Nekrássov, o poeta que buscava almas felizes na Rússia

História
ALEKSANDRA GÚZEVA
Internacionalmente, o poeta Nikolai Nekrássov (1821-1877) não é tão conhecido quanto os grandes romancistas russos do século 19. No entanto, ele é tão importante para a entender o povo russo como Tolstói ou Dostoiévski.

Nomeie agora alguma morada,

Eu não vi um canto assim,

Onde seu semeador e seu guardião,

O manso camponês russo não se lastime?

Estes são versos do seu poema “Razmichlénia u parádnogo podiezda” (em tradução livre, “Reflexões à Porta da Frente”). Muito antes da Revolução de 1917, em meados do século 19, o poeta foi um dos primeiros no país a se ocupar da vida dos camponeses na Rússia.

Ele entendia que toda a Rússia se apoiava sobre os camponeses, via seu sofrimento com os próprios olhos, sentia por eles e escrevia muito sobre seu duro destino.

De editor romântico a progressista

Na crítica literária soviética, Nekrássov era considerado um adepto das visões democráticas revolucionárias. Desde criança viu o pai, fazendeiro, tratar os servos com crueldade. Ele presenciou e teve plena consciência do que era a injustiça social.

Nekrássov escreveu seus primeiros poemas na adolescência. O pai queria que ele seguisse a carreira militar, mas o jovem o desobedeceu e foi para São Petersburgo, onde ingressou na faculdade de filologia como ouvinte.

Furioso, o pai cortou todo o apoio financeiro, e assim o jovem poeta experimentou todas as dificuldades da vida. Ele pegava qualquer trabalho que aparecesse: professor escolar, editor etc.

Mesmo assim, conseguia encontrar tempo para escrever poesia e prosa. Aos 19 anos, Nekrássov lançou sua primeira coleção de poemas, “Metchti i zvúki” (em tradução livre, “Sonhos e sons”), que foi bem recebida pelos críticos.

Na década de 1840, Nekrássov conseguiu emprego em uma das revistas literárias mais influentes da época, a Otetchestvennie Zapíski (Notas da Pátria), onde conheceu o famoso crítico Vissarión Belínski.

Com a ajuda dele, Nekrássov fez amizade com muitos escritores russos e iniciou uma atividade editorial de sucesso. Ele pedia a escritores que lhe dessem um conto ou novela gratuitos e compilava esses manuscritos em almanaques com obras de Fiódor Dostoiévski, Ivan Turguêniev e Aleksandr Herzen.

Mais tarde, Nekrássov se afastou de Belínski e tornou-se editor de outro importante jornal literário, o Sovremennik (Contemporâneo), fundado por Aleksandr Púchkin. Por meio de seus esforços, a revista descobriu vários talentos literários e alçou Tolstói e Dostoiévski à fama.

Poeta e cidadão

Nekrássov deu preferência à literatura "cívica", que levantava questões socialmente significativas. “Acorde: fulmine os vícios com coragem...”, “Você pode não ser poeta, / Mas deve ser um cidadão”, escreveu em seu poema “Poeta e cidadão”, que refletia sua visão sobre o propósito da poesia.

Nekrássov era fiel às suas convicções, e muitas de suas obras destacavam o sofrimento do povo russo. “O povo russo já suportou o suficiente”, escreveu ele no poema “Estrada de ferro”. “Ele suportará tudo o que o senhor mandar!”

Ela era particularmente sensível à terrível posição das mulheres na sociedade russa. Como o pai maltratava a mãe, desde a infância Nekrássov percebeu a difícil situação das mulheres russas. Nenhum outro escritor russo sentia isso mais do que ele.

Em seu poema “Rússkie jênschini” (“Mulheres Russas”), de 1871, Nekrássov uniu dois temas que mais o preocupavam: a vida dos camponeses e a opressão às mulheres.

O poema conta a história de duas esposas de dezembristas que seguem seus maridos prisioneiros sozinhas pelo país até a Sibéria e veem cenas terríveis de um “país oprimido e desesperado”, onde encontram “um mestre severo e um camponês miserável e trabalhador, de cabeça baixa... Já que o primeiro está acostumado a ser governante e o segundo, escravizado!”

A importância da poesia cívica foi posteriormente reconhecida por outros poetas, pois surgiu toda uma "escola de Nekrássov" de poetas que se opunham àqueles que defendiam a "arte pela arte".

Até mesmo alguns dos poetas do início do século 20, da Era de Prata da poesia russa, compartilhavam dos temas e da linguagem de Nekrássov - em particular Aleksandr Blok.

Os bolcheviques gostavam muito de Nekrássov: Lênin o chamava de "velho democrata russo" e usava seus versos como epígrafes para seus artigos.

Nekrássov dedicou a última década de sua vida à sua principal obra, o poema “Quem vive bem na Rússia?” Ele ficou de 1865 até sua morte, em 1878, escrevendo esses versos, que publicou, capítulo por capítulo, nas revistas “Sovremennik” e “Otetchestvennie Zapíski”, contornando a censura.

Em busca da felicidade

Em termos de estrutura, “Quem vive bem na Rússia?” parece um poema épico antigo com heróis errantes. Ele também tem numerosos elementos de contos de fadas e folclore. Nekrássov tentou falar em nome de camponeses comuns e introduz, em uma manobra inédita, o vernáculo das pessoas comuns na literatura russa.

A abolição da servidão, que ocorreu na Rússia em 1861 e que, na opinião de Nekrássov, só piorou a situação dos camponeses, deixando-os sem terra e sem segurança, e levou ao declínio de propriedades e aldeias em geral: "A grande corrente se quebrou, se quebrou e atingiu, com uma ponta, o patrão e, com a outra, o camponês.”

O poema começa com sete camponeses de diferentes aldeias tendo uma discussão acalorada sobre quem na Rússia vive bem. Cada um tem sua própria teoria: um diz que são os proprietário de terras, outro, que são os funcionários públicos.

Os outros candidatos a uma vida feliz na Rússia são os padres, os comerciantes, os boiardos e, finalmente, o tsar. Os sete camponeses decidem viajar pelo país em busca de pessoas satisfeitas com sua vida. Mas em que consiste a felicidade? E eles conseguem encontrá-la? O final do poema vai surpreender o leitor!

O poema recebeu críticas diversas quando foi publicado. Alguns o elogiaram pela amplitude de sua visão da Rússia, pela profundidade de sua compreensão e pela relevância dos problemas levantados, comparando-o ao romance “Almas Mortas”, de Nikolai Gógol.

Outros, no entanto, o criticaram pela natureza surreal de suas representações e caracterizações. Além disso, os críticos não conseguiam entender como a mesma pessoa poderia ser um oponente tão ardente da servidão e, ao mesmo tempo, lamentar sua abolição.

Mas foi precisamente a oposição à servidão que tornou Nekrássov querido pelos bolcheviques. Os críticos literários soviéticos elogiavam Nekrássov por tentar se aproximar das pessoas comuns e usar seu vernáculo, bem como por sua simpatia pelas classes oprimidas.

Nos tempos soviéticos, as obras completas de Nekrássov foram publicadas e seus poemas passaram a fazer parte do currículo escolar. Ele é ensinado na escola até hoje e seu poema “Quem vive bem na Rússia?” tornou-se fonte de numerosas citações e aforismos populares.

Em 2015, o renomado diretor Kirill Serebrennikov transformou o poema em uma grande produção teatral, demonstrando a natureza atemporal da obra e sua relevância até os nossos dias, ao capturar uma certa essência da “alma russa”.

 

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