pelas ideias de Trótski e dava presentes ao neto dele. Mas, em 20 de agosto de 1940, Mercader levou a Trótski um texto de apoio à Quarta Internacional, pedindo que ele o avaliasse — era o pretexto para uma visita no dia do assassinato.

Era um dia quente e Mercader chegava à casa de Trótski com uma capa de chuva, mas isso não incomodou ninguém: os guardas já o conheciam e não deram muita atenção a este detalhe. Porém, havia uma picareta especial para alpinistas escalarem montanhas, um revólver e uma adaga escondidos sob a capa de chuva.

Ramon Mercader em 31 de agosto de 1940.

"Quando Trótski começou a ler o artigo que serviu de pretexto para minha visita, tirei a picareta da capa de chuva, apertei-a na mão e, fechando os olhos, dei um golpe terrível na cabeça dele", disse Mercader após a prisão.

Trótski foi levado imediatamente ao hospital, onde passou por uma cirurgia. Mesmo assim, ele acabou morrendo doze horas depois, devido à enorme perda de sangue e ao trauma na cabeça.“Não sobreviverei a este ataque. Stálin finalmente cumpriu aquilo que tentara fazer, sem sucesso antes”, teriam sido suas últimas palavras.

Ramon Mercader passou 19 anos e 8 meses na prisão. Após a libertação, ele partiu para a URSS e recebeu o título de Herói da União Soviética.

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